terça-feira, 29 de dezembro de 2020

Estrelas, sim!

Padre Geovane Saraiva*

O Menino Jesus, que desceu das estrelas, dorme em paz na nossa Igreja de Santo Afonso. Também é importante, não só se pensar, mas se alargar a mente e o coração, no sentido de se chegar às manjedouras dos corações humanos, sem se esquecer dos que dormem nas praças, nos areópagos da vida e nas portas das igrejas, por toda a extensão do mundo.

Reconhecer no menino da manjedoura o Messias, como luz a iluminar os povos, em contraste ou antítese com a lógica humana, destina-se aos sábios e iluminados, amigos fiéis ou leais a Deus, que não fogem dos desafios da vida. Eles são como estrelas, que querem ajudar a encontrar o caminho; também contribuem para que os corações pulsem, numa vida com as marcas da esperança!

Contamos com a mão dos amigos, sim, na busca da concórdia e da paz, sendo eles força, ânimo e coragem, mesmo quando tudo, em meio às dificuldades, se apresenta sombrio, escuro ou sem rumo, conduzindo-nos, evidentemente, ao bom caminho, no dom da amorosa gratuidade, dádiva de Deus!

Tudo porque fomos criados, pela proposta do nosso bom Deus, para imitar Jesus de Nazaré, tendo seu início no mistério luminoso da verdadeira luz. Acolhamos, pois, o anúncio do Anjo do Senhor, a partir da manjedoura, na real e radical simplicidade, humildade e eterna luminosidade.

Lá da origem de Deus, ele veio com seu registro bem definido na história, de dentro da intimidade do Pai, em seu ministério inaudito e indizível, não sendo mito nem muito menos qualquer figura ou adereço. Ele é, sim, uma realidade misteriosa a envolver o mundo, a nos envolver como seus leais amigos. Segundo o apóstolo dos gentios, Deus agora nos fala por meio do seu Filho.

A partir das manjedouras do sofrido e dolorido coração humano, no sentido mais alegórico possível, peçamos a graça de sermos estrelas a iluminar o caminho dos nossos semelhantes no ano de 2021. Feliz Ano Novo!

*Pároco de Santo Afonso, blogueiro, escritor e integrante da Academia Metropolitana de Letras de Fortaleza (AMLEF).

sexta-feira, 25 de dezembro de 2020

Nosso destino em Deus

Padre Geovane Saraiva*

Quero homenagear Dom Aloísio, Cardeal Lorscheider, que partiu na véspera do Natal, há 13 anos. Sua vida, bem como a vida da humanidade, é um mistério de amor, a partir de Deus, que, por sua vontade soberana, quis que a criatura humana existisse. Por isso nada mais está envolvido em contingências do que a existência humana, mas no gesto sublime da inclinação de Deus Pai, no dia da criação: “O Senhor Deus formou, pois, o homem do barro da terra, e inspirou-lhe nas narinas o sopro da vida, e o homem se tornou um ser vivente” (Gn 2, 7). No mistério da vida humana, a dominar as demais vidas, o Senhor Deus vem ao nosso encontro e, ao se encarnar, assumiu a condição humana das pessoas, como nas palavras de Maria: “O Todo-poderoso fez grandes coisas em meu favor”. Temos, assim, uma condição humilde concretamente visível no descarte e abandono da manjedoura, antagônico despropósito, mas querendo dignificar e exaltar os que vivem em condições infra-humanas, os humilhados e aniquilados do mundo.

Não nos esqueçamos, neste Natal de 2020, de Dom Aloísio Lorscheider, na sua gentileza e doçura em pessoa, ele que tinha um espírito vivamente presente entre nós cearenses. Que aprendamos – nós, que vivemos em Deus, nos movemos por ele e somos nele – sempre mais a caminhar com Deus, pelo dom misterioso de sua dupla chegada, sem decepcioná-lo, na convicção mais absoluta de colocar o nosso destino no destino de Deus, pelos sinais de esperança, presentes na barca da vida humana, no nosso peregrinar em meio às ondas, nos fluxos e refluxos da história. Quanta riqueza, com o nascimento do Deus menino, dom e graça para o mundo pelas mãos e o ventre de Maria! Como nosso Deus é diferente! Ele nasce durante a noite, na escuridão, mas na condição de luz do mundo, luz no meio das trevas.

