quarta-feira, 31 de janeiro de 2018

O que Jesus entendia - e os cientistas podem aprender - sobre o significado da boca?

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Cristo, se junta a nós de maneira surpreendente e nova, nos elementos mais naturais: saborear, falar e beijar.
A pessoa que realmente entendeu o que os beijos significam foi aquela mulher que ungiu com eles os pés de Jesus.
A pessoa que realmente entendeu o que os beijos significam foi aquela mulher que ungiu com eles os pés de Jesus. (Lesly Juarez/ Unsplash)
Por Chade Engelland

Se um biólogo distraído ou um cientista exótico estudassem a boca humana, sem prestar atenção à experiência humana, eles poderiam facilmente concluir que essas mandíbulas, dentes e língua são funcionalmente equivalentes à boca de qualquer outro animal: um orifício para ingerir e para digerir. Tais cientistas ficariam bastante surpresos quando a mandíbula se move e a língua se desenvolve e acaba tudo entrando em um complexo de comunicação mundial.

Comer, mastigar e assimilar, falar e colocar os pensamentos para ser recebidos pelas pessoas. Esses atos são surpreendentemente diferentes e, no entanto, ocorrem graças à mesma boca. Talvez seja mais estranho que ela também possa dizer: "Eu amo você". Pode, ainda, expressar esse amor, mantendo o silêncio, roubando e dando um beijo.

Mas a boca também é para outras coisas incomuns. A boca é uma galeria na qual apreciamos as obras comestíveis de artistas humanos, os pratos que os chefs nos servem, participamos de muitas e deliciosas misturas de sabores. Uma vez que o alimento é engolido, seu papel passa para o aspecto biológico. A boca é o lugar para a ação humana de comer: saborear.

Ao falar, as bocas expressam nossos pensamentos para que possam ser ouvidos pelos outros. Esta possibilidade é especificamente humana na medida em que não estamos lidando com gritos e gemidos, mas uma fala que representa o mundo no qual vivemos com outros. Quando alguém diz: "Eu ainda não consigo esquecer essa delícia que foram os tacos mexicanos da noite passada", nossos pensamentos não se voltam para a boca do falante, mas para o delicioso sabor dos tacos.

Quando somos beijados, não nos dedicamos a pensamentos sobre o mundo, mas prestamos homenagem à presença física de um ente querido: "Estou feliz que você está aqui, e fico ainda mais feliz que você esteja aqui comigo". É verdade que cães e outros animais também beijam, mas o beijo humano é entretecido com a fala e, assim, assume uma aparência diferente. Os lábios que podem falar de todo o universo em silêncio para prestar homenagem à pessoa presente aqui.

Jesus mostra um profundo apreço por essas três funções únicas da boca humana. Primeiro, ele diz aos discípulos que sejam o sal da terra. Se houver significado nessa metáfora, é bom que o sal melhore o sabor da nossa comida e nos permita saboreá-la ainda mais (Mt 5,13). Além disso, Jesus fez vinho e até cozinhou peixe que podemos imaginar que ficou delicioso, como bem podemos imaginar uma comida saborosíssima.

Em segundo lugar, ele ressalta que não é o que colocamos na nossa boca (a nossa comida), o que pode nos tornar impuros, mas o que sai de nós, as palavras da nossa boca (nosso discurso) (Mc 7, 18-23).

Em terceiro lugar, ele chama a atenção para a ação paradoxal de Judas: "Judas, você trairá o Filho do Homem com um beijo?" (Lc 22, 48). A pessoa que realmente entendeu o que os beijos significam foi aquela mulher que ungiu seus pés com eles, pois ao contrário do dono da casa, ela o recebeu amorosamente com muitos beijos (Lc 7, 45-47).

Mas há uma quarta dimensão que o Senhor apresenta. Jesus diz: "Tomai e comei; este é o meu corpo". Ao fazê-lo, ele sem dúvida está atento às outras funções da boca humana - saborear, falar e beijar: "Ao mastigar este corpo, você receberá a vida de amor em você. Por seu 'Amém' você reconhece que eu sou a origem de tudo que está aqui presente para sua recepção. Ao me receber com um beijo sob o teto da boca, você pode saborear o sal do sal, o amor que torna o mundo glorioso. Este é o alimento que satisfaz a fome mais profunda; é o amor pelo que eu lutei, e que com alegria oferecemos para fortalecer a vida".

Perante tal oferta, fazemos bem em abrir a boca e falar: "Senhor, não sou digno de que entreis na minha casa, mas diz só uma palavra e a minha alma será curada". Emprestando as palavras do centurião neste contexto e transfigurando seu significado. Aqui não estamos orando pela cura, para que Cristo não precise vir até nós. Estamos rezando para nos curar de longe para que possamos recebê-lo em casa. Não simplesmente que ele possa vir a nossa casa, mas que possa vir para a casa que somos nós mesmos. Não que ele possa vir abaixo do telhado da nossa casa, mas que ele possa vir abaixo do telhado da nossa boca. Não para que ele possa curar um servo, mas para que ele possa curar o nosso próprio eu. Não para que possamos ser restaurados para a vida mortal, mas para que possamos ser enxertados em sua vida eterna.

Então, tendo dito "Amém" e tendo aberto a boca para recebê-lo, fazemos bem em saborear em silêncio quando nos lembramos das palavras de nosso Senhor: "Desde o momento em que entrei, ela não deixou de beijar meus pés" (Lc 7, 45).

Que a boca sirva esta quarta função, para receber o Senhor eucarístico, é surpreendente. Mas se estivermos verdadeiramente conscientes da variedade surpreendente de coisas para as quais nossas bocas servem, perceberemos que, por mais estranho que seja, não é tão assim. Ao contrário, Cristo, se junta a nós de maneira surpreendente e nova, nos elementos mais naturais: saborear, falar e beijar.

Não deixamos algo de fora? As bocas fazem ainda mais: cantam, riem e sorriem. Elas expressam nosso humor, revelam nossas brincadeiras e testemunham nossa busca de alegria. Quando essa alegria chega, não diluída, concentrada e sem fim, nossa boca entra em erupção alegremente e espontaneamente com louvor. A alegria do riso vai tocar. O que recebemos na Eucaristia é uma antecipação desse acontecimento celestial.

À medida que perdemos de vista a totalidade do humano e nos tornamos 'biólogos' distraídos ou 'cientistas' alienados, à medida que a verdade de nossos corpos é identificada com a fisiologia, à medida em que isso acontece, não seremos mais capazes de compreender não apenas o significado da Vida cristã, mas também o significado da vida humana em geral. Desta forma, meditar em todas as dimensões da Eucaristia pode nos levar a restaurar o nosso apreço por todas as funções da boca humana e assim nos dar uma sensação mais rica do que significa ser o tipo de seres que somos.


America Magazine - Tradução: Ramón Lara

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