terça-feira, 20 de junho de 2017

Engenharia: One World Trade Center

O OWTC é hoje o mais alto e também é considerado o mais seguro prédio dos EUA.


Poucos se dão conta de que toda a região do entorno está dentro de uma grande “banheira” protetora.
Poucos se dão conta de que toda a região do entorno está dentro de uma grande “banheira” protetora. (Reprodução)
Por José Antônio de Sousa Neto*

O edifício  One World Trade Center (OWTC) é uma maravilha da engenharia civil, do design e da resiliência humana. Uma construção inovadora onde o estado da arte da tecnologia construtiva é a regra. Para mim em particular, este edifício de 541 metros de altura incluindo a torre colocada no seu cume traz muitas lembranças e reflexões. Costumava ir com frequência a esta região de Nova Iorque onde se encontram muitos bancos e escritórios de advocacia, parceiros quase inevitáveis na viabilização de grandes projetos de engenharia. Cheguei a subir até o observatório que ficava no alto das torres gêmeas que colapsaram. Era para eu estar em um dos prédios que circundavam as torres no dia da tragédia, mas a reunião que eu teria lá foi cancelada uma semana antes.
Não é possível neste breve texto compartilhar com o leitor tudo que faria jus a esta extraordinária obra. Daria para escrever um livro. Mas gostaria de chamar a atenção para algumas de suas características apenas como um aperitivo para aqueles que se interessarem poderem depois explorar este assunto um pouco mais. O OWTC é hoje o mais alto e também é considerado o mais seguro prédio dos EUA.
Para começar, poucos se dão conta de que toda a região do entorno está dentro de uma grande “banheira” protetora. Cercada pelo Rio Hudson e um solo encharcado, a solução para a viabilização do desenvolvimento urbano na região foi a construção de uma grande parede diafragma. A parede diafragma consiste em se realizar, no subsolo, um muro vertical de profundidades e espessuras variáveis, constituídos de painéis elementares alternados ou sucessivos, e aptos a absorver cargas axiais, empuxos horizontais e momentos fletores.
A parede pode ter função estática ou de interceptação hidráulica, podendo ser constituída de concreto simples, armado ou pré-moldado dentre alternativas, conforme a necessidade e solução técnica correspondente mais adequada. É uma solução indicada quando, por exemplo, é necessária escavação que ultrapasse o nível do lençol freático. A parede diafragma absorve esforços de empuxo de solo e hidrostático. Dependendo do projeto, a parede pode se valer do auxílio de tirantes ou estroncas estruturais e esta foram a solução técnica para todo o entorno de onde hoje está a torre One World Trade Center e onde estavam as torres gêmeas que foram destruídas. Uma solução semelhante à doutrina do Judô: Usar a força do adversário a seu favor. Neste caso a força do desmoronamento fortalece o atrito nos tirantes que dificultam o próprio desmoronamento.
Como define o engenheiro Maurício Rattichieri “O diferencial para paredes diafragma em relação a outros tipos de muros de arrimo é o fato de a estrutura ser executada antes da remoção da terra que contemplará a obra. Com o uso de fluídos de contenção, somados aos equipamentos de escavação lineares, a parede diafragma é criada por partes e depois de concluída, pode ser realizada a escavação, assegurada por um muro de contenção já existente”. Uma curiosidade é que os efeitos colaterais da queda das torres poderiam ter sido ainda mais dramáticos. Com o colapso das torres as paredes do entorno ficaram fragilizadas e um desmoronamento do solo e uma inundação pelas águas oriundas do Rio Hudson poderia ter materializado uma devastação digna de filmes catástrofe. Ironicamente o que sustentou as paredes foi os milhões de toneladas dos próprios destroços. Assim estes últimos não puderam ser retirados de imediato, mas apenas aos poucos na medida em que uma nova parede de reforço era construída em frente e colada à parede original.

