sexta-feira, 28 de abril de 2017

Seriam os novos mártires iguais aos antigos?

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Pode ser que os “novos mártires” nos pareçam “novos” pela nobreza dos seus martírios acontecerem no nosso contexto cultural moderno.
Mural em El Paisnal, El Salvador, representa ao Beato Oscar Romero e o Padre Jesuíta Rutilio Grande nascido nesse povoado, rodeados de homens, mulheres e crianças campesinas.
Mural em El Paisnal, El Salvador, representa ao Beato Oscar Romero e o Padre Jesuíta Rutilio Grande nascido nesse povoado, rodeados de homens, mulheres e crianças campesinas. (Rhina Guidos/ CNS)
Por Carlos X. Colorado*

A oração do Papa Francisco na Basílica de São Bartolomeu para homenagear os “novos mártires” foi, além de uma oração, uma chamada de atenção sobre a ideia de poder distinguir o aparecimento de novos mártires em relação ao grande grupo de Cristãos heróis da fé.

De fato, uma dupla recente de peças justapostas em Cruz “os novos mártires” vs. “os antigos mártires” sugere que enquanto os mártires eram mortos pelo ódio à fé, eles agora morrem pelo “odium amoris” e outras formulações do cânon eclesiástico sobre o martírio.

Esta foi também a intenção quando o Papa Bento XVI visitou o santuário da “Ilha de Tiber” para os mártires modernos em Abril de 2008 elogiando os mártires assassinados por defenderem aos pobres.

Muitas pessoas provavelmente tinham em mente ao Beato Oscar Romero, o arcebispo salvadorenho morto por sua zelosa denuncia da injustiça social, quando bento XVI declarou que “A vida fraterna em comum e o amor, a fé e as decisões em favor dos desamparados e pobres são os sinais que marcam a existência da comunidade Cristã, algumas vezes chegando até a aversão violenta de alguns”.

O missal de Romero é guardado entre as relíquias na basílica, e Romero é caracterizado num ícone dos Novos Mártires no altar da basílica.

Tão arraigada está a ideia de que Romero e outros mártires modernos estão separados do molde tradicional que, quando questionado sobre a causa de Romero em 2014, Francisco desejava que os teólogos criassem abertamente uma nova categoria de mártires.

"O que eu gostaria é de um esclarecimento sobre o martírio no odium fidei, quer ele possa ocorrer por ter confessado o Credo [lido como: mártires tradicionais] ou por ter feito as obras que Jesus mandava em relação ao próximo [ou seja, os novos mártires]," ele disse.

Pode-se argumentar que não há necessidade de criar qualquer categoria nova para mártires como Romero, porque Romero cumpre os requisitos tradicionais para o martírio. É claro que isso vai contra a sabedoria convencional.

Por exemplo, o bispo colombiano Héctor Julio López Hurtado disse a Crux em 2015 que a Colômbia não tem mártires como Santo Thomas More, o advogado inglês da era do Renascimento, morto por defender a doutrina católica, mas existem mártires no estilo de Romero, que foram mortos por se recusar a abandonar seus postos, apesar dos perigos de ficar em pé.

Contudo, existe tal abismo entre More e Romero? Os dois podem não estar tão distantes como poderíamos pensar se olharmos os fundamentos de seus martírios.

More foi condenado por traição e decapitado sob o rei Henrique VIII depois que ele se recusou a reconhecer a anulação do casamento de Henrique, ou o subsequentemente reconhecimento de Henry como Chefe da Igreja da Inglaterra.

O santo alegou que o Ato de Supremacia de Henrique era contrário "às leis de Deus e à sua santa Igreja". Ele sustentava que "nenhum príncipe temporal" poderia acabar com os preceitos legais estabelecidos na Igreja. Assim, More morreu como mártir pela supremacia da lei de Deus sobre o capricho humano.

Romero foi morto o dia 24 de março de 1980 por ter feito um sermão pungente no dia 23 de março, defendendo os pobres e pretendendo "comandar" o exército "em nome de Deus" para desafiar ordens militares de matar civis.

"Antes de uma ordem de matar que um homem pode dar", Romero falou enfurecido, "a lei de Deus deve prevalecer quando diz: Não matarás! Nenhum soldado é obrigado a obedecer a uma ordem contra a lei de Deus".

A sentença de morte de Romero foi selada quando pronunciou essas palavras, porque os militares salvadorenhos (como os cúmplices do rei Henrique) viram a defesa de Romero da primazia da lei divina como uma afronta inexpugnável à ordem política dominante. Todavia, como no caso de More, os efeitos políticos que a ordem estabelecida queria manter não ultrapassam o fato de que suas motivações incluíram um animus em contra da resistência inspirada pela fé.

Bento XVI acertou quando apontou em um discurso de 2006 ao órgão do Vaticano que reconhece os santos, que todos os mártires (de hoje e de ontem), são motivados pelo mesmo amor a Cristo.

"Se o motivo que os impulsiona ao martírio permanece inalterado", disse Bento, "então o que mudou são os contextos culturais do martírio e as estratégias" de seus assassinos, que "cada vez mostram menos explicitamente sua aversão à fé Cristã ou a uma forma de conduta relacionada às virtudes Cristãs, mas disfarçam diferentes razões, por exemplo, de natureza política ou social".

Para More, o amor a Cristo o levou a romper com o rei Henrique sobre sua anulação não autorizada e tentativa de criar uma nova Igreja do Estado. Para Romero, o amor a Cristo o levou a romper com a oligarquia salvadorenha que reprimia os pobres para manter seus ganhos mal adquiridos.

Estas são, nas palavras do Papa Bento XVI, os "contextos culturais" de seus martírios. Nem More nem os assassinos de Romero admitiram uma aversão pela fé Cristã; Na verdade, ambos pretendiam defender a verdadeira fé contra alguém que eles percebiam como um infiel. Novamente, nas palavras de Bento, os assassinos "disfarçam razões de natureza política ou social".

Isso não quer dizer que não haja mudanças na maneira como percebemos os mártires. Certamente, Romero é percebido por muitos como um mártir não porque ele foi morto por defender a supremacia da lei divina (embora ele fosse), mas porque ele optou por ficar do lado dos pobres sendo isto um grande perigo para sua própria pessoa (o que também é verdade).

Além disso, há muitos outros martírios, como São Maximiliano Kolbe (que se ofereceu para morrer em lugar de outro) e Santa Teresa Benedita da Cruz (Edith Stein, cujos assassinos nazistas, sem dúvida, a mataram principalmente porque ela nasceu judia).

Logicamente, pode ser que os "Novos Mártires" parecem "novos" para nós só por causa da novidade dos seus martírios acontecerem no contexto cultural de nossos tempos modernos. Se assim for, isso faz parte do espírito do reconhecimento contínuo dos mártires na Igreja. Ela nos impede de pensar numa noção romantizada do martírio como um fenômeno arcaico cujo tempo acabou, um anacronismo teológico.

Em última análise, como disse Francisco na Basílica de São Bartolomeu: "Se olharmos com afinco, podemos ver que a causa de toda perseguição é o ódio do príncipe deste mundo por aqueles que foram salvos e redimidos por Jesus".

Carlos X. Colorado é um advogado salvadorenho-americano que vive e trabalha em Los Angeles. Seu blog, Super Martyrio, segue a causa de canonização de Romero.


Crux

Ramón Lara

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