sexta-feira, 19 de outubro de 2018

Eu não posso ser conivente

Victor Calabria*
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É fácil governar para ricos, lógico! Não são eles que precisam do Estado! Não são eles que precisam do SUS, da Escola Pública, da Universidade Pública, dos programas assistenciais, das farmácias populares. Se eles (os ricos) se matam de estudar para passar em cursos super concorridos nas instituições públicas e não conseguem lograr êxito, não há problema, o "painho" paga o curso desejado numa universidade particular mesmo! É muito fácil discursar para ricos, para empresários e para a casta da sociedade! Mais fácil ainda é dizer aos demais, aos pobres, aos marginalizados, àqueles que não têm meios de sobrevivência, que tudo pode ser, facilmente, resolvido na BALA. Afinal, já são tão deixados à parte pela sociedade mesmo, não é? Lembro-me dos versos de João Cabral de Mello Neto, em seu magnífico poema "Morte e Vida Severina", em que sabiamente declama:

"Essa cova em que estás,
com palmos medida,
é a cota menor
que tiraste em vida.
— É de bom tamanho,
nem largo nem fundo,
é a parte que te cabe
neste latifúndio.
— Não é cova grande.
é cova medida,
é a terra que querias
ver dividida.
— É uma cova grande
para teu pouco defunto,
mas estarás mais ancho
que estavas no mundo."

É triste, é desumano, mas é assim que muitos veem o próximo. Aqueles que, muitas vezes, são produtos do meio para os quais nada foi dado, ou dos quais muito foi tirado!

Eu não tenho como ser professor da rede pública de ensino, da periferia de Fortaleza e da região metropolitana de Fortaleza, e fechar os olhos para essa realidade tão lastimante. Eu não posso defender um plano de governo que não veja o social ou pensa em resolver os problemas sociais com bala. Há bandidos que tiram vidas, é verdade... e quantas outras vidas não são tiradas pela ausência do Estado no estabelecimento dessa legislação? Dessa Constituição? A mesma que promete aos compatriotas condições mínimas de dignidade? NÃO! Eu não posso ser conivente com isso, eu rasgaria metade de meu papel cidadão! Eu não posso simplesmente expurgar aquele a quem sequer foram dadas condições de ser, minimamente, humano! Nesse sentido, vem-me muito fortemente os versos de Manuel Bandeira:

"O bicho não era um cão,
Não era um gato,
Não era um rato.

O bicho, meu Deus, era um homem."

É de tamanho espanto, em uma sociedade tão marcada pela desigualdade, vermos tanta riqueza em dissonância com tanta pobreza. Tantos morrendo para só assim se acomodarem em sua própria terra, cujo espaço tem, tão somente, a dimensão de seu corpo.... e ao enxergar tantos carros de luxo, palácios, palacetes e mansões... uma "perua" que passeia com seu 'cachorrinho' que, certamente, para ter sido tosado lhe subtraiu bem mais que a alimentação mensal de um cidadão brasileiro que, parafraseando Bandeira, não é cão, não é gato, não é rato! Espante-se: é homem! É ser humano! É meu semelhante!

Não! Como Católico, como professor e, acima de tudo, inclusive do Brasil, como humano, eu não posso ser conivente com aquele que pode aumentar o sofrimento de famílias já tão dilaceradas pela ineficiência do Estado e pela má distribuição de renda!

*Professor de português e italiano e Doutorando em Linguística (UFC). INSTA: @victor_calabria

2 comentários:

  1. Meu grande amigo e confessor, Pe.Geovane, agradeço a credibilidade dada a meu texto. Como cristãos, temos obrigação de ser voz aos que não têm voz. Forte abraço.

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