quarta-feira, 31 de outubro de 2018

Documento final do Sínodo adverte contra as 'respostas pré-embaladas', pede 'acompanhamento' e apoia as mulheres na liderança da igreja

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O documento final endossa a necessidade de maiores papéis de decisão para as mulheres na igreja e diz que
O documento final endossa a necessidade de maiores papéis de decisão para as mulheres na igreja e diz que "os jovens pediram um maior reconhecimento e consideração da importância das mulheres na sociedade e na Igreja". (Pexels/ 9162 imagens/ Pixabay)
Por Gerard O'Connell

No documento final do Sínodo sobre os Jovens, a Fé e o Discernimento Vocacional; os padres sinodais escreveram sobre a grande diversidade de situações dos jovens em um mundo globalizado marcado por graves injustiças, pobreza e violência, bem como as oportunidades e os desafios que enfrentam no novo mundo digital. O documento aborda também o fenômeno da migração, a sexualidade na vida dos jovens, os vários tipos de abusos na igreja, o papel das mulheres na igreja, a sinodalidade e o que significa construir uma igreja sinodal junto com a importância do discernimento na vida da igreja e dos jovens à medida que procuram encontrar a sua vocação.

O documento final foi aprovado na noite de 27 de outubro por maioria de votos. Mas nem todos ficaram felizes com o resultado, que foram divulgados para a imprensa em italiano no final da sessão, juntamente com os resultados da votação. Uma maioria de dois terços (166 votos) foi exigida para sua aprovação, e o texto foi aprovado por uma votação de 191 (a favor) a 43 (contra). A oposição ao texto não foi uma surpresa completa, já que muitos padres sinodais estavam claramente infelizes com o fato de o texto estar disponível apenas para eles em italiano, uma língua em que nem todos são fluentes, enquanto outros não querem mudanças na abordagem da Igreja sobre algumas questões.

Os padres sinodais votaram no texto final parágrafo por parágrafo, com 167 parágrafos ao todo. Uma minoria considerável votou contra vários parágrafos, por várias razões. Alguns não estavam satisfeitos com o conteúdo ou linguagem relacionada a abusos na igreja (nº 29 e 30), mulheres na igreja (nº 55 e 38), ou “a condição de pessoas solteiras” (nº 90). Outros estavam insatisfeitos com os parágrafos sobre a sinodalidade (nº 119-124) porque o tema não havia sido muito discutido. Havia descontentamento, também, sobre as questões relativas à sexualidade e especialmente à homossexualidade (No. 150), que trouxe 65 votos contra, o tema com maior votação negativa no sínodo.

Quando o Papa falou no término da sessão de trabalho final, Francisco começou defendendo o processo do sínodo contra aqueles que criticavam a percepção de falta de transparência em relação aos procedimentos dentro do sínodo. Ele explicou que “o sínodo não é um parlamento; é um espaço protegido no qual o Espírito Santo pode agir”. Ele descreveu o texto final como “um texto martirizado” e a comissão de redação como parte desse martírio também. Mas disse que agora cabe a todos estudarem, orarem e trabalharem com suas conclusões.

Como ler o documento final?

A introdução do texto final de 55 páginas oferece uma importante chave interpretativa para a leitura deste texto. Explica que o documento final e o documento de trabalho, conhecido como instrumentum laboris, devem ser vistos como “complementares”; eles foram feitos “para serem lidos juntos, porque há uma referência contínua e intrínseca entre os dois”.

Deve-se notar, também, como vários padres sinodais disseram à America, que, uma vez que o texto procura ser universal, ele não aborda em profundidade as questões de um dado país ou região. Destina-se como um trampolim ou base para ser adaptado a nível nacional e local em diferentes países.

Um padre do sínodo explicou à America que é necessário entender bem essa chave interpretativa, porque há algumas coisas no documento de trabalho que não são encontradas no documento final, e os leitores podem chagar a criticar o texto final por não terem lidado totalmente com o documento final. Inclusive, por não levar em conta o que também está escrito no documento de trabalho, eles correm o risco de chegar a conclusões injustificadas.

Os mais de 260 padres sinodais de todos os continentes e da maioria dos países do mundo declararam que o documento final é “oferecido” ao Papa Francisco e a toda a igreja como “o fruto do sínodo”. Ele decidirá se escreve uma Exortação Apostólica como ele fez depois do sínodo sobre a família.

O que o documento final diz

O documento final toma como texto paradigmático a história evangélica do encontro de Jesus com os dois discípulos no caminho para Emaús (Lc 24,13-35), e enfatiza o que tem sido o mantra deste sínodo: “Os jovens querem ser ouvidos”. O sínodo também reconhece que ‘muitos’ jovens sentem que o mundo adulto, tanto secular como na igreja, não os reconhece, e há “falta de atenção ao seu clamor, em particular àqueles que são os mais pobres e aqueles mais explorados. O texto fala contra o fornecimento de “respostas pré-embaladas” e enfatiza a importância dos pastores ouvirem os jovens e prepararem as pessoas para “acompanhá-los”.