Dom Aloísio, ao partir há 13 anos, dentro do contexto do Natal do Senhor (23/12/2007), ensinou o projeto salvífico de Deus, presente e cada vez mais aclarado no mistério da criança de Belém, visível aos nossos olhos, no convite que nos é feito, de perscrutar ou auscultar sua luminosa revelação. Ele vem como rei pacífico, conselheiro admirável, Deus forte, pai dos tempos futuros, príncipe da paz (Is 9, 5). Que possamos voltar, no sentido mais elevado, para a casa do pão: Belém! Lá vamos encontrar a “novidade” por excelência, o menino humilde e frágil vivendo nas piores condições humanas, pobre no meio dos pobres, num ambiente literalmente paradoxal.

Quanta paz e quanta ternura daquele que nasceu da Virgem! Na periferia de Belém, ele, que, segundo Santo Afonso Maria de Ligório, nasceu misteriosamente das estrelas como verdadeiro e autêntico benfeitor do mundo e do gênero humano, a nos pasmar e a nos exaltar com amor infinito, mistério a dominar o mundo. Feliz Natal! 

*Pároco de Santo Afonso, blogueiro, escritor e integrante da Academia Metropolitana de Letras de Fortaleza (AMLEF).

Dia do LIvro Sagrado

 Padre Geovane Saraiva*

Neste domingo, 27 de setembro de 2020, comemora-se o Dia do Livro Sagrado, entre os católicos, recordando-se de São Jerônimo, grande especialista da Palavra de Deus. Ele a carregou nos lábios, meditando-a dia e noite (cf. Js 1, 8). Nasceu na Dalmácia, hoje Iugoslávia, no ano de 342, e morreu em Belém, em 420. Consagrou sua vida ao estudo da Sagrada Escritura e é considerado o maior e melhor exegeta de todos os tempos. A Igreja Católica o reconheceu como homem eleito por Deus para explicar e fazer compreender, do melhor modo, a Palavra de Deus.

O fôlego e o alento da justiça transformadora, proposta do Evangelho, não acontecem e jamais acontecerão pelo encantador arquétipo de uma acentuada valorização de imagens, valendo-se ostensivamente de ambientes com característica de suntuosidade e pompa, mas nas imagens de janelas abertas, no sentido de se respirar o ar acolhedor do Espírito Santo de Deus. No seguimento de Jesus de Nazaré, urge uma prática religiosa, nem a do “sim” e nem a do “não” (cf. Mt 21, 28-32), no cumprimento de rituais e preceitos, mas de uma religião que quer colocar em prática os mandamentos de Deus, através de atitudes ou gestos concretos e insuspeitos, fruto da esperança cristã, vivenciada no dia a dia, não numa resposta daquilo que é aparente e fictício, mas sim do que é real, verdadeiro e transparente.

A Palavra de Deus nos ensina que não basta simplesmente dizer “sim”, mas que é preciso um andar coerente e persistente, percorrido no exercício da justiça, buscando a realização da vontade de Deus e confiando nos bons frutos de sua ação redentora. Evidentemente, bem no contexto do perdão e da compaixão do Filho de Deus, a criatura humana, no seu viver, terá sempre possibilidades ou chances de se converter, quer tenha uma vida no distanciamento de Deus, quer tenha superado os empecilhos do mal, no serviço do Senhor. Deus quer pessoas resolvidas, convertidas e persistentes, na prática de caminheiros da paz e do bem, como assevera Dom Helder: “É graça divina começar bem, graça maior é persistir na caminhada, mas a graça das graças é não desistir nunca”.

Que Deus nos dê a inspiração de São Jerônimo, ao acolher a revelação divina, no que diz respeito à Palavra de Deus. Como é importante o seu belíssimo comentário sobre o Salmo 102! “Sou como um pelicano do deserto, aquele pássaro bom que fustiga o peito e alimenta com o próprio sangue os seus filhos”. Ele é o símbolo da obediência e da entrega do Filho de Deus, o qual nos convida, com Ele, a nos configurarmos. Assim seja!

