sábado, 31 de março de 2018

A Paixão de Cristo prolongada na Paixão dos oprimidos e oprimidas

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Quando cristãos compactuam com o não cumprimento dos Direitos Humanos, engrossam o coro daqueles que gritaram: 'Crucifica-o! Crucifica-o!'
A morte de Jesus precisa nos fazer compreender que ninguém merece morrer!
A morte de Jesus precisa nos fazer compreender que ninguém merece morrer! (Santuário NS Piedade)
Por Felipe Magalhães Francisco*

Hoje é um dia marcante na espiritualidade cristã. Sobretudo para os católicos e católicas, que vivem bem intensamente a Semana Santa. Para os mineiros e mineiras, então, de piedade bastante barroca e contrita, a Sexta-Feira da Paixão é um dia mais que santo. De fato, na prática piedosa da sexta-feira santa, de forma inigual, os católicos e católicas vivem a dimensão memorial da fé: experimentam, com real sensibilidade, a paixão e morte de Jesus. Tanto a Ação Litúrgica Solene, quanto as Vias-Sacras e procissões com o Senhor Morto sinalizam quão forte é esse dia para a religiosidade cristã.

É preciso, porém, nunca deixar de perguntar se a Cruz de Jesus continua a fazer sentido, sobretudo quando o imperativo existencial é o de que precisamos ser sempre vitoriosos. Como um sinal de fracasso, que é a Cruz, pode se tornar sinal de salvação? Católicos e católicas têm o crucifixo em suas casas, penduram-no em seus pescoços: como a memória da entrega total de Jesus pode continuar a nos inspirar, hoje? Essas são questões às quais os cristãos e cristãs não devem se esquivar, pois trata-se de ter sempre vivo o sentido pelo qual nos assumimos seguidores e seguidoras de Jesus.

Na esteira do significado da crucifixão de Jesus, um dos elementos ao qual não devemos nos furtar de refletir, é o da solidariedade da Cruz de Cristo, com a cruz de milhares e milhares de empobrecidos e empobrecidas. Não romantizar a Cruz do Filho de Deus é tarefa necessária para todos os cristãos e cristãs, para que não fiquem alienados daquilo mesmo que a condenação e morte de Jesus representam: a condenação e a execração injusta de uma pessoa, que viveu inteiramente dedicada à missão que acreditava ser a vontade de Deus – e que, de fato, era.

A morte de Jesus precisa nos fazer compreender que ninguém merece morrer! Ninguém! Os cristãos e cristãs que acreditam no contrário disso, esqueceram-se daquele a quem dizem seguir. E há muitos os que, professando a fé cristã, dedicam-se à condenação de pessoas humanas, sejam elas justas ou injustas, às várias mortes diárias. É grave que cristãos e cristãs, que têm por lei o amor, condenem os Direitos Humanos bem como aqueles e aquelas que dedicam suas vidas à garantia desses direitos. Quando compactuam com o não cumprimento dos Direitos Humanos, esses que se dizem cristãos e cristãs, engrossam o coro daqueles que gritaram: “Crucifica-o! Crucifica-o!”. Condenam o Cristo, na carne dos condenados de toda a história.

Não aceitar essa diminuição de nossa humanidade, não se trata, pois, de comunismo, socialismo, serviço ideológico ao PT, como muitos leitores e leitoras insistem em qualificar os colabores deste portal. É, ao contrário, estar sempre com os olhos fixados naquele que é o autor e o consumador da fé, Jesus Cristo (cf. Hb 12,2). É a tentativa de fazer da vida e pregação de Cristo, um verdadeiro Evangelho, Boa-Notícia, que alcance os homens e mulheres de nosso tempo. É o que nos propomos a fazer, em mais esta matéria especial, quando refletimos sobre o prolongamento da paixão de Cristo, na paixão de três grupos de sofredores e sofredoras, de nossa história.

No primeiro artigo, Tânia Mayer reflete a respeito dA Paixão de Cristo na paixão das juventudes, sobretudo das juventudes negras, as maiores vítimas das muitas violências cotidianas que assolam nosso país. No texto, a autora chama a atenção para as vulnerabilidades que fazem com que as juventudes sejam, cotidianamente, crucificadas com o Cristo.

A Paixão de Cristo na paixão dos LGBT é o tema do segundo artigo, proposto por Luís Corrêa Lima. Sofrendo inúmeras formas de violência, inclusive por parte da religião, as pessoas LGBT estão associadas à cruz de Cristo, quando vivem, na própria carne, a exclusão e a marginalização, em suas muitas faces.

Por fim, Ana Maria Castro reflete sobre A Paixão de Cristo na paixão das pessoas encarceradas, tema tão urgente para uma sociedade que tem ódio daqueles e daquelas que cometeram crimes e que, por isso, estão relegados a uma segregação desumana e que desconhece a dignidade de todas as pessoas, as que cumprem ou não as leis.

Seja esta denúncia, também um grito de esperança: confiantes que a Cruz não é a palavra final, ansiamos por uma sociedade mais justa, igualitária e fraterna, na qual todos e todas possam gozar da festa da Ressurreição, porque isso é o Reino de Deus!

 Feliz e abençoada Páscoa!

*Felipe Magalhães Francisco é teólogo. Articula a Editoria de Religião deste portal. É autor do livro de poemas Imprevisto (Penalux, 2015). E-mail: felipe.mfrancisco.teologia@gmail.com.

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