sexta-feira, 30 de setembro de 2016

O sopro de Darcy - o homem monumento

 domtotal.com
Correu riscos, correu mundo, não teve pudor de assumir seus pontos de vista.
Vivas a Darcy – homem monumento! Quanta falta fazes, querido!
Vivas a Darcy – homem monumento! Quanta falta fazes, querido!

Por Eleonora Santa Rosa*

Zapeando em fim de noite de dia difícil, só tiros, estrondos, chacinas, corrupção e injustiça para dar e vender, quase à náusea, a impressão de um país em escombros. Sem fôlego e empanzinada com o xarope editorial sem graça, enjoativo e enojante, produzido em larga escala e em obediência a receituários de restrita composição, em que pensar livremente e ousar criticamente são ingredientes contraindicados, a surpresa-luz do reencontro com Darcy.

Calvo, doente, já quase terminal, em plena celebração dionisíaca, em Brasília, quando da outorga do título de Professor Honoris Causa da UNB, em 1995.

Comovida por ver a vivacidade de seus olhos enfermos, por ouvir palavras potentes ecoadas por sua voz tão fragilizada, por sentir sua inabalável crença na superação dos conflitos e das mazelas sociais por meio da educação, entendida como libelo de salvação de uma nação conspurcada pela aliança espúria e ignorante, entre a tropa cega e a elite torpe e recalcitrante, que resultou num longo e doloroso período de perseguição à inteligência, à ousadia e à criatividade, com muito chumbo grosso e exílio amargo de muitos em solos outros.

Incrivelmente bela a vibração emanada do verbo de quem tinha o que dizer e que sempre surpreendeu pela originalidade das sacadas geniais, pelo ego descomunal, pela generosidade intrínseca de projetos e inciativas que levou à frente. Correu riscos, correu mundo, quebrou a cara, não teve pudor de assumir seus pontos de vista e suas alianças políticas, muitas delas duvidosas ou profundamente equivocadas. Seus erros não assombram seus acertos, polêmico, provocador, porra louca mesmo, do sambódromo ao beijódromo, da antiga corte à nova capital plantada no Planalto Central, a educação como princípio e a “desordem” criativa por base. Eternos vivas a seus Cieps!

Os anos após o exílio foram poucos para tanta vontade de fazer, de mudar, de compensar o tempo que lhe havia sido subtraído quando estava no ápice.

Galanteador charmoso, mineiro pedregoso de Montes Claros, mas universal na essência, Darcy Ribeiro encarna, mesmo post mortem, um Brasil feliz, um Brasil matreiro, um Brasil brasileiro, mulato inzoneiro, um Brasil não medíocre, um Brasil não conformado, um Brasil que teima e quer ser feliz, com enorme capacidade e força de transformação. Do arrebatador Darcy, certo ou errado, a soma milionária de todas as suas atitudes, de não ter tido medo, de não ter sido cooptado, de não ter afinado, homem de sete fôlegos, de um só pulmão e enorme coração devotado à Causa Brasilis.

Ao fim de seu discurso, já com a morte à espreita, no seio de sua UNB, em meio aos alunos, mestres, amigos, companheiros de jornada, artistas, políticos, educadores, enfim, junto de sua cria, no seu derradeiro sopro de vida, as lágrimas pela reparação, o desfrute do amor coletivo, o respeito de seus pares, o embevecimento de seus jovens assistentes.

Desligando a tevê antes que reaparecessem os rastros da programação rotineira, em silêncio, pensei nele e em muitos de seus fantásticos companheiros geracionais. Tornar a vê-lo, com toda sua verve, mesmo em débil estado de saúde, quase vinte anos depois de sua passagem, me fez um bem enorme. Um bálsamo de renovação de esperança – há jeito, temos jeito. Ele entendeu e viveu isso melhor do que ninguém, trabalhando sempre na direção do povo brasileiro, a quem dedicou sua vida e legado.

Vivas a Darcy – homem monumento! Quanta falta fazes, querido!                                     

*Eleonora Santa Rosa – Jornalista, editora e empreendedora cultural, é considerada uma das maiores especialistas no País na área de Projetos, Planejamento, Captação de Recursos e Gestão Cultural, com larga e reconhecida experiência na formatação, negociação e implementação de iniciativas culturais de envergadura e repercussão. Ocupou vários cargos públicos ao longo de sua trajetória profissional, tendo sido Secretária de Cultura do Estado de Minas Gerais. É fundadora e diretora do Santa Rosa Bureau Cultural, onde desenvolve ações referenciais nacionais no campo da Cultura.

Nenhum comentário:

Postar um comentário