terça-feira, 26 de setembro de 2017

Engenharia a serviço da diversão

Várias leis da física, química e da mecânica dos fluidos têm auxiliado os esportes na melhoria de materiais e desempenho de desportistas na prática de entretenimentos.


A prática do surf data desde tempos remotos da antiguidade.
A prática do surf data desde tempos remotos da antiguidade.
Por Luiz Carlos Santos Angrisano*
Atualmente várias leis da física, da química e da mecânica têm auxiliado desportistas, amadores ou profissionais, em suas atividades seja no desenvolvimento de novos materiais e criação de equipamentos mais resistentes às severas condições, as quais são impostos, ou no aprimoramento de técnicas para melhoria do desempenho juntamente com as condições físicas.
Com o intuito de não ser muito abrangente, o texto será focado em um dos esportes aquáticos mais antigos do mundo, o surf. Com sua criação disputada entre peruanos e polinésios, a prática desta atividade data desde tempos remotos da antiguidade, tendo os seus princípios resultantes das habilidades do povo polinésio, como exímios pescadores, mergulhadores e construtores de barcos em uma região de clima tropical, com sol o ano todo, e um oceano selvagem com ondas gigantes e furiosas.
Há quem atribua a criação do surf aos Incas, que habitavam a ilha de Uros. Como viviam isolados, a principal atividade de sobrevivência era a pesca. Atividade essa que os colocava em busca de grandes peixes em alto mar. Historiadores relatam que em uma das saídas de desbravamento e conquista, com seus Caballitos de Totora, ao pegarem uma corrente oceânica, alcançaram o arquipélago do Hawaii, por volta de 3.000 A.C.. Entretanto, este fato não os colocam como inventores do surf, visto que, as suas técnicas de navegação eram usadas apenas para sobrevivência.
Como os polinésios tinham a necessidade de retorno rápido à terra, após a pescaria, o desenvolvimento de embarcações distintas e resistentes contribuiu para a criação de pranchas de madeiras – feitas com as árvores havaianas Koa (Acácia Koa) e Wiliwili (Erythrina Sandwicensis), que atingiam até 6,0 m de comprimento, eram muito finas e com fundo arredondados. 
Com o passar dos anos essas atividades acabaram se transformando em um ritual de cunho religioso com vertentes na cultura, na política e no esporte. Os praticantes, quando da alta casta, como os reis, tinham o direito de ficar de pé, semelhante ao surf praticado nos dias atuais. Já os súditos, tinham que deslizar nas ondas deitados com o corpo grudado na prancha. Além disso, as pranchas dos reis, chamadas de Olo, eram as maiores e as dos comuns, menores e chamadas de Alaias, mediam entre 2 e 3 m.
Evidencias escritas, narradas, bailadas (como na Hula) e entoadas asseguram que o ato de deslizar com uma prancha de madeira sobre uma onda – ou surfar (Surf ou surfing) – era um ato nobre e religioso. Quando uma prancha ia ser entalhada, com pedras e ostras, era imperativo que fosse enterrado um peixe vermelho entre as raízes no centro da árvore que foi retirada a madeira, como agradecimento e respeito a natureza.
As primeiras modificações nas pranchas surgiram no final da década 40, época de desenvolvimento científico e tecnológico, quando o surfista Bob Simmons criou a primeira prancha de surf feita de fibra de vidro, abandonando o fabrico com madeira, e criando as quilhas (primeira intervenção da engenharia no esporte através dos materiais). Nesta época, por necessidade de desenvolvimento de novos materiais, os Estados Unidos viviam o auge do desenvolvimento e criação de polímeros. Com este marco, é inevitável a comparação entre uma competição com mega pranchas de madeira, de 18 ft ou aproximadamente 6 m, e uma com pranchas de fibra de vidro com quilhas arredondadas. Comparativamente, a baleia e o golfinho. É até hilário imaginar as competições onde o “mais macho” que encarasse e vencesse as ferozes e mortais “Big Waves”, com pranchas de madeira, tinham como prêmio o título de “o rei da praia”... assustadora brincar de morrer.
Como novo material, a fibra de vidro assinalou o início de uma nova era para o surf. Em 1953 aconteceu a primeira competição com pranchas feitas de fibra de vidro. Esta competição não apenas marcou o começo de uma nova era, como também, começou a descrever o início da engenharia na fabricação de pranchas. O processo passou a ser feito industrialmente, mais uma intervenção da engenharia com a utilização de maquinários e tecnologia de fabricação. Caiu a hegemonia da realeza cedendo lugar a ciência, tecnologia e desenvolvimento. O tamanho e forma da prancha torna-se uma função intrínseca surfista-manobras-tipo de onda.
Quanto ao surfista, as variáveis peso, tamanho e preparo físico são essenciais e quanto às manobras estão associadas variáveis intangíveis como habilidade corpórea e tangíveis com o “shape” das quilhas e das pranchas. O esporte passou a ser visto de uma forma diferente, saindo da tentativa e erro do surfista ao encarar uma onda, e a morte literalmente, para a fase de planejamento para a diversão ou para as competições. Entretanto, ainda prevalece que, a proficiência do surfista é totalmente avaliada pelo grau de dificuldade dos movimentos executados em pé sobre a prancha, quando em total equilíbrio, ao deslizar uma onda que se quebra ao aproximar-se da praia ou de uma costa.
Em relação à modificação do tipo de material de fabricação das pranchas, algumas características podem ser citadas comparando a fibra de vidro com a madeira:
•    Maior moldabilidade;
•    Menor densidade;
•    Boa tração, flexão e resistência a impacto;
•    Pode ser soldada quando rompida;
•    Não possui necessidade de reflorestamento.
Com a função de absorver a energia do fluxo da água e propiciar melhores manobras, a quilha fornece um melhor direcionamento, acrescentando pressão e velocidade em ondas grande e manobras mais complexas. Os princípios hidrodinâmicos estão relacionados com o design – tipo de material, curvaturas interna e externa, espessura, tamanho e formato do bico.

