sexta-feira, 27 de novembro de 2020

A canonização de Charles de Foucauld

Padre Geovane Saraiva*

Na alegria da aprovação e reconhecimento da santidade do Padre Charles de Foucauld, quando, aos 27 de maio de 2020, nos chegou a alvissareira e surpreendente notícia, a de que o Papa Francisco aprovou o milagre, exposto pela Congregação para a Causa dos Santos. Esse milagre contou com a intervenção, ou interferência, do Bem-aventurado Charles de Foucauld, indicando-nos que sua canonização virá. É Deus que está presente na história humana, no convite, para que as pessoas de boa vontade permaneçam firmes e apoiadas naquilo que é seguro, sólido e consistente, mesmo diante de angústias, fracassos e conflitos. Como exemplo maior, temos em Charles de Foucauld aquele que nasceu na França (1858-1916), submetendo-se à vontade de Deus, aos 30 de outubro de 1886. Em Paris, encontrando-se com o Padre Huvelin, vigário da Igreja de Santo Agostinho, em uma conversa entre eles, confidenciou-lhe: “Padre, não tenho fé, peço-te que me instrua”. O padre foi ríspido: “Te ajoelha e confessa teus pecados! Então, crerá!”. Obediente, experimentou uma alegria indizível: a alegria do filho pródigo. 

Com Charles de Foucauld, na ânsia pela data de sua canonização, não nos afastemos do eixo de seu caminho espiritual: a conversão permanente, a Eucaristia como centro, a oração do abandono, a busca do último lugar, sem esquecer-nos do Evangelho da Cruz. Deus falou-lhe na sua incredulidade, indiferença e egoísmo, caindo nas mãos divinas, sendo arrebatado e seduzido por Jesus de Nazaré, que se tornou o único e maior tesouro de sua vida. A última palavra, evidentemente, de ânimo levantado e para cima cabe sua exclusividade e deve ser reservada a Deus, no anúncio do cântico do Cordeiro: “Grandes e admiráveis são tuas obras, Senhor Deus, todo-poderoso! Justos e verdadeiros são os teus caminhos, ó rei das nações! Quem não temeria, Senhor, e não glorificaria o teu nome?” (Ap 15, 3-4).

Que toda a família de Charles de Foucauld possa sempre, e cada vez mais, render graças a Deus, a partir da Mesa Sagrada, pelo dom de sua canonização, no inesgotável legado de sua espiritualidade, em sua célebre frase: “Gritar o Evangelho com a própria vida”. Enquanto vivermos neste mundo, com as marcas da dor e do sofrimento, que nosso olhar se volte para o “Senhor e Pai da humanidade, que criastes todos os seres humanos com a mesma dignidade” (Papa Francisco, “Oração ao Criador”), que nunca nos separemos da aparente loucura da cruz, com nossa alma conformando-se com a vontade de Deus, que seu desígnio de amor quer que nos agigantemos, no sentido de produzir, na esperança, muitos e bons frutos, através de gestos e obras de caridade, mas numa intensa atividade, fruto do verdadeiro e puro amor.

Francisco fecha sua Carta Encíclica, "Fratelli Tutti", referindo-se ao Padre Charles de Foucauld, assassinado em 1º de dezembro de 1916: “O seu ideal de uma entrega total a Deus encaminhou-o para uma identificação com os últimos, os mais abandonados no interior do deserto africano. Naquele contexto, afloravam os seus desejos de sentir todo ser humano como um irmão, e pedia a um amigo: 'Peça a Deus que eu seja realmente o irmão de todos'. Enfim, queria ser o irmão universal. Mas somente identificando-se com os últimos é que chegou a ser irmão de todos. Que Deus inspire este ideal a cada um de nós". Assim seja!

*Pároco de Santo Afonso, blogueiro, escritor e integrante da Academia Metropolitana de Letras de Fortaleza (AMLEF).

quinta-feira, 19 de novembro de 2020

A presença de Deus

 Padre Geovane Saraiva*

À medida que se aproximam as festividades do Natal, no contexto da troca de presentes, num mundo consumista e materialista como o nosso, que se leve em conta uns questionamentos: Qual é a melhor proposta de presente, neste Natal e neste Ano Novo? O que posso oferecer para edificar o mundo, num gesto de expressão da grandeza de alma e coração? É mister imaginar o que seja indispensável, numa consciência daquilo que é melhor e mais precioso, como presente a ser colocado nas mãos das pessoas de boa vontade, amigos e amigas com os quais convivemos, estimando-os e amando-os.

