sexta-feira, 31 de maio de 2019

Resistir ao sistema com esperança!

Colocar Deus acima de tudo implica necessariamente em colocar a economia em função das pessoas, não sacrificar pessoas para o bem da economia.



“Vós não podeis servir ao mesmo tempo a Deus e a Mamon (Lc 16,13). Mamon é um ídolo personificado, que representa o dinheiro ou a cobiça.
“Vós não podeis servir ao mesmo tempo a Deus e a Mamon (Lc 16,13). Mamon é um ídolo personificado, que representa o dinheiro ou a cobiça. (Sharon McCutcheon/ Unsplash)
Por Junior Vasconcelos do Amaral*
Enfaticamente, o escritor moçambicano Mia Couto nos diz “A maior desgraça de uma nação pobre é que em vez de produzir riqueza, produz ricos”. Em contrapartida, o Brasil, que pode ser considerado um país rico, gera cada vez mais pobres. Os dados atuais destacam que a pobreza aumentou vertiginosamente.
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Segundo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), na Síntese de Indicadores Sociais (SIS), divulgada no dia 05 de dezembro de 2018, em 1 ano, quase 2 milhões de brasileiros retornaram à situação de pobreza. A que se deve a isso? Certamente aos governos que pensam apenas em cifras econômicas, nas benesses de seus partidos e políticos, realizando cortes significativos em gastos públicos – caso da PEC 95 (Emenda constitucional de 2016), que limita por 20 anos os gastos públicos, como educação, segurança pública, moradia e assistência social, que poderiam viabilizar mudanças nas realidades.
Hoje, como em muitos outros episódios da história humana, assistimos ao enriquecimento de pessoas e não de nações. Vale lembrar que os discursos populistas e falaciosos esbanjam uma falsa e perversa moral, que não passa de idolatria do dinheiro em detrimento do bem estar social.
Não há como falar da crítica ao enriquecimento de uns em detrimento do empobrecimento de muitos sem falar do profeta Amós (6,1-7). No século 8º a.e.C. (antes da era Comum), Amós se levanta contra o sistema monárquico que se fartava da riqueza à custa da miséria dos campesinos, operários e artesãos. A monarquia é duramente criticada por Amós e por tantos profetas, pois converte a idolatria a Baal, o deus da Terra, em permissivismo ético sem escrúpulos, que permitia, por exemplo, trocar o “pobre por um par de sandálias” (Am 2,6) ou “adulterar as balanças” para o benefício próprio nas trocas de mercadorias. Tal sistema é condenado duramente, pois a idolatria que estava ligada à religião afetava diretamente as relações interpessoais, pois deixar de se relacionar com o Deus de Israel, o Deus libertador, era condição de possibilidade para relações humanas fraudulentas e pecaminosas.
No NT, Jesus de Nazaré condena veementemente a idolatria a Mamon: “Vós não podeis servir ao mesmo tempo a Deus e a Mamon (Lc 16,13). Mamon é um ídolo personificado, que representa o dinheiro ou a cobiça. Em hebraico, Mamon pode ser traduzido por “dinheiro”. O dinheiro torna-se, na compreensão do narrador do Evangelho de Lucas, um ídolo. Certamente, ambas realidades estão imbricadas: o enriquecimento e o dinheiro. Jesus e os profetas não condenam o dinheiro em si, mas o uso que o ser humano faz dele. O dinheiro move as relações e não há como abdicar dele para viver neste mundo. Para nascer (seja pelo SUS ou num hospital particular) e morrer (ser sepultado em um cemitério ou ser cremado) é necessário dinheiro. Contudo, não podemos fazer do dinheiro o fim último de nossa vida, mas um meio, como tantos outros para nos trazer a felicidade ou nos fazer felizes. A prática da partilha, nascida da compaixão para com os que nada têm, é o projeto querido por Deus. O Reinado de Deus passa pela prática da justiça, do direito, da misericórdia para com os que necessitam.
Vemos hoje no país um projeto de acelerar a economia cortando daqui e dali, sobremaneira afetando a vida dos pobres. Os pobres é que sofrem mais em tais injustiças. O corte de verbas públicas para a educação afeta diretamente aquele que não tem dinheiro suficiente para pagar uma pós-graduação, um mestrado ou doutorado. Quem não tem dinheiro para pagar um plano de saúde, tem que esperar muito mais para o atendimento do SUS e quem não tem como fazer um plano de capitalização ou previdência tem que contar com a sorte de uma previdência pública que parece hoje não dar muita esperança para o trabalhador pobre que terá que trabalhar mais tempo, correndo o risco de não conseguir um teto em sua aposentadoria.
Mediante as realidades que nos circundam e nos afetam diretamente, a mensagem da fé cristã é a esperança. É preciso, ou melhor é imprescindível, resistir na esperança, buscar de maneira consciente lutar por um mundo mais justo e solidário, no qual a fraternidade assuma a vanguarda. Para isso, é necessário resistir na fé. Trata-se de ficar firme, manter a esperança e a paciência. Como nos diz o Apóstolo Paulo: “posso enfrentar qualquer coisa com a força que Cristo me dá” (Fp 4,13). Deste modo, mesmo que tentem subtrair nossa alegria, com tantas loucuras e esquizofrenias por parte de fanatismos políticos, que justificam as injustiças atuais, somos convidados a manter nosso equilíbrio, nossa sensatez, pois este mundo é lugar para o advento do Reino de Deus, que já está no meio de nós, mas ainda não plenamente instaurado.
*Junior Vasconcelos do Amaral é doutor em Teologia Sistemática pela FAJE/BH (Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia), professor de Bíblia na PUC-Minas, presbítero a serviço da Arquidiocese de Belo Horizonte, MG.

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