sábado, 15 de julho de 2017

Carroceiro cresceu em bairro onde foi morto pela PM em São Paulo, diz mãe

Carlos Lima | Publicado em 15/07/2017 às 11:37:48
Carroceiro cresceu em bairro onde foi morto pela PM em São Paulo, diz mãe
Padre Júlio Lancellotti, da Pastoral do Povo na Rua, deu apoio à Aristides e realizou a cerimônia de sepultamento de Ricardo (Foto: TIAGO QUEIROZ/ESTADÃO CONTEÚDO).

O carroceiro Ricardo Nascimento cresceu no bairro em que foi morto na tarde de quarta-feira (12) por um policial militar. O homem de 39 anos levou dois tiros à queima roupa na Rua Mourato Coelho, em Pinheiros, Zona Oeste de São Paulo.

Aristides Santana, mãe da vítima, conta que, quando menino, às vezes, ele a acompanhava no serviço. Há três décadas Aristides trabalha como doméstica para uma família que reside em Pinheiros.

Ricardo foi funcionário de um mercado na região e gerente de loja, antes de trabalhar como carroceiro e residir na rua. Aristides afirma que era comum vê-lo recolhendo papelão, mas lamenta a falta de intimidade com o filho. “Não conversava comigo, era fechado”, disse a mãe.

 Ela também afirma que nunca entendeu as razões que fizeram Ricardo viver em situação de rua. “Tinha dia que eu não dormia pensando, meu Deus como pode uma pessoa viver numa situação dessas.”

Na noite de quarta-feira (12), estava em sua casa quando foi avisada do assassinato do filho. “Agradeço a todos que ajudaram ele”, disse sobre as homenagens dos amigos carroceiros e moradores da região.

Na quinta-feira (13), amigos e moradores do bairro protestaram contra a morte e pediram por Justiça. Ela também afirma que foi procurada e irá prestar depoimento no DHPP.

Aristides teve quatro filhos. Três mulheres e um homem. Uma das meninas morreu aos 21 dias de vida. “Quase morri de chorar. Agora mais um [que foi enterrado]”. O carroceiro foi enterrado na tarde desta sexta-feira (14). A matriarca só conseguiu acompanhar após ser medicada. “Estou aqui porque tomei calmante. Estou dopada”, disse.

Sobre o pai de Ricardo, ela conta que ele não era presente e que perdeu o contato, o que a impediu de avisar da morte do filho.

A cerimônia de sepultamento foi realizada pelo padre Júlio Lancellotti, e acompanhada por amigos e parentes. Rosângela Silva, de 34 anos, uma das irmãs do carroceiro, bastante emocionada contou à reportagem que Ricardo gostava de jogar futebol e vídeo game.

Morte

Testemunhas que viram a ocorrência disseram que o morador estava alterado e segurava um pedaço de madeira. “Baixa o pau, baixa o pau”, teria dito o policial, segundo Maria do Socorro. Em seguida, ao fazer um movimento como se fosse jogar o pedaço de madeira, o policial disparou duas vezes e Ricardo caiu.

Sob gritos de “assassinos” e “fascistas”, os policiais colocaram a vítima dentro de um carro da polícia, cerca de 15 minutos depois dos tiros. Ele foi levado para o Hospital das Clínicas, mas não resistiu. Os policiais envolvidos na ação foram afastados das ruas, informou a Secretaria de Segurança Pública.

No boletim de ocorrência registrado na Polícia Civil, o policial militar afirma que “foi obrigado a efetuar os disparos de arma de fogo” para se defender.

Imagens de câmera de segurança registraram o momento em que o carroceiro foi baleado. No vídeo, é possível ver o momento em que o carroceiro desce a rua, na esquina da Mourato Coelho coma Navarro de Andrade. Ele volta e depois cai no chão, provalmente no momento em que é atingido pelos tiros.

Ameaças

Clayton Silva filmava a ação policial e afirma que teve o celular retirado por policiais, que apagaram as imagens de seu celular e ainda apontaram uma arma para ele ao exigir o aparelho.

Outras pessoas também relataram ameaças por terem filmado o assassinato. Um dos carroceiros que presenciou a cena, afirma que teve os dedos quebrados pela PM. As mãos dele estão inchadas e com marcas roxas.

Outra testemunha, uma mulher, afirmou que a polícia colocou o corpo no carro sem esperar a ambulância. “Ele caiu no chão e deram mais um tiro nele. Puseram ele num saco, jogaram dentro da viatura e sumiram com ele”, disse.

Um homem que gravou o crime disse que foi agredido pelos policiais. “Só que o pessoal da Força Tática, o cara colocou uma escopeta na minha barriga e me tomou meu celula. E apagou tudo minhas coisas do meu celular. E ainda me jogaram na parede lá e arrebentaram tudo meus dedos aqui ó”, afirmou.

Segundo um colega, que também atua recolhendo materiais recicláveis, Ricardo sofria de transtorno mental. De acordo com o amigo do carroceiro, apesar dos episódios de confusão mental Ricardo nunca agrediu ou fez mal a alguém.

Investigação

A Secretaria da Segurança Pública afirmou que tanto os dois policiais que se envolveram na ocorrência quanto a guarnição de Força Tática que prestou apoio foram recolhidos ao serviço administrativo, sendo afastados do trabalho nas ruas.

O 23º BPM/M instaurou inquérito policial militar para investigar todas as circunstâncias do fato, acompanhado pela Corregedoria.

O DHPP instaurou inquérito, ouviu testemunhas e encaminhou a arma do PM envolvido na ocorrência para perícia. A polícia irá analisar imagens de câmeras da segurança da região.

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