É importante considerar, neste tempo de pandemia, que as pessoas vivem no isolamento, ou reclusas, mas com a certeza de que elas pedem para ser escutadas, querendo nossa presença, além de um pouco do nosso tempo e da nossa própria vida. Precisamos nos convencer de que a presença de nossa vida vale mais do que prata e ouro, traduzindo-se em serenidade, harmonia, bem-estar e paz, num bem inigualável, o qual ninguém irá excluí-lo e jamais se extinguirá. Que isso se manifeste numa sincera, terna e afável afeição, demonstração de benquerença, sinal vivo da verdadeira esperança cristã.

Todos os seguidores de Jesus de Nazaré, revestidos da força do alto, como imagem e semelhança de Deus, são continuamente convidados à comunhão divina, concreta, numa multidão de anônimos, silenciados no nosso mundo, mas que na nossa indiferença se ouve um clamor por uma vida de esperança, ânimo e coragem. Pensemos naquele anônimo que caminhou para Emaús e, a partir dele, surgiu o mais elevado e qualificado diálogo com nossos semelhantes. Urge, pois, com a presença de Jesus entre nós aprender, sempre cada vez mais, a exercitar um olhar de compreensão e de misericórdia, diante do enorme abismo em que se encontra o mundo, sem a presença de Deus.

Que no olhar compadecido de Deus jamais cesse a luta em favor da humanidade, para que ela possa descansar em paz, pela derrota de todos os males que contrariam seu projeto salvífico. Motivados, evidentemente, por aquele que misteriosamente entrou em cheio em nossa existência, querendo uma única coisa, que saibamos perceber, com a largueza do nosso ser, que ele carrega consigo uma profunda e indelével impressão: a natureza divina — do Verbo de Deus, que entrou na vida humana e quer se estabelecer entre nós. Assim seja!

*Pároco de Santo Afonso, blogueiro, escritor e integrante da Academia Metropolitana de Letras de Fortaleza (AMLEF).

quinta-feira, 12 de novembro de 2020

Florestas da vida

Padre Geovane Saraiva*

Os cristãos são convidados a pensarem o mundo como se ele fosse uma grande floresta ou uma vasta selva: escura e áspera. Também devem pensar que estão colocados numa enorme avenida, muitas vezes assustadora e difícil de andar e trafegar, por ser engarrafada, com obstáculos e declives. Na fé e na esperança, em meio aos oceanos, fartos de riscos por suas incontáveis ondas, defronta-se a vida dos seres humanos, mas sem fugir da imagem de um clima árido, sem esquecer quão espinhosos e pedregosos são os seus trajetos. A prática solidária do amor, nas avenidas e florestas da vida, nos ajuda a romper barreiras: “Tudo aquilo que fizestes a um só destes meus irmãos pequeninos, a mim o fizestes”. Sejamos sensibilizados, evidentemente, pelas palavras do Evangelho, no que diz São João da Cruz: “No entardecer da vida seremos julgados pelo amor”.

O Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo, na sua essência, quer colocar no coração das pessoas, por toda a extensão do mundo, o compromisso da missão, “quebrando a crosta do egoísmo”, sem se desviar da índole e alma da Igreja, num estreitamento sempre muito claro, no paradoxo ou jeito luminoso, pela ação e pela contemplação, naquela estrada delineada por Santa Teresa d’Ávila, ela que nos falou sobre a nova maneira de viver dos seguidores de Jesus de Nazaré, no seu modo mais completo e entrelaçado: caminho de perfeição. O desejo de viver a partir do que nos ensina o Cristo é o desafio maior, mas não à margem do mundo e de sua história, e sim tendo por eixo o curso da própria história humana. Precisa-se, desse modo, priorizar, no seu sentido mais amplo, o que a Igreja anuncia, mas numa fé lúcida, viva, franca e despretensiosa, acompanhada de uma mística sólida e consequente.

