domingo, 7 de dezembro de 2014

Papa diz que questão gay é uma realidade nos confessionários

07 DE DEZEMBRO, 2014 - 13H27 - MUNDO

Em entrevista exclusiva, Pontífice fala de casamento, trabalho e família; e afirma que reforma da Igreja não estará pronta em 2015


Por: O Globo
Roma — O ex-arcebispo de Buenos Aires, que no próximo dia 17 completará 78 anos, disse que a reforma da Cúria não estará pronta no próximo ano, conforme se especulava. Em uma entrevista de 50 minutos, realizada na última quinta feira na suíte 201 do segundo andar da Casa de Santa Maria, no Vaticano, Francisco estava acessível, relaxado, de bom humor, e não evitou temas espinhosos, como as controvérsias em torno do recente Sínodo dos Bispos sobre a família, em outubro passado. “O que o cardeal alemão Walter Kasper fez foi dizer para que se busquem hipóteses, ou seja, ele abriu o campo. E alguns estavam com medo”, disse ele.
O recente Sínodo dos Bispos sobre a família expôs duas visões da Igreja, com um setor aberto ao debate e outro que não quer saber de nada. É assim mesmo?
O que eu senti é uma busca fraterna para saber como lidar com problemas familiares pastorais. A família está muito enfraquecida, os jovens não se casam. O que está acontecendo? Depois, quando se casam, já vivendo juntos, acreditamos que com três conferências podemos prepará-los para o casamento. E isso não é suficiente, porque a grande maioria não está consciente do que significa se comprometer para toda a vida. Bento XVI disse duas vezes no último ano, que para a anulação do casamento deve ser levado em conta que fé teve essa pessoa quando se casou. Se fosse uma fé geral, mas sabendo perfeitamente o que era o casamento, e o que o levou a fazer isso. E isso é uma coisa que devemos estudar a fundo para saber como ajudar...
Os setores conservadores, sobretudo dos Estados Unidos, temem a decadência da doutrina tradicional. Dizem que o Sínodo causou confusão porque se falou de “elementos positivos" na coabitação e em casais gays no projeto, logo se voltou atrás...
O Sínodo foi um processo, e a opinião de um pai sinodal foi a opinião de um pai sinodal, assim como também um primeiro projeto, onde tudo foi coletado. Nada se falou de matrimônio homossexual no Sínodo. O que falamos é como uma família que tem um filho ou uma filha que seja homossexual deve educar, como se ajuda a essa família a levar adiante esta situação então inédita. Assim, se falou da família e dos homossexuais em relação às suas famílias porque é uma realidade que a todo momento encontramos nos confessionários: um pai e uma mãe que te um filho ou filha assim. A mim já aconteceu diversas vezes em Buenos Aires. E bem, é preciso ver como ajudar a este pai e a esta mãe para que acompanhem a esse filho ou filha. Foi sobre isso que se falou no Sínodo.
É um orgulho imenso para toda a América Latina ter o primeiro Papa latino-americano. O que o senhor espera da América Latina?
A América Latina vem percorrendo um longo caminho desde a primeira reunião do Celam. Dom Larraín, chileno, o primeiro presidente do Celam, já morto, deu um grande impulso. Houve a conferência do Rio, depois de Medelin, depois de Puebla, Santo Domingo e Aparecida. São marcos do Episcopado Latino-americano que foram sendo feito, colegialmente, com diferentes metodologias. Primeiro timidamente. Mas essa jornada de 50 anos não pode ser ignorada, pois é uma forma de realização de uma Igreja na América Latina, e do amadurecimento da fé.
Uma pesquisa recente mostra que houve o “efeito Francisco”, mas que existem católicos que ainda abandonam a religião…
Conheço as estatísticas feitas em Aparecida, são os únicos dados que eu tenho. Evidentemente que há vários fatores envolvidos nisso, de fora da Igreja, como por exemplo a teologia da prosperidade que inspirou muitas propostas religiosas que atraem as pessoas. Logo há gente que fica no meio do caminho. Mas, deixando de fora o que é externo, me pergunto quais são as coisas, de dentro da Igreja, que fazem com que os fiéis não se sintam satisfeitos? É a falta de uma aproximação, e o clericalismo. A proximidade é o chamado do católico hoje, a sair e sermos mais próximos das pessoas, de seus problemas, de suas realidades. O clericalismo, e eu disse aos bispos do Celam no Rio de Janeiro, retardou o amadurecimento dos laicos na América Latina. Onde os laicos são mais maduros na América Latina é precisamente a expressão da piedade popular. Mas organizações laicas sempre foram sempre um problema do clericalismo. Eu discuti isso no Evangelii Gaudium (primeira Exortação Apostólica pós-Sinodal escrita pelo Papa Francisco).
A renovação da Igreja a que o senhor se refere desde que foi eleito justamente na Evangelii Gaudium, também mostra que se deve buscar essas ovelhas perdidas e parar essa fuga de fiéis?
Não gosto desta imagem de “fuga” porque é uma imagem ligado ao proselitismo. Não gosto de usar termos ligados ao proselitismo porque não é verdade. Gosto de usar a imagem do hospital de campo: existe muita gente ferida que está esperando que iremos curar. E há de se sair para curar as feridas.
Na semana que vem o senhor voltará a se reunir com o G9, o grupo de nove cardeais consultores que ajudaram no processo de reforma da Cúria. Em 2015 a famosa reforma da Cúria estará pronta?
Não, o processo é lento. A reforma da Cúria leva muito tempo, é a parte mais complexa…
Ou seja, ela não estará pronta em 2015?
Não. Está sendo feita em pequenos passos.
Na volta da Coreia do Sul, ante a uma pergunta, disse que esperava em três anos “ir para a casa do Pai” e muita gente se ficou preocupada com seu estado de saúde, pensando que estava doente ou algo do tipo. Como está? Como se sente?
Tenho me minhas dores e meus sofrimentos da idade. Mas estou nas mãos de Deus e até agora tenho dito um ritmo de trabalho mais ou menos bom.