O documento final endossa a necessidade de maiores papéis de decisão para as mulheres na igreja e diz que "os jovens pediram um maior reconhecimento e consideração da importância das mulheres na sociedade e na Igreja". Reconhece que "muitas mulheres desempenham um papel insubstituível" nas comunidades cristãs, mas em muitos lugares é uma luta para dar-lhes um lugar nos processos de tomada de decisão, “mesmo quando esses processos não exigem responsabilidades ministeriais específicas”. O documento declara que “a ausência da voz e do ponto de vista das mulheres empobrece a discussão e o caminho da igreja, e remove uma preciosa contribuição do discernimento”. O Sínodo recomendou “tornar todos mais conscientes da urgência de uma mudança necessária e inevitável, partindo também de uma reflexão antropológica e teológica sobre a reciprocidade entre os homens e as mulheres”.

Ele fala novamente sobre as mulheres no contexto de uma “igreja sinodal” (No. 148) e diz que “uma igreja que procura viver um estilo sinodal não pode deixar de refletir sobre a condição e o papel das mulheres dentro dela, e consequentemente também em sociedade. Jovens mulheres e homens estão fortemente pedindo isso”. O documento pede mudanças “através de uma corajosa conversão cultural e uma mudança na prática pastoral diária”. Ele diz que “uma área de particular importância neste aspecto é a presença de mulheres em corpos eclesiais em todos os níveis, inclusive em funções de liderança, e a participação das mulheres nos processos de tomada de decisões eclesiais, respeitando o papel do ministro ordenado. Este é um dever de justiça, inspirado tanto pela maneira como Jesus se relacionou com os homens e mulheres de seu tempo, como pelo importante papel que algumas mulheres desempenharam na Bíblia, na história da salvação e na vida de a Igreja".

Falando sobre o mundo digital, o documento final reconhece que oferece aos jovens “uma grande oportunidade de diálogo, encontro e troca entre pessoas, bem como acesso à informação e ao conhecimento”, mas também contém um lado negativo envolvendo “a solidão, a manipulação, a exploração e a violência, o cyberbullying e a dark web”. O documento destaca os “gigantescos interesses econômicos” que operam no mundo digital e que criam “mecanismos para manipular as consciências e o processo democrático”. Ele aponta para “a proliferação de notícias falsas o que gerou uma cultura na qual a verdade parece ter perdido sua força para persuadir". Expressa também a preocupação de que "as reputações das pessoas sejam prejudicadas por meio de ações nas plataformas online".

O documento final fala sobre o fenômeno da migração como “um problema estrutural em nível global, e não uma emergência transitória” e diz que a Igreja está particularmente preocupada com “aqueles que fogem da guerra, da violência, da perseguição política ou religiosa, desastres naturais devido também à mudança climática e da pobreza extrema”. Aponta-se, também, que os jovens são a maioria dos migrantes e frequentemente são explorados por “traficantes inescrupulosos”. Destaca-se “a vulnerabilidade particular” dos migrantes menores desacompanhados e a situação daqueles que são forçados a passar muitos anos em campos de refugiados ou que permanecem presos em países de trânsito por um longo tempo. Ele observa que a igreja deve reagir a "uma mentalidade xenofóbica de fechamento e atenção exclusiva a si mesma".

O documento final dedica três parágrafos (números 29 a 31) ao abuso na igreja. Ele trata do escândalo do abuso sob o título “Reconheça e reaja a todos os tipos de abuso” e defende que a igreja deve “agir com a verdade e pedir perdão” (nº 29). Reconhece “o sofrimento que os diferentes tipos de abusos cometidos por alguns bispos, sacerdotes, religiosos e leigos causam naqueles que são vítimas, o que inclui muitos jovens: sofrimentos que podem durar a vida toda e que nenhuma contrição pode remediar”. “O fenômeno do abuso é generalizado na sociedade e afeta a Igreja também, e representa um sério obstáculo à sua missão”. Reafirma o sólido compromisso de adotar medidas rigorosas de prevenção para garantir que esses abusos nunca se repitam, começando com a seleção e a formação daqueles a quem serão confiadas tarefas de responsabilidade e educação na igreja.

O parágrafo 30 reconhece diferentes tipos de abuso: abusos de poder, econômicos, de consciência e sexuais. Apela para “desenraizar as várias formas de exercício da falta de responsabilidade e transparência com que muitos casos foram tratados”. Diz o “desejo de controlar, a falta de diálogo e transparência, as formas de vida dupla, o espiritual o vazio, assim como a fragilidade psicológica, são o terreno em que a corrupção prospera”.

Denuncia o clericalismo citando o Papa Francisco, dizendo que “surge de uma visão de vocação elitista e exclusivista que interpreta o ministério recebido como um poder a ser exercido, e não como um serviço livre e generoso a ser dado. Isso nos leva a acreditar que pertencemos a um grupo que tem todas as respostas e não precisa mais ouvir ou aprender nada, ou que finge escutar”.

