quarta-feira, 2 de agosto de 2017

Temer se agarra ao cargo, investe no corpo a corpo e abre cofre para barrar denúncia de Rodrigo Janot

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É a primeira vez na história do Brasil que deputados federais analisam se autorizam ou não a abertura de um processo contra o presidente.
Expectativa é que Planalto vença, mas placar será crucial para avaliar se base de apoio foi devastada.
Expectativa é que Planalto vença, mas placar será crucial para avaliar se base de apoio foi devastada. (Valter Campanato/ABr)
Por Afonso Benites e Xosé Hermida

A Câmara dos Deputados, que já deu sinal verde a dois impeachments em pouco mais de duas décadas no Brasil, se prepara para uma votação inédita e histórica nesta quarta-feira. Pela primeira vez, os deputados vão decidir se um presidente da República pode se sentar nos bancos dos réus por um crime comum. Os parlamentares vão analisar a denúncia do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, que acusa Michel Temer de ter cometido o crime de corrupção passiva. Apesar de todas as dificuldades de Temer – acusações em série, crise econômica e popularidade no chão –, as principais agências de análise política, assim como os próprios parlamentares dos dois lados, afirmam que a oposição não conseguiu os 342 votos necessários, entre 513 possíveis, para autorizar o Supremo Tribunal Federal a decidir se abre ou não um processo criminal contra o mandatário - se a resposta da corte for sim, ele será afastado do cargo. Nem mesmo a pesquisa Ibope que mostra que 79% da população não votará em deputados que apoiarem Temer deve mudar o cenário nesta quarta-feira.

A provável vitória de Temer, porém, não significa o fim da crise política. O tamanho do apoio ao peemedebista é fundamental para mostrar como será a continuidade da gestão peemedebista. Se o apoio for inferior a 257, mostra que sua base foi devastada. Quando assumiu, tinha os votos de 411 parlamentares. Caso os votos a favor do presidente cheguem aos 300, mostra que ele ainda tem chances de aprovar projetos que considera importantes, como as mudanças previdenciárias e eventuais alterações na estrutura política ou no sistema tributário nacional.

Altineu Côrtes (PMDB-RJ) e Paulo Pereira da Silva (SD-SP) são dois deputados que demonstram como a base de Temer está agindo para segurá-lo no cargo. Ambos prometem votar pelo arquivamento da denúncia de crime contra Temer. Juntos, receberam a liberação de 14 milhões de reais em emendas parlamentares nos últimos dois meses – 8 milhões para Côrtes e 6 milhões para Silva. Mas nem um nem outro garante vida fácil à gestão, caso a acusação feita por Rodrigo Janot seja engavetada nesta quarta-feira. Os dois afirmam que votarão contra a principal reforma de Temer, a da Previdência, que deve retornar à pauta do Legislativo em algumas semanas. E ainda avaliam que, caso outra denúncia de Janot contra Temer chegue ao Congresso Nacional, poderão ter posicionamento diferente.

“Ninguém sabe como ficará o governo. Ainda estamos dependentes das notícias dos próximos dias, se haverá novas denúncias ou delações. O que está a vir é mais importante, mas nesse momento, entendo que essa denúncia é mais política que jurídica, por isso, sou contra”, afirmou o deputado Côrtes. O mesmo diagnóstico foi dado pelo presidente interino do PSDB, o senador Tasso Jereissatti. “Aconteça o acontecer o Governo segue em crise”.

Os casos de Altineu Côrtes e Paulo Pereira da Silva são emblemáticos de uma das estratégias do governo para evitar que a oposição atinja o “número mágico” de 342 votos: a de garantir a liberação das emendas aos parlamentares. Enquanto entre janeiro e maio, apenas 88,4 milhões de reais foram liberados, nos meses de junho e julho, a torneira foi escancarada: 3,4 bilhões de reais. Os dados constam do sistema de acompanhamento do orçamento federal. Como as emendas são impositivas, o governo alega que não cometeu nada de ilegal. Apenas acelerou um processo que estava paralisado no início do ano. O que chama a atenção é exatamente a pressa no empenho (autorização para pagar) desses recursos.