*Pároco de Santo Afonso, blogueiro, escritor e integrante da Academia Metropolitana de Letras de Fortaleza (AMLEF).

quinta-feira, 17 de dezembro de 2020

Deus viu que tudo era bom

Padre Geovane Saraiva*

Pensemos no contexto bíblico da criação, com o paraíso, o pecado original (serpente), Caim e Abel, e muitos outros assuntos, no início do Livro do Gênesis, que tem sua plausível sustentação no bom Deus, ao tomar a decisão de descer do céu, encarnar-se na história humana e, de um modo pedagógico, instaurar seu reino de justiça e paz. O Livro Sagrado nos revela a grandeza de um Deus que, além de criar tudo por amor, é imensamente rico, maravilhoso, belo e vastíssimo no seu amoroso mistério. No Livro do Gênesis, constata-se o sentido alegórico e poético da vida como um todo, ao louvar a preciosidade da natureza, como bondade de Deus, na contemplação dos céus, na sua amplitude e sublime dimensão, numa simbologia à luz divina com seu esplendor.

Temos a terra e nela os minerais, as águas, as numerosas plantações, as incontáveis variedades e modos de se perceber a beleza da vida. Também não se pode esquecer a narrativa do abismo e nele as forças do mal, na constante tentativa da ameaça de arrastar o homem e a criação, sendo todos conduzidos ao caos (cf. Gn 1, 1ss). Já no Livro dos Provérbios e no da Sabedoria, percebe-se a elevação e exaltação da sabedoria, não deixando dúvidas de que nela se vê o próprio Deus, presente e vista nos acontecimentos; evidentemente, são obras de suas mãos maravilhosas.

Somos convidados, com o rigor da razão e muito mais ainda com o rigor da fé, a contemplar a origem de tudo que existe: “Deus contemplou toda a sua obra, e viu que tudo era muito bom”, obra esta que encontra nos seres humanos, criaturas de Deus, seu pleno acabamento, quando na manjedoura somos convidados a perscrutar e admirar aquilo que nos foi prometido, com a promessa de restaurar todas as coisas consigo. Urge da nossa parte, criaturas de Deus, colocar o projeto de vida realizado acima dos nossos interesses ou projetos pessoais. O ideal seria uma reação, com a retomada de um grande mutirão de solidariedade, dando entonação e relevância ao dom mais precioso: a vida.

Dentro do espírito escatológico do Natal e nele o sonho do acabamento do mundo, o que resta à humanidade é uma única coisa: radicalizar, distanciando-se da “serpente” como mal maior. Ignorar o espírito do “negacionismo, obscurantismo e anticientificismo”, que seja mais do que um sonho, sem esquecer-se da ideia deletéria de se estabelecer uma pauta em que se estimule sempre mais o uso das armas, contrariando a paz e a aurora afável e terna da criança da estribaria, tendo como drástica consequência o espanto assombroso, quanto ao abismo da odiosa violência. Assim seja!

*Pároco de Santo Afonso, blogueiro, escritor e integrante da Academia Metropolitana de Letras de Fortaleza (AMLEF).

quinta-feira, 10 de dezembro de 2020

Maria no mistério do Natal

Padre Geovane saraiva*

As pessoas precisam de uma fé consequente, de que jamais possam hesitar, ao se contar com a promessa de Deus, do mundo pleno e totalmente realizado no fim dos tempos, no mais elevado sentimento de atenção ao seu mistério de amor a nos envolver. Eva, a primeira mulher, foi vencida pela serpente, que a enganou no pecado e na desobediência a Deus no paraíso. Maria, ao contrário, deu-nos o doce e melhor fruto: o da salvação. Quão paradoxais e antagônicos são os feitos e as intervenções da serpente e os da Santa Mãe de Deus, a Virgem Maria! Vemos em Eva só oposição e adversa maldade, ao distanciar e isolar a criatura humana de Deus. Em Maria, encontra-se o indiscutível e incontestável mistério: o da redenção do mundo em Jesus de Nazaré, que, ao ser crucificado, presenteou-nos: “Eis aí a tua Mãe”.

A importância de Maria na história da salvação – como mediadora, que nela, segundo a nossa fé católica, a humanidade foi e é contemplada pelo favorecimento do seu “sim” – é mistério da presença de Deus entre os homens, aqui, na mais digna afirmação do apóstolo Paulo: “Em Cristo, ele nos escolheu, antes da fundação do mundo, para que sejamos santos e irrepreensíveis sob seu olhar no amor” (Ef 1, 4). Assim, os que confiam e acreditam na força do Salvador acolhem como compromisso e missão uma única coisa: segui-lo, cheios de esperança, no dia a dia. Maria mesmo é quem se digna a colaborar, manifestando ao mundo a história da salvação, através de seu filho Jesus, em quem a humanidade será plenamente restaurada e pacificada pelo amor.