Bem-aventurados os que abraçam a fé e que contam com a força misteriosa da graça de Deus. Bem-aventurados os que buscam a superação de tudo aquilo que parece obscuro e arriscado, nas contingências e condições humanas, mas querendo ser a manifestação da presença de Deus, ao estender sua mão redentora, dom maior para o mundo. Agora que se aproxima o Natal do Senhor, abramos nosso espírito, no sincero compromisso, o do discernimento, distanciando-nos das armas do ódio, do rancor e da violência, e que esse espírito seja muito verdadeiro, na busca da tolerância, da paz e da concórdia entre os povos. Assim seja!

*Pároco de Santo Afonso, blogueiro, escritor e integrante da Academia Metropolitana de Letras de Fortaleza (AMLEF).

sábado, 7 de novembro de 2020

Que nasça a esperança

Padre Geovane Saraiva*

Natal solidário, sim, mas diante de crianças e adultos que passam por sofrimentos, dores e privações. A fome não saciada – e suas consequências – avança com força em nossos dias. Que nasça a esperança nos neurônios – atrofiados, desiludidos e desenganados – dessas crianças, adultos e idosos! Que nasça a esperança, dom maior, naquele espírito caritativo e transformador de Dom Helder, de que “um mundo melhor é possível”! Um Natal com consolação e fecundidade nos corações de homens e mulheres de boa vontade, cada dia com alimento partilhado em todas as mesas, num basta à desnutrição. Que nos agarremos ao absoluto de Deus, ao seu amor terno e afável, querendo sensibilizar corações!

Quanto mais ativa e dinâmica parecer a caminhada da Igreja, mais e mais contemplativa deveria se revelar ao mundo, favorecendo, evidentemente, a vida humana em seu todo, sobretudo na precariedade dos vulneráveis, dos que vivem em situação de rua e dos que passam por angústias de toda sorte e natureza, como no compromisso tão evidente de Dom Helder Câmara: o de um mundo melhor e mais inclusivo. 

Este mundo benevolente e humanitário quer consistir mesmo na mais acentuada expressão, de tal modo concreto, que possa se manifestar e revelar, indispensavelmente, na luta contra o maior, mais ardiloso e astuto de todos os males e escândalos de nossa sociedade e mesmo da Igreja nos nossos tempos hodiernos: a abismal e antagônica ruptura que tende a persistir entre os empobrecidos e os que vivem na opulência.

Jamais  prescindir da bondade de Deus. Ele mesmo quer que sejamos compassivos e voltados à contemplação do mistério da realidade da vida, ao nos revelar algo concreto, o qual nos desafia, na esperança, a palmilhar o verdadeiro caminho: o de conduzir os homens a Deus, mas na combinação harmônica do mesmo Deus que quer sempre mais se estabelecer entre os homens. Eis o desafio do Natal!

*Pároco de Santo Afonso, blogueiro, escritor e integrante da Academia Metropolitana de Letras de Fortaleza (AMLEF).

Podcast: “Eis o noivo: ide ao seu encontro!”

 



Por Pe. Geovane Saraiva



quinta-feira, 5 de novembro de 2020

Morreu Irmã Carmelita Rita Maria

Padre Geovane Saraiva*

Irmã Rita Maria, ex-madre, deixou o convívio de suas irmãs carmelitas no dia 03/11/2020, aos 93 anos de idade e 71 à sombra do Carmelo de Fortaleza. Que Deus acolha a querida Irmã Rita no seu seio! Ela, por uma vida longa, viveu, não para si, e sim para Deus, voltada à contemplação do absoluto de Deus e agora o vendo face a face. Que fique óbvio, explícito e notório: nossa oração, amizade e solidariedade neste momento de dor, como conforto e consolo espiritual, quer se estender ao Carmelo Santa Teresinha de Fortaleza e a todos os que sofrem com sua partida, sem esquecer de seus familiares, em especial sua irmã e amiga, Maria José, e seus sobrinhos Adriano e Helena. Irmã Rita era a religiosa mais idosa da comunidade do Carmelo, sendo originária da cidade de Ubajara-CE; muito jovem deixou sua terra, no sonho maior e inquestionável: o da busca do “Castelo Interior”, segundo a bela alegoria de Santa Teresa de Jesus.

