terça-feira, 7 de janeiro de 2014

O anjo Gabriel - Lev Chaim

Lev Chaim* 

Foi um telefonema de quarenta minutos, da Holanda para o Brasil. Conversava com a minha irmã. Contava-lhe sobre um artigo que havia sido publicado no jornal holandês, De Volkskrant, onde o autor falava de sua admiração por uma passagem bíblica, denominando-a de a mais bonita de todas elas. Para ele, tudo girava em volta de tal passagem.
Evangelho de Lucas, parágrafo primeiro, quando o anjo apareceu ao velho Zacarias, para lhe anunciar que a sua esposa iria conceber um filho. Quem não duvidaria da coisa, sabendo da idade avançada do casal? Zacarias perguntou ao anjo quem era ele. Ai, veio a resposta, que encantou o autor do artigo: “Eu sou o anjo Gabriel, que circula sempre na presença de Deus...”
Com este frase, estabeleceu-se a distância que ainda estamos da nossa caminhada rumo à iluminação mais profunda, a mesma que tomou conta de Abraão, quando respondeu ao chamado de Deus, sem hesitar: “Oh! Senhor, aqui estou”. Contava à minha irmã como era difícil a gente ter relâmpagos de exaltação pura, nesta vida tão corrida, tão atribulada e tão materialista. Falávamos da encruzilhada do mundo, rumo ao consumismo desordenado e doentio.
Ao comentar tudo isto, a minha irmã lembrou-se de um artigo que havia saído no jornalzinho da Paróquia Santa Rita, escrito pelo padre Fábio – “Édson morreu”. Era a história de um mendigo “incômodo”, que vivia na calçada da sua igreja, sempre com a mão estendida, pedindo. Fizesse sol ou chuva, lá estava ele, na calçada fria, dias após dias, semanas após semanas. Isto, até que alguém, um dia, contou ao padre que ele havia morrido.
É claro que o padre Fábio ficou chocado com a notícia. Tanto é que ele escreveu um artigo sobre este mendigo da porta da igreja, escolhendo as palavras e a forma mais certa para chegar ao coração das pessoas. Pela reação da minha irmã, percebi que ela ficou emocionada com o texto.
Pelo o que eu pude ouvir, até eu fui tocado pelo artigo. Tanto é que ele me fez refletir sobre os muitos “Édsons” que já passaram em nossas vidas. Aquelas palavras me fizeram sentir na carne como era diferente o “pobre”, personagem de literatura ou de artigo de jornal, do pobre real do dia-a-dia - aquele mendigo de carne e osso, que incomoda e perturba, muito mais do que a gente próprio possa admitir.
Reconheci que o padre Fábio tinha razão ao dizer que a sociedade ficou mais dura, menos solidária, mais desumana, como se a coisa mais importante da vida se restringisse apenas ao ato de comprar e, quanto mais, melhor. O consumismo e a correria não nos deixam refletir sobre a condição humana propriamente dita. Tanto é que quando nos confrontamos com um mendigo de verdade, insistente, de mão estendida, ou ficamos chocados ou indiferentes.
Não digo que somos os totais responsáveis pela existência dos pobres no mundo. Não. O que eu estou querendo dizer é que nós todos somos responsáveis, como seres humanos, de transformar esta nossa sociedade em algo mais digno, mais humano, mais caridoso, menos indiferente para com a dor alheia. Em outras palavras, em um mundo mais iluminado. O anjo Grabriel, que sempre circula na presença de Deus, também pode um dia aparecer para a gente.
Espero que mais pessoas tenham a chance de descobrir os seus próprios momentos na presença de um anjo tão iluminado como aquele. Às vezes, ele passa na vida da gente disfarçados de outras coisas, tal qual o artigo do jornalzinho da paróquia, ou como o livro do rabino Menachem Mendel Schneerson, “Rumo a uma vida significativa”.
Para isto, basta viver de olhos abertos e não deixar que esses momentos mágicos passem desapercebidos e impeçam a transformação mágica de nossos corações. Nunca é tarde para nos tornarmos mais humanos e lembrar-nos que o anjo Gabriel sempre circula na presença de Deus. Tchau e até a próxima sexta-feira.

*Lev Chaim é jornalista, colunista, publicista da FalaBrasil e trabalhou 20 anos para a Radio Internacional da Holanda, país onde mora. Ele escreve todas as sextas-feiras para o Diário da Franca.
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Jornal Diário da Franca. 

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