quinta-feira, 9 de agosto de 2018

Distanciamento assegura julgamento imparcial

domtotal.com
É pressuposto de um julgamento legítimo que o magistrado seja equidistante das partes e não tenha razões para beneficiar ou prejudicar quaisquer delas.
Volta e meia se noticia sobre a parcialidade dos juízes, especialmente de juiz da Lava Jato e de determinado ministro do STF.
Volta e meia se noticia sobre a parcialidade dos juízes, especialmente de juiz da Lava Jato e de determinado ministro do STF. (Jane de Araújo/Agência Senado)
Por Renato Campos Andrade*

Constantemente tem sido noticiado que determinada pessoa, civil ou com formação jurídica, indica a necessidade de afastamento de um juiz de determinada causa pelo fato dele não ter a imparcialidade necessária para proferir o julgamento. Contudo, essa imparcialidade possui contornos jurídicos que devem ser enfrentados, para se entender as hipóteses em que um magistrado estará impedido ou será suspeito de julgar determinado caso.

É pressuposto de um julgamento legítimo que o magistrado seja equidistante das partes e não tenha razões para beneficiar ou prejudicar quaisquer delas, sob pena de proferimento de decisão viciada. Isto é um dos pilares para a aplicação em qualquer ramo do Direito, seja no processo penal, civil ou administrativo.

O Código de Processo Civil determina em seu artigo 139 que o juiz assegure tratamento igualitário entre as partes. Para tanto, somente um distanciamento pessoal e profissional será capaz de assegurar um julgamento imparcial.

O juiz, ao exercer sua função, age em nome do Estado, por isso deve se despir de convicções e sentimentos pessoais. Juridicamente, tal isenção também é exigida dos membros do Ministério Público e auxiliares da Justiça, como no caso de peritos judiciais, visto que essas pessoas exercem um dever público muito acima da sua vontade privada.

Volta e meia se noticia sobre a parcialidade dos juízes, especialmente de juiz da Lava Jato e de determinado ministro do Supremo Tribunal Federal. Mas quando se pode afirmar que há parcialidade? O diploma processual indica que a parcialidade pode se dar em caso de impedimento e suspeição.

No artigo Imparcialidade é importante qualidade do juiz, o advogado, atual diretor de Comunicação da 7ª Subseção da OAB de Ponte Nova (MG), pós-graduado em Direito e Processo do Trabalho, Luiz Gustavo Abrantes Carvas trata das hipóteses de impedimento que, em seus dizeres, “constitui uma proibição, dirigida ao juiz, de funcionar nas causas em que a lei determina. São causas tão relevantes que, uma vez não observadas, maculam o processo e desafiam até mesmo uma ação rescisória, ou seja, ultrapassam o trânsito em julgado para anular todos os atos processuais”.

Significa dizer que quando a lei determinar uma hipótese de impedimento, tal mácula pode ser alegada a qualquer tempo, inclusive quando a decisão não comportar mais recurso. Tais hipóteses de impedimento ocorrem quando o juiz: interveio anteriormente como mandatário da parte, perito, membro do Ministério Público ou testemunha; conheceu da causa e deu decisão em outro grau de jurisdição; tiver postulado como defensor público, advogado ou membro do Ministério Público, seu cônjuge ou companheiro, ou qualquer parente, consanguíneo ou afim, em linha reta ou colateral, até o terceiro grau, inclusive; seu cônjuge, companheiro, parente ou ele próprio for parte no processo; quando for sócio da pessoa jurídica parte no processo; quando for herdeiro presuntivo, donatário ou empregador de qualquer das partes; quando tiver relação de emprego ou prestação de serviços com instituição de ensino em que for parte do processo; quando a parte for cliente do escritório de advocacia de seu cônjuge, companheiro ou parente, inclusive quando esteja sendo patrocinado por advogado de outro escritório; e, por fim, quando promover ação contra a parte ou seu advogado.

Este rol legal gera presunção absoluta de imparcialidade, isto é, mesmo que o magistrado se sinta confortável e indique que não irá favorecer ou prejudicar qualquer das partes, estará legalmente impedido de julgar.