O Sínodo agradeceu às vítimas por sua “coragem em denunciar o mal a que foram submetidas” e por “ajudar toda a Igreja a tomar consciência do que aconteceu e da necessidade de reagir com decisão”. Conclui dizendo: “o Senhor Jesus, que nunca abandona a sua Igreja, ainda hoje oferece a força e os instrumentos para uma nova jornada”. Confirma a linha de “ações e sanções necessárias” e “reconhece que a misericórdia exige justiça” e que “abordar a questão do abuso em todos os seus aspectos pode, com a preciosa ajuda dos jovens, ser uma oportunidade para uma reforma da missão da igreja hoje”.

Referindo-se à questão dos jovens e da sexualidade, observa que “frequentemente” o ensinamento da igreja sobre a moralidade sexual “é a causa da incompreensão e distanciamento da igreja, porque é percebida como uma área de julgamento e condenação”. As pessoas são sensíveis aos “valores de autenticidade e dedicação”, mas estão desorientadas e “querem discutir aberta e claramente as questões relacionadas às diferenças entre identidade masculina e feminina, reciprocidade entre homens e mulheres e homossexualidade”.

Reconhece (No.149) que "no atual contexto cultural a Igreja está lutando para transmitir a beleza do conceito cristão de corporeidade e sexualidade" e diz que "há, portanto, uma necessidade urgente de encontrar formas melhores de comunicação, que serão traduzidas concretamente em propostas de caminhos de formação renovados e apropriados”.

Abordando a orientação sexual (No.150), o documento final diz: “há questões relacionadas ao corpo, à afetividade e à sexualidade que requerem uma elaboração antropológica, teológica e pastoral mais profunda, que deve ser realizada da maneira mais conveniente a nível local e universal da igreja”. O texto menciona entre essas questões, “aquelas que se relacionam em particular com a diferença e a harmonia entre identidade masculina e feminina e com orientações sexuais (inclinações)”. A esse respeito “reafirma que Deus ama todas as pessoas e a Igreja, renova seu compromisso contra toda discriminação e violência baseada na orientação sexual”.

Ao mesmo tempo, “reafirma também a decisiva relevância antropológica da diferença e a reciprocidade entre homem e mulher e considera redutora a definição da identidade das pessoas unicamente com base na sua orientação sexual”. Reconhece que “já existem muitas comunidades cristãs que são verdadeiros exemplos de caminhos de acompanhamento na fé para pessoas homossexuais”. Aponta-se também que “esses caminhos podem ajudar na leitura da história pessoal, na adesão à liberdade e à responsabilidade de seu próprio chamado batismal, no reconhecimento do desejo de pertencer e contribuir para a vida da comunidade e discernir as melhores maneiras de conseguir isso”.

O documento final enfatiza que os jovens, através das diferentes vocações, são chamados à santidade. Ele retorna ao chamado à santidade de maneira muito impressionante quando se refere aos escândalos de abuso (No. 166). Diz: “Devemos ser santos para convidar os jovens a se tornarem santos. Os jovens pediram em voz alta uma Igreja autêntica, luminosa, transparente e alegre: só uma Igreja de santos pode viver de acordo com estas exigências! Muitos deles deixaram a Igreja porque não encontraram santidade lá, mas sim mediocridade, arrogância, divisão e corrupção. Infelizmente, o mundo está mais indignado com o abuso cometido por alguns membros da Igreja do que com a santidade de seus membros: por essa razão, a Igreja como um todo deve fazer uma mudança de perspectiva decisiva, imediata e radical! Os jovens precisam de santos para formar outros santos, mostrando assim que "a santidade é o rosto mais belo da Igreja" (cf. “Alegrem-se e sejam felizes” nº 9). Há uma linguagem que cada pessoa, de cada época, lugar e cultura pode entender, porque é próxima e luminosa: é a linguagem da santidade”.

O documento final (nº 118) fala da necessidade de conversão em todos os níveis da igreja e declara: “Sabemos que, para sermos críveis, devemos viver uma reforma da Igreja, o que implica purificação do coração e mudanças de estilo. O documento final também fala sobre o desemprego juvenil, a violência e a perseguição, a marginação social, a cultura descartável e, em alguns países, os sofrimentos psicológicos e o fenômeno do suicídio. Dedica muita atenção à “espiritualidade e religiosidade” e ao interesse dos jovens por estes (nº 48 e 49), o encontro com Jesus e o desejo “por uma liturgia viva” também são parte dos destaques da reflexão.

O documento final reconhece que “um número considerável de jovens, por diferentes razões, não pede nada da igreja, porque eles não a consideram significativa para sua existência”. Ela diz que uma das razões para isso são os “escândalos sexuais e econômicos”. ”E o “despreparo dos ministros ordenados”.

Os padres sinodais enfatizaram que o sínodo não terminará com a missa dominical conclusiva na Basílica de São Pedro; eles preveem uma importante “fase de implementação” nas igrejas locais em todo o mundo nos próximos meses e anos, e apresentam o documento final como um “mapa para guiar os próximos passos que a igreja é chamada a tomar”. O sucesso ou fracasso do sínodo depende dessa fase de implementação.


America Magazine - Tradução: Ramón Lara

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