sexta-feira, 13 de dezembro de 2013

Correndo entre os corredores de ônibus

O trânsito em SP, que já era caótico, tornou-se uma tragédia cotidiana de congestionamentos.


Quem tem carro em SP vive no inferno e inferniza todo mundo.
Por Ricardo Soares*

A primeira e segunda vista, a nossa nem tão venerável classe média (e, aqui, sobretudo a paulistana) não vê com bons olhos os corredores de ônibus que estão se multiplicando em São Paulo. O trânsito que já era caótico virou inviável e os nervos rimbombam diante da tragédia cotidiana dos congestionamentos. 

Ok. Os corredores realmente acabam com os nervos, mas que tal pensar que eles podem ser o grande atalho para uma cidade mais amena, mais salubre, mais viável , solidária e civilizada? Corredores com ônibus limpos, conservados e que abreviem nosso calvário cotidiano da mobilidade é o que todos queremos. Ou será que não?

Se os ônibus são em quantidade suficiente ou não, é uma outra e importante questão que deve ser enfrentada. O que estou aqui a colocar primeiro é a relevância do enfrentamento do prefeito Haddad na questão da mobilidade. Alguém tinha que dar o primeiro passo e ele o fez tomando as pauladas esperadas da mídia conservadora que engorda suas receitas publicitárias com anúncios das montadoras e a divulgação frenética do recorde da venda de carros todos os meses. 

E aí reside o maior paradoxo da questão dos corredores de ônibus em São Paulo. Haddad, o que quer diminuir os carros, é soldado de alta patente do mesmo partido que inventou e incentivou o IPI zero para carros novos e entupiu as cidades brasileiras de veículos e mais veículos. Difícil explicar essa contradição interna. O tema é polêmico e gera bate-boca em qualquer debate virtual ou presencial como vi essa semana mesmo em meu Facebook. O que importa mesmo é fazer a população de São Paulo entender que é preciso sim deixar o carro em casa para fugirmos do apocalipse motorizado . 

Isso é cultural. Porque o que se constata, muitas vezes, é que mesmo que o sujeito tenha transporte de qualidade na porta de sua casa ele prefere ir trabalhar de carro ou levar o dito cujo pra passear na padaria da esquina como um reluzente animal de estimação. Carro no Brasil sempre foi símbolo de status, poder, ascensão social. Quem tem carro é, antes de tudo, um pobre. Isso está marcado a ferro no inconsciente coletivo nacional e vem sendo turbinado anos a fio pela publicidade e pela mídia como vimos ainda essa semana em uma capa abjeta da revista Época São Paulo, aquela Vejinha que não deu certo, quando condena com veemência os corredores.

Outro dia mesmo, o experimentado colega jornalista Jose Eduardo Mendonça disse: “Num trânsito infernal na avenida Dr. Arnaldo, dentro do ônibus, eu fico pensando em como são realmente estúpidas as pessoas que estão dentro de carros e têm acesso fácil a transporte público. Vivem no inferno, e infernizam todo mundo, pra não abandonar os sinais de que podem. Pobres diabos”. Pior que ele está certo. Por isso mesmo, todo meu apoio ao prefeito Haddad no bom combate aos muitos carros indevidos de São Paulo, mesmo que isso me custe muito mais tempo pra chegar ao trabalho como vem ocorrendo.
* Ricardo Soares é diretor de TV, escritor , roteirista e jornalista. Titular do blog Todo Prosa (www.todoprosa.blogspot.com) e autor , entre outros, dos livros Cinevertigem, Valentão e Falta de Ar. Atualmente diretor de Conteúdo e programação da EBC- Empresa Brasil de Comunicação.

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