Luiz Gustavo destaca uma recente decisão no HC 143.912/RS em que se declarou o impedimento de uma juíza “sob o argumento de que não poderia exercer a jurisdição contra advogado ao qual seu genitor era cliente e também uma das vítimas. Entendeu-se que "eventual condenação criminal do paciente repercutirá nos direitos civis da juíza titular e de parentes do substituto, presente a acusação de apropriação de valores pertencentes a clientes nas ações cíveis".

O rol legal das causas de impedimento tem critérios objetivos. Entretanto, existem casos em que o juiz pode ter motivos de foro íntimo que o tornam parcial. São as causas de suspeição, bem mais difíceis de comprovação.

Em Hipóteses de suspeição do juiz, o advogado, pós-graduado em Direito Tributário, Jair Marques Júnior, ressalta que “haverá suspeição do juiz em situações tais como: se este for amigo íntimo ou inimigo de qualquer das partes ou de seus advogados; quando houver o recebimento de presentes de pessoas que tiverem interesse na causa, que aconselhar alguma das partes acerca do objeto da causa ou que subministrar meios para atender às despesas do litígio. Haverá também suspeição quando qualquer das partes for credora ou devedora do juiz, de seu cônjuge ou companheiro ou de parentes destes, em linha reta até o terceiro grau, inclusive. De igual modo, também haverá suspeição quando o juiz for interessado no julgamento do processo em favor de qualquer das partes”.

Às hipóteses acima citadas se somam qualquer outro motivo pelo qual o juiz entenda que não deve julgar, ou seja, pode o magistrado se declarar suspeito e não julgar determinada causa por motivo íntimo, que não precisa ser revelado e somente a ele diz respeito.

Ambas as hipóteses, de suspeição e impedimento, devem ser alegadas quando as partes tomarem conhecimento dos fatos. A advogada, especialista em Direito do Trabalho, Bianca Guimarães Carvalho, no artigo Impedimento e suspeição explica que “ao tomar conhecimento de uma ou mais causas de impedimento ou de suspeição, as partes poderão protocolar petição no processo em curso no prazo de 15 dias, podendo incluir documentos e rol de testemunhas. Caso o juiz reconheça a parcialidade, determinará a remessa dos autos ao seu substituto legal. Porém, se o contrário acontecer, terá o prazo de 15 dias para apresentar suas razões e remeterá o incidente ao tribunal’.

Segundo ela, “o tribunal analisará o incidente de impedimento e suspeição e, se acolhido o pedido, condenará o juiz nas custas, remeterá os autos ao seu substituto legal e ainda fixará o momento a partir do qual o juiz não poderia ter atuado, sem prejuízo de decretar a nulidade dos atos, se praticados quando já presente o motivo de impedimento ou de suspeição”.

Fato é que juiz com interesse em razão de causa objetiva ou subjetiva não está apto a julgar e, por esse motivo, deve se afastar em razão de causa de impedimento ou suspeição.

Porém, há de se ressaltar que não é qualquer motivo ou mera dedução arguida pela parte capaz de resultar o afastamento do magistrado, sob pena de se gerar uma grande insegurança, já que bastaria que a parte não “fosse com a cara” do magistrado para pedir a suspeição. As hipóteses são as descritas na lei e interpretadas pela jurisprudência.

Sugestão de pauta

A Super Manchete de Direito é uma publicação semanal do portal Dom Total, em parceria com a Dom Helder Escola de Direito, com a colaboração de profissionais e especialistas nos temas abordados. Envie-nos sugestões de assuntos que você gostaria de ver nesta editoria, pelo e-mail noticia@domtotal.com, escrevendo 'Manchete de Direito' no título da mensagem. Participe!

*Renato Campos Andrade é advogado, professor de Direito Civil e Processo Civil da Dom Helder Escola de Direito, mestre em Direito Ambiental e Sustentabilidade, especialista em Direito Processual e em Direito do Consumidor.

Nenhum comentário:

Postar um comentário