sexta-feira, 27 de março de 2015

'Exercício da tolerância é fundamental', diz arcebispo do Rio; entrevista

Dom Orani Tempesta alerta para aumento de casos de desrespeito.
Cardeal fala sobre a importância da presença da Igreja Católica no Rio.

Cristina BoeckelDo G1 Rio

Dom Orani Tempesta ao lado de imagem do século XVIII do padroeiro do Rio, São Sebastião. (Foto: Cristina Boeckel/ G1)Dom Orani Tempesta ao lado de imagem do século XVIII do padroeiro do Rio, São Sebastião. (Foto: Cristina Boeckel/ G1)
Os casos de intolerância religiosa têm preocupado o cardeal arcebispo do Rio de Janeiro, Dom Orani Tempesta. Dados do Disque Direitos Humanos, da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência, indicam que o estado tem o 2º maior número de casos no país. Em entrevista exclusiva ao G1 para o especial dos 450 anos da cidade, ele lamenta que os casos estejam se tornando comuns não só no estado, mas no mundo. Dom Orani também falou sobre sua vinda para o Rio e relação com a cidade.
 Para Dom Orani, a falta de aceitação da realidade alheia não está restrita ao campo da fé.

“A intolerância significa não respeitar o outro, tanto na sua ideia cultural, quanto na sua religião ou na sua opinião política. Existem muitas situações sérias hoje nas quais parece que o mundo está involuindo, voltando atrás, e não evoluindo no sentido de respeitar e aceitar o outro, que pensa diferente, que cultua a Deus diferentemente ou tenha outra ideia social e política. Acho que quando isso ocasiona violência e desrespeito é pior ainda”, disse.
Eu posso não concordar com o outro, eu posso discordar dele e até não aceitar, mas ele tem o direito de falar e viver a sua fé daquela maneira"
Dom Orani Tempesta,
Cardeal Arcebispo do Rio de Janeiro
Para ele, o exercício da tolerância é fundamental para que a humanidade avance não só nas discussões sobre religião, mas de todos os outros campos que envolvem a convivência.
“Fico muito triste em ver a sociedade dando passos para trás na questão do respeito ao outro. E eu posso não concordar com o outro, eu posso discordar dele e até não aceitar, mas ele tem o direito de falar e viver a sua fé daquela maneira.”
Surpresa com cariocas
Nascido em São José do Rio Pardo, no interior de São Paulo, e tendo passado por várias outras cidades ao longo de sua carreira religiosa, o cardeal arcebispo se surpreendeu com a informalidade e religiosidade dos cariocas ao chegar à cidade.

“Eu conhecia o Rio de Janeiro como qualquer outro brasileiro conhece: seus pontos turísticos nas idas e vindas de alguns encontros aqui na cidade. Então, a gente acaba conhecendo alguns de seus aspectos naturais, de suas belezas e alguns eventos principais do Rio de Janeiro. Mas o que descobri e vi realmente é que o carioca tem um espírito religioso muito grande, o que não aparece muito no contexto do visual do carioca enquanto samba, futebol, praia e tudo mais. Mas os cariocas são um povo muito religioso.”

Há seis anos no comando da Arquidiocese do Rio, Dom Orani Tempesta enfrentou uma série de experiências marcantes durante este período, que vão desde o desafio de promover no Rio uma edição da Jornada Mundial da Juventude, um dos maiores eventos católicos do planeta, passando pela nomeação como cardeal e até um assalto com um revólver apontado para ele.
Ao lado de Dom Orani João Tempesta, arcebispo do Rio, Francisco acena em meio aos fiéis em Manguinhos (Foto: Tasso Marcelo/AFP)Ao lado de Dom Orani João Tempesta, arcebispo do Rio, Francisco acena em meio aos fiéis em Manguinhos durante evento da Jornada Mundial da Juventude (Foto: Tasso Marcelo/AFP)
Cariocas e a fé
Ao longo deste tempo, o religioso se impressionou com a maneira peculiar como os cariocas manifestam a sua fé. “Embora a fé católica seja a mesma, as tradições a história são diferentes. O Rio tem o seu jeito de ser. Eu creio que a leveza, a informalidade e estar realmente próximo são boas características de sua manifestação religiosa. O carioca gosta de conversar, de colocar as suas dificuldades e de se manifestar cantando. São cerimônias bem participativas. Eu creio que este aspecto tem um certo jeito de ser carioca. Aquilo que é a cultura de um povo também é o jeito de viver a sua fé”.

Ao definir os santos que mais correspondem à alma do carioca, Dom Orani opta pela popularidade. “Claro que São Sebastião, que é o santo padroeiro da cidade e marca o espírito do carioca enquanto forte diante das adversidades. São Jorge, que faz parte de toda a cultura popular da cidade, e Nossa Senhora e suas diversas denominações ao longo dos séculos, que marca a religiosidade do povo carioca.”

Segundo dados do IBGE do Censo de 2010, o Rio de Janeiro é o estado do país com o menor percentual de católicos do Brasil, mas que ainda assim representam quase a metade da população, com 45,8%. Dom Orani acredita que as mudanças sociais podem alterar a maneira como os cariocas expressam a sua religiosidade, mas a fé em Deus sempre permanece.
Podem ter ocorrido mudanças, mas a questão religiosa continua muito presente na vida do carioca"
Dom Orani Tempesta,
Cardeal Arcebispo do Rio de Janeiro
“Podem ter ocorrido mudanças, mas a questão religiosa continua muito presente na vida do carioca. E mesmo os que não tem religião declarada, o que é um fenômeno carioca, eles creem em Cristo, creem em Deus mesmo sem ter uma religião. Então eu creio que, olhando as estatísticas, me parece que não tem diminuído, tem feito várias migrações de maneira de expressar a sua religiosidade. Agora, é claro que a mudança social e de mundo leva a tantas outras expressões. Eu creio que uma tendência do Rio, que aparece muito nas estatísticas, é a de ter uma religiosidade, mas sem ter uma igreja específica. Crer, gostar de Deus, de Cristo, sem ter uma religião. É uma tendência, mas não deixa de ser religioso”, afirma o cardeal.
Trabalho social e importância histórica
O arcebispo do Rio de Janeiro afirma que, a despeito de mudanças no perfil religioso do carioca, a importância da Igreja Católica segue indiscutível, tanto pelas marcas que fazem parte da história como pelas importantes obras sociais.
“O trabalho social da Igreja, mesmo sem ser muito conhecido e divulgado, tem presença em todos os cantos da cidade. E com grandes expoentes, como Dom Hélder Câmara, que fundou o Banco da Providência, que mantém seu trabalho social, a Cáritas Metropolitana e as várias paróquias no que se refere à formação e ao atendimento. Existe uma presença muito grande da Igreja, tanto na área religiosa, como social e cultural que faz parte da cidade. Basta ver a importância em falar do Rio de janeiro com os seus sinais, como São Sebastião, Nossa Senhora da Penha e o Cristo Redentor, que marcam o povo da cidade. O que desejamos é que, nestes 450 anos, nós possamos marcar a cidade com esperança, fraternidade e construção da paz. Além da parte histórica que existe, nós temos uma contribuição importante para os tempos atuais, para criar um ambiente favorável à paz e ao entendimento nesta cidade”
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