Agora ela se apresentou diante do Deus de bondade, de alma restaurada e totalmente transfigurada, naquilo que assegura o Evangelho: “Muito bem, servo bom e fiel; porque foste fiel no pouco, irei te constituir no muito: entra na alegria do teu Senhor” (Mt 25, 23). Ela, depois de ter percorrido o luminoso caminho do Evangelho, no sonho das eternas bem-aventuranças, evidentemente, confiante no mistério da paixão, morte e ressurreição do Senhor, foi favorecida pelo visível ambiente de sua casa, o Carmelo Santa Teresinha, o qual lhe revelou o caminho interior na busca da morada eterna.

Irmã Rita Maria soube ouvir a voz de Deus, chamando-a à vida religiosa, na condição de carmelita, que na clausura do convento de sua comunidade, aliada à oração silenciosa, apropriou-se tão somente do essencial, percebendo em tudo o verdadeiro amor. É assim que compreendo a vida da Irmã Rita, na sua mais íntima e estreita relação com Deus, nos meus 32 anos de ministério sacerdotal, sempre presente no Carmelo Santa Teresinha de Fortaleza. Dê-lhe, Senhor, o repouso eterno!

*Pároco de Santo Afonso, blogueiro, escritor e integrante da Academia Metropolitana de Letras de Fortaleza (AMLEF).

domingo, 1 de novembro de 2020

Cidade futura

Geovane Saraiva*
Bem-aventuradas e felizes são as comunidades dos seguidores de Jesus de Nazaré, pelo espírito aberto e por aceitarem a proposta salvífica de Deus Pai, no feliz anúncio, naquela visão beatífica, que é a eterna felicidade. À semelhança de Deus fomos originados e colocados no mundo, permeando nosso coração com aquele desejo mais elevado: o de buscar a perfeição, a santidade. Sem meia-volta, é Deus que quer nos convencer de nossa missão, que é a da nossa periferia existencial, ou ambiental, como se fosse um bonito jardim, com o desafio de cuidar, excluindo aquela lógica ou espírito da serpente, afastando-nos do mal, do egoísmo e do orgulho, numa sociedade consumista e conflitiva, longínqua da não violência da justiça divina, com marcas visíveis da vida desigual e desleal, mesmo no seio da Igreja. Que sejamos convencidos, pela graça de Deus, de que a vida exige coragem de nos levantarmos de vez, e não de nos depararmos com o fracasso.

Não me canso de repetir o que alhures já disse: É maravilhoso aprender com Santo Agostinho, na beleza de sua obra “A Cidade de Deus”, colocando-nos diante da vida humana como um mistério de amor, segundo o projeto divino, quando “dois amores estabeleceram duas cidades, a saber: o amor-próprio, levado ao desprezo a Deus: a terrena; e o amor a Deus, levado ao desprezo de si próprio: a celestial”. Mesmo sendo enormes a saudade e a dor pela partida de nossos entes queridos, que nossa humilde e confiante oração seja a de jamais perdermos de vista a esperança, na certeza da promessa da imortalidade, antevendo conforto e consolo incontestáveis, segundo as letras sagradas: “Não temos aqui na terra cidade permanente, mas estamos à procura da cidade que há de vir” (cf. Hb 13, 14).

É indispensável, nesse contexto, pensar na caridade fraterna e no amor, para o qual somos destinados, que é o de amar como Deus amou, amando-o em primeiro lugar e reservando-lhe momentos de oração e intimidade, com louvor, súplica e agradecimento pelo dom maravilhoso da vida. É a palavra de Deus, plena e fecunda de graças, que nos convida ao amor franco e genuíno, com todas as nossas forças, sendo nós conscientes de que fomos criados para a eternidade, e que na acesa chama da esperança nada de desânimo nem de decepção. Só nos resta convencermo-nos da realidade da morte como nossa amiga, irmã e companheira inseparável, na esperança de contemplar Deus face a face no céu e saborear sua afável e terna misericórdia, e na certeza de que nossa prece suba aos céus pelos nossos irmãos falecidos. Assim seja!

*Pároco de Santo Afonso, blogueiro, escritor e integrante da Academia Metropolitana de Letras de Fortaleza (AMLEF).