A jornalista que entrevistou o Papa
Elisabetta Piqué, corresponde do jornal "La Nación" de Buenos Aires na Itália e no Vaticano desde 1999, foi a única jornalista que participou da eleição de Jorge Mario Bergoglio como Papa. É também correspondente de guerra e cobriu entre outros conflitos o do Oriente Médio e as guerras do Afeganistão e Iraque.
Dessa experiência escreveu seu primeiro livro, em 2003: "Diário de guerra, Apontamentos de uma correspondente na frente de batalha". Bolsista do World Press Institute (WPI), nos EUA, ganhou o Prêmio Santa Clara de Assis de jornalismo, em 2003, e o Prêmio Mariano Moreno da Universidade Argentina da Empresa pela melhor cobertura jornalística sobre a renúncia do Papa Bento XVI , em 2013.
É membro correspondente da Academia Nacional de Jornalismo da Argentina. Realizou diversas viagens com os papas João Paulo II e Bento XVI, além de acompanhar o Papa Francisco em sua primeira viagem internacional ao Brasil. Tem acompanhado a carreira do pontífice desde que foi nomeado cardeal, em 2001. Integrou o grupo de cinquenta jornalistas que tiveram o privilégio de saudar o Papa em sua primeira coletiva para a imprensa mundial, em 16 de março de 2013.
Nascida em Florênca (Itália), foi criada na Argentina. Fez licenciatura em Ciências Políticas e Relações Internacionais pela Universidade Católica Argentina.
É autora do livro "Francisco, vida e revolução", em que conta o caminho do Bergoglio até chegar à liderança máxima da Igreja Católica, com detalhes sobre o conclave e as reformas que tem realizado.
* O jornal argentino "La Nación" integra o Grupo de Diários América (GDA), do qual O GLOBO faz parte

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