segunda-feira, 25 de setembro de 2017

Vai para atrás de mim, Satanás!

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Todos damos significativos passos em nosso discipulado e também acabamos por nos tornar pedras de tropeço para a boa realização do Reino de Deus em nossa história.
A má compreensão do que seja a mensagem evangélica trazida por Jesus faz com que boas intenções se manifestem como coisas bastante catastróficas.
A má compreensão do que seja a mensagem evangélica trazida por Jesus faz com que boas intenções se manifestem como coisas bastante catastróficas. (Divulgação/ Pixabay)
Por Felipe Magalhães Francisco*

Diz a sabedoria popular que, de boas intenções, o inferno está cheio. O dito tem lá sua verdade, como é próprio de toda sabedoria. Boas intenções, desvinculadas de uma ação transformadora, de nada valem para a salvação de qualquer situação que exija uma postura de alguém, para evitar ou para sanar algum malfeito. É nesse horizonte de compreensão que se situa a dura fala de Jesus para Pedro, na ocasião em que o ordena a ir para atrás do Mestre, chamando-o “Satanás”, isto é, Adversário/Tentador (cf. Mt 16,23).

A narrativa bíblica contempla duas ironias: a primeira é no contexto mais amplo, no qual antes desse episódio, Pedro se destaca dentre os demais discípulos, por sua profissão de fé, e uma consequente valorização de sua liderança, garantindo-lhe uma primazia na comunidade dos discípulos (cf. Mt 16,13-19). A segunda, se dá no próprio relato de que aqui nos ocupamos: Pedro é chamado de Satanás e pedra de tropeço por Jesus, justamente num momento em que o discípulo se coloca em defesa do Mestre. Como bom discípulo, ele não poderia aceitar que o Mestre viesse a sofrer, o que, na lógica da narrativa, o faria contrariar o sentido mais profundo da paixão e morte de Jesus, segundo a teologia evangélica.

Pedro é uma figura ambígua: em dado momento se destaca por suas virtudes de discípulo; noutros tantos por sua má compreensão do verdadeiro significado da vida e missão de Jesus. Essa forma ambígua com a qual é retratado serve de paradigma de compreensão para todo cristão e cristã, discípulos de Jesus. Nalgumas ocasiões, todos damos significativos passos em nosso discipulado e, noutras, acabamos por nos tornar pedras de tropeço para a boa realização do Reino de Deus em nossa história. Na comunidade dos seguidores e seguidoras de Jesus, não há discípulos perfeitos!

Tais narrativas a respeito do discípulo Pedro podem, e muito!, iluminar o processo no qual estamos inseridos, nas muitas situações em que pessoas que se assumem cristãs, aparecem em ocasiões de bastante ambiguidade, pendendo para ações bem negativas e que, certamente, fazem despertar o pior do olhar, como clara consequência de um não verdadeiro seguimento de Jesus. Esses são os tropeços aos quais nenhum discípulo e discípula está imune. E é justamente por ser um verdadeiro risco, é que os cristãos e cristãs precisam firmar os passos no seguimento de Jesus, pois ele revela qual o melhor caminho a ser seguido, no processo de anúncio e vivência do Reino.

Muitas vezes, a má compreensão do que seja, realmente, a mensagem evangélica trazida por Jesus, tal como no caso de Pedro, faz com que boas intenções se manifestem como coisas bastante catastróficas. Todos os dias, cristãos e cristãs se tornam pedras de tropeço para muitas pessoas, impedindo a realização do Reino. Com isso, acabam por contribuir mais com as injustiças e com o desamor, sem que suas intenções sejam essas. A maneira como buscam fazer cumprir sua missão, que acreditam ser dada pelo próprio Jesus, torna-se sinal explícito de perseguição e ódio àqueles que não acreditam da mesma forma nem vivem segundo as mesmas motivações e condutas.

Voltar a Jesus é, sem dúvidas, a saída mais segura para a boa realização da verdadeira missão à qual os discípulos e discípulas são chamados. Na ambiguidade, viveremos sempre. Contudo, é preciso um esforço, para caminhar sem os desvios que colocam toda a mensagem do Evangelho em descrédito, junto àqueles aos quais somos chamados a ser verdadeiros testemunhos vivos de amor. Não há discipulado cristão sem que Jesus, com suas palavras e obras, seja a real e verdadeira inspiração. Tudo o que nos restaria, sem a radical comunhão na vida e missão de Jesus, é a ordem para nos apartarmos de diante dele. Não sejamos, pois, Satanás!

*Felipe Magalhães Francisco é teólogo. Articula a Editoria de Religião deste portal. É autor do livro de poemas Imprevisto (Penalux, 2015). Escreve às segundas-feiras. E-mail: felipe.mfrancisco.teologia@gmail.com.

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