Quilhas com área maiores possui maior superfícies e empurram a prancha com maior direção. Outros aspectos da aerodinâmica das quilhas devem ser considerados de acordo com o tipo de onda. O design da quilha controla o atrito com a água, o ângulo de curvatura nas manobras, o arrasto causado e a impulsão.
Com o desenvolvimento da engenharia química e, consequentemente, equipamentos, metodologias de fabricação e novos materiais, as pranchas de fibra de vidro passar a ser reforçadas com resinas proporcionando maior força e rigidez. O desenvolvimento de novos materiais proporcionou equipamentos ainda melhores, contribuindo para o desenvolvimento do surf, sendo eles:
•    Polipropileno expandido - EPS: usado na fabricação do corpo da prancha coberto com um tecido de fibra de vidro especial com resina epóxi. Garante maior flutuabilidade;
•    Resina epóxi: usado no copo da prancha de poliuretano (PU) como cobertura. Resulta em uma prancha com maior flexibilidade, resistência a choque e durabilidade.
•    100% Carbono:  juntamente com a resina epóxi constitui um tecido que recobre o corpo da prancha de EPS de alta densidade. Possui alta resistência e leveza. Muito utilizado em Stand Up.
•    Parafina: mistura de hidrocarbonetos sólidos. Usados como antiderrapantes nas pranchas.
•    PU/PE: composto de poliuretano branco com fibra de vidro e resina poliéster. Proporciona uma boa flexibilidade.
•    Poliestireno: O corpo da prancha é feito de espuma do material e coberto com resina epóxi. Garante uma maior leveza à prancha.
•    Neoprene: é uma combinação de uma fatia de borracha expandida sob alta pressão e temperatura, revestida de tecido dos dois lados ou de apenas um. Possui flexibilidade, elasticidade e resistência. Utilizado como vestimenta de proteção térmica em águas frias.
•    Tecido à prova d´água: permeável à umidade é um material laminado com membrana de alto desempenho que possui excelente permeabilidade à umidade, é à prova d'água e apresenta menor condensação. O material laminado é elástico e leve, oferecendo uma sensação flexível.
Além dos materiais que proporcionam melhor desempenho na atividade desportiva, a engenharia também está presente nas técnicas utilizadas pelos surfistas como quando estão remando de encontro a uma onda e, para atravessa-la, utilizam de uma técnica chamada “duck dive”. Nesta técnica, o surfista passa por baixo da onda utilizando o empuxo para emergir. Outro exemplo é quando estão em treinamento e utilizam pesos para não flutuar ou evitar o empuxo.
De toda forma, o surf atualmente é o esporte com mais de 20 milhões de surfistas espalhados pelo mundo. É uma indústria que gira mais de 10 bilhões de dólares, tem a possibilidade de se tornar mais uma modalidade olímpica em 2020, no Japão. Com isso, o número de praticantes pode crescer ainda mais dando subsídios para uma maior contribuição da engenharia.
Prof. Dr. Luiz Carlos Santos Angrisano. Coordenador do Curso de Engenharia Química Da Escola Superior de Engenharia de Minas Gerais – EMGE.

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