Embora anteriormente nos EUA nunca uma estrutura em aço tivesse colapsado por causa do calor, evidentemente o caso das torres gêmeas foi excepcional. Além das temperaturas altíssimas resultantes da queima de combustíveis os aviões atingiram o núcleo das torres que eram o elemento estrutural central do edifício sustentando a quase totalidade dos esforços em seu entorno. A deformação pelo calor mais a ruptura fez com que os andares de cima não só perdessem a sustentação, mas ganhassem velocidade e aceleração pela gravidade. Não havia como resistir, naquela circunstancia, a cargas e esforços tão poderosos. Para o OWTC decidiu-se desta vez pela construção de um núcleo em concreto. Mas imaginem, mesmo aqueles que não são engenheiros,  no contexto de um edifício de mais de cem andares, o peso deste núcleo e o comprimento e a largura desta estrutura de concreto para suportar tamanho peso e esforços de compressão (500 mil toneladas de concreto)! Dentre outras coisas não sobraria muito espaço útil no entorno deste núcleo para a utilização como escritórios. 
A solução veio da inovação tecnológica. A má notícia para a engenharia brasileira na área de concreto e que já foi uma das mais avançadas do mundo é que nesta super saudável disputa  os americanos chegaram lá primeiro. A boa notícia é que se os americanos encontraram o caminho, nós podemos chegar lá também! Imaginem um cilindro de concreto de 80 cm de diâmetro que é capaz de suportar o peso de 1000 pessoas de 80 quilos cada uma sobre ele. Uma versão encorpada de nossos conhecidos corpos de prova.
De fato outra escala de referência para nossas prensas utilizadas nos essências testes de resistência para o concreto.
A solução foi misturar ao concreto uma composição de produtos químicos (segredo tecnológico bem guardado). No contexto das normas construtivas americanas isto significou elevar a resistência do concreto para 14 mil libras por polegada quadrada. Para se ter uma idéia a resistência do concreto utilizada na famosa Barragem de Hoover é de 7,5 mil libras por polegada quadrada e para construções mais comuns em torno de 4 mil libras por polegada quadrada.
Uma revolução que abre inúmeros caminhos e opções de aplicação na engenharia civil supondo-se que a tecnologia é viável em termos de custo ou, em outras palavras, viável econômica e financeiramente. Além disso, este tipo de concreto tem uma pegada hídrica mais baixa que o concreto tradicional.  Usa bem menos água, mas mantém a umidade adequada à uma cura que alcance a resistência desejada / projetada.  Isso não vem sem desafios. A cura mais rápida demanda uma logística mais sofisticada de transporte e aplicação / bombeamento do concreto. No todo, no entanto, temos a combinação de viabilidade econômica, inovação técnica e otimização sustentável de recursos ambientais. Um excelente exemplo do que é Engenharia Sustentável! Mas não para por aí. Poderíamos falar da competente logística do canteiro de obras de 65000 metros quadrados, dos 73 elevadores que alcançam 37 km por hora de velocidade, das escadas lacradas e pressurizadas para proteção contra o fogo, da eficiência energética do edifício dentre tantas outras coisas.
Para terminar este breve texto, no entanto, gostaria de chamar a atenção para um ponto muito interessante, para não dizer “especial”: Repararam bem no design do edifício? Caros leitores neste caso o design vai muito além da estética. Um dos maiores esforços sobre uma construção deste porte e que o leigo normalmente não se dá conta são causados pelos ventos. Prédios desta dimensão são verdadeiras velas gigantes presas ao solo. Construções modernas são testadas em túneis de vento assim como fazemos para carros esportivos.
As torres gêmeas anteriores eram quadradas. O vento que vinha de qualquer direção ao passar por elas, assim como em estruturas semelhantes, criava redemoinhos na face oposta gerando as conhecidas e tradicionais oscilações na estrutura (infelizmente aqui não será possível abordar as diversas e belas soluções técnicas para este desafio).  O design do OWTC reduz significativamente a formação destes redemoinhos e dos esforços resultantes. Isto significa ganho estrutural sob o ponto de vista econômico e material e, portanto, mais uma vez, um bom exemplo da riqueza da engenharia sustentável.
Sem dúvida o caminho da engenharia do futuro é por aí.
* José Antônio de Sousa Neto é professor da Escola de Engenharia de Minas Gerais (EMGE) e PhD em Accounting and Finance pela University of Birmingham no Reino Unido.

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