quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

Vaquinhas, tapetão e outras mutretas

O problema é que acabou-se o pudor, a honra, o caráter, a dignidade, a vergonha na cara.



José Genoíno organiza "vaquinha" para pagar multa imposta pelo STF. (Foto: Arquivo)
Por Evaldo D´Assumpção*

Em diversos artigos que publiquei, emiti algumas opiniões que, para alguns leitores, eram “politicamente incorretas”.  Por isso, peço que me perdoem, porém esse texto não terá “algumas opiniões”, mas será totalmente “incorreto” pela perspectiva de alguns. Felizmente tenho a tranquila convicção de que não o será para a maioria dos meus leitores.  Vamos lá.

Já afirmei que tenho uma enorme vontade – mas ainda não tive a coragem – de parar de ler jornais e ver noticiários televisivos. E digo isso porque, cada vez que os vejo, seja nas páginas policiais, seja nas de política, pior ainda nas chamadas de “artes e diversões”, sinto um misto de revolta, depressão e angústia, que provocam o despertar de uma agressividade explosiva. Tenho então de dar uma volta pela praia, confiante no poder do murmúrio das ondas, somada ao frescor da brisa que acaricia meu rosto, para me acalmar e permitir a retomada da tranquilidade que busquei ao deixar Belo Horizonte, com saudades da cidade caipira e sossegada dos anos 50 e 60, mas assustado com a violência que a dominou nesse século XXI.

Muito informado, mas também intoxicado com a poluição noticiosa, cheguei a uma conclusão bastante óbvia: o problema atual da humanidade como um todo, e da nossa pátria amada Brasil em particular, creio ser um só. Nada de falta de educação, nada de falta de policiamento, nada de tantas coisas de que reclamamos. O problema é um só: a humanidade perdeu a vergonha na cara! Simples assim. Acabou-se o pudor, acabou-se a honra, acabou-se o caráter, acabou-se a palavra dada, acabou-se a dignidade. Acabou-se a vergonha na cara.

Comecemos aleatoriamente pelo futebol, paixão das massas: campeonato disputado no campo perde de goleada para o tapetão. Por alguns milhões, time que ganha, perde. Classifica-se mas é desclassificado. Um advogado diz que fez, mas não fez; um dirigente diz que não sabia, mas sabia; um tribunal diz que o que foi já não o é, e ponto final. Os jogadores que se esforçaram, os torcedores que pagaram e sofreram, que vão pro inferno. Ninguém está interessado neles. A vergonha na cara foi trocada por cifrões.

Uma penitenciária transforma-se em açougue, cabeças são cortadas que nem na revolução francesa.Policiais lembrando o Robocop entram e saem, mas não dão conta de resolver nada. Afinal, sem a vergonha na cara, a dirigente do estado, de tradicional estirpe pinoquiana – cara de pau, nariz quilométrico, e vergonha zero –distrai-se da suciata com pedrinhas, comprando camarões, lagostas e caviar. Há que se reconhecer seu gosto apurado...

Condenados do mensalão, com a cara totalmente desprovida de vergonha, pedem aos trouxas que contribuam, quiçá com suas Bolsas Famílias et caterva, para pagar suas multas, obviamente porque suas contas na Suíça não estão num bom dia para saques. Tudo isso devidamente combinado através de telefonemas de celulares proibidos dentro da prisão onde estão. Ou quiçá dos empregos convenientemente conquistados em seus próprios valhacoutos.

Representantes do povo (meus, com certeza não o são!) aboletados nas confortabilíssimas poltronas das Câmaras e Senado, fingem que ouvem discursos de seus pares. Porém, com a maior falta de vergonha na cara, estão é negociando suas possibilidades de reeleição.Negociam apoios que rendem minutos de exposição no famigerado horário político da TV (pago por nós, imbecis trabalhadores e contribuintes compulsórios), trocando de partidos sem qualquer preocupação ideológica (claro, pois a ideologia é uma só: $$$).

E, completando, chegamos à parte do lazer: os artistas da TV, heróis de novelas, contam suas peripécias sexuais sem o menor pudor, trocando de parceira – e muitas delas dando o troco, também permutando os parceiros de cama – como se troca de camisa. Moçoilas exibem suas bundas e peitos turbinados siliconicamente, como num cardápio, para a escolha dos devassos que se orgulham em contar quantas “pegaram” numa só noite. Pergunto: será verdade? Ou será como na anedota: 10 numa noite, sendo 9 tentativas e um fracasso? E a vergonha?...

Mas não podemos nos esquecer das músicas que fazem sucesso! Muito além das piri-pi-pi, que mais parecem um piriri mental, vem uma tal de “vou fazer com você, o que papai fez com a mamãe”! Me poupe! Preserve pelo menos o pudor da senhora sua mãe, que (suponho!) não está feliz por vê-la exposta, para que seu filhinho, sem a menor vergonha na cara, fature alguns milhões com tamanho desplante e imbecilidade. E haja imbecis para aumentar sua fortuna!

Paro por aqui, pois a fila das "falta de vergonha na cara” é quilométrica, e não apontamos nem os metros iniciais. Mas que já é suficiente para, inteligentemente, estendermos essas considerações para inúmeras outras áreas, concluindo que, sem dúvida alguma nosso problema é a “falta de vergonha na cara”. E como esse produto não está à venda no mercado, nem tem amostras grátis sendo distribuídas, nosso futuro é totalmente incerto e tenebroso! Miserere!
*Evaldo D´Assumpção é médico e escritor

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