A vida cristã se confunde com a espiritualidade mariana, neste tempo do Advento, na busca de um aprofundamento sempre e cada vez mais continuado, pela consagração de toda a vida dos que professam a fé, na ternura do Deus Menino. Deus dá o exemplo, ao descer do céu e se encarnar e penetrar no abismo da vida humana, mas ao mesmo tempo nos desafia, pedindo de nós disposição em abraçar seu projeto de amor, alimentando-nos pelo dom e graça de sua Boa-Nova, no esforço de vivenciá-la.

No mundo, os cristãos necessitam de uma fé cristã vigorosa e lúcida, igualmente à de Maria, de pessoas que se empolguem e sejam fiéis a Jesus de Nazaré, que se alimentem de sua obediência ao Pai, aquele da morte, e morte de cruz. Maria não hesitou, mas, ao contrário, manteve-se fiel a Deus, trazendo para nós o clarão luminoso do mistério do Natal. Na mesma disposição, incessante, pensemos, pois, na luz de Belém, no convite que Deus nos faz, respondendo-lhe, generosamente, através de ações e gestos de amor. Assim seja!

*Pároco de Santo Afonso, blogueiro, escritor e integrante da Academia Metropolitana de Letras de Fortaleza (AMLEF).

quinta-feira, 3 de dezembro de 2020

Emanuel: justo, pacífico e solidário

 Padre Geovane Saraiva*

Muitos foram os séculos, em que a criatura humana passou a gemer seu pecado, sem nenhum raio de sol e se queixando na sua própria sombra e abismo. Deus, no entanto, promete um salvador, numa didática a ensinar a todos os homens que só se pode superar os empecilhos, no sentido mais pleno, quando se consegue destruir o pecado e tudo que lhe é contrário, favorecido pelo dom da compaixão e da graça divina. É a promessa feita pelo nosso Deus, que renova, perpassando a história, não limitada somente ao povo de Israel, mas que se volta à humanidade inteira. Pensemos no pecado e na queda do primeiro homem, Adão. Nele o plano divino: nossos primeiros pais, criados à imagem e semelhança de Deus, em estado de graça e santidade, sendo presenteados com dignidade de filhos de Deus.

A sabedoria de Deus é pelo reino da paz, da justiça e da verdade que se estabelece e se manifesta ao mundo, indo ao encontro das criaturas humanas, neste tempo do Advento, tempo este que precede o Natal do Senhor. Da nossa parte, como criaturas de Deus, cabe acolher, como dom e graça, o esplendor e a plenitude da paz, aquela paz encantadora, proclamada numa inaudita melodia pela multidão dos anjos da coorte celestial: “Glória a Deus nas alturas e paz na terra aos homens de boa vontade” (Lc 2, 14). Na insignificância e na fragilidade do mistério da criança da estribaria, comporta a exultação na mais extrema alegria, com a presença de um Deus no meio da humanidade, no engrandecimento e na exaltação da dignidade humana.

No Senhor, em quem – com toda disposição – confiamos e nele se encontra nossa única esperança, na certeza de que todo vale será aterrado, toda montanha e colina serão rebaixadas, também as passagens tortuosas ficarão retas e os caminhos acidentados ficarão nivelados (cf. Is 40, 3-4). Deus se manifesta a todos os povos da terra, em meio aos vales de preconceitos e racismo, facções, chacinas e guerras das montanhas acidentadas da vida humana, sem esquecer das passagens e dos caminhos tortuosos a serem percorridos pelos migrantes e refugiados.

No Cristo, que é nossa paz, que se volte o nosso olhar dócil e afável para a realidade das festividades de final de ano, nas quais estamos inseridos, na convicção em Deus de que não seja só “festividade ilusória”, mas, sim, em Deus uma “nova festividade”, mesmo com o desafio da pandemia e suas consequências, nas cruzes a carregar. Que no Emanuel, a nos visitar neste tempo abençoado, como rei justo, solidário e pacífico, longe do ódio, da inveja e de todo mal, aplainem-se as elevadas e acidentadas montanhas do nosso coração, dando-nos a esperança que não ilude. Assim seja!

*Pároco de Santo Afonso, blogueiro, escritor e integrante da Academia Metropolitana de Letras de Fortaleza (AMLEF).