Além disso, para tentar reverter votos e mostrar força, o presidente teve reuniões fechadas com 31 deputados federais no Palácio do Planalto e foi a um almoço da Frente Parlamentar Agropecuária (FPA) onde estavam outros 59 congressistas. “Ele está fazendo o trabalho legítimo dele, de buscar votos”, afirmou o deputado Rubens Bueno (PPS-PR). Mesmo sendo um dos aliados de Temer, Bueno representa uma contradição na base. Votará a favor da denúncia, por entender que todas as suspeitas têm de ser investigadas, e também será a favor da reforma da Previdência, caso ela seja pautada.

Outra maneira de ampliar seu apoio é o de exonerar 11 de seus 12 ministros que são deputados federais para votarem contra a denúncia. “O simbolismo da votação se reveste também da presença dos ministros no plenário”, afirmou o chefe da Casa Civil, Eliseu Padilha. Logo após votarem, os ministros retornarão aos seus cargos. O movimento não é inédito. Na votação da Reforma Trabalhista alguns desses ministros também saíram de seus cargos.

Um desses ministros-deputados, Ricardo Barros (PP-PR), da Saúde, diz que a denúncia contra Temer tem relação política que envolve também a reforma previdenciária. “Estou pronto para acabar com essa ação política dos mais privilegiados servidores do Brasil que fazem de tudo para não ter a Reforma da Previdência”, afirmou Barros, referindo-se aos procuradores que investigam o presidente e seu núcleo duro.

Esconde-esconde

Um outro fator que pode pesar a favor do presidente é a falta de consenso entre a oposição. Alguns partidos defendem que ninguém registre presença até que o quórum de 342 seja alcançado. A oposição diz que a responsabilidade de atingir esse número é do governo, que devolve a responsabilidade aos opositores.

Henrique Fontana (PT-RS), por exemplo, afirma que a presença ou não da oposição no plenário deve depender da consolidação dos votos para aprovação da investigação contra o presidente. “Vamos usar todo o tempo necessário para garantir maioria para afastar Temer”. Já Silvio Costa (PTdoB-PE), diz que não é necessário votar logo essa denúncia, pois se ela não for analisada, Temer seguirá “sangrando”. “Pode ser que em algum momento, se a gente esticar a corda, se não votar, o Michel Temer tenha alguma dignidade e renuncie”, disse.

Do outro lado, os governistas dizem que, se o quórum não for registrado, nada muda. “Nós vamos estar em plenário e se eles (opositores) vierem, nós os derrotaremos. Se eles continuarem em férias, continuaremos governando”, afirmou Carlos Marun (PMDB-MS).

Com a oposição ainda diminuta, a tendência é que os protestos também sejam reduzidos nesta quarta-feira. Desde o domingo, carros de som de sindicatos de servidores circulam pelas principais ruas de Brasília convocando a população para participar de um protesto no gramado da Esplanada dos Ministérios defendendo a abertura da investigação contra Temer. O governo do Distrito Federal ainda avalia se montará um esquema especial de segurança para conter violência em eventuais protestos.

O clima contrasta com a votação de abril de 2016, quando a Câmara autorizou a abertura de impeachment contra Dilma Rousseff em pleno domingo, com centenas de milhares de pessoas do lado de fora divididas por um muro. Nessa terça não havia qualquer mobilização. Grupos vinculados à plataforma virtual Avaaz distribuíram no aeroporto de Brasília cédulas falsas de 100 reais, com uma imagem de Temer, afirmando que estavam dispostos a comprar deputados em troca de emendas. À noite, restou a outros manifestantes tentar ao menos produzir imagens de impacto. Eles reproduziram no prédio do Congresso Nacional as frases “investiga Temer Já”, “estamos de olho”, “cúmplices da Corrupção” e “Fora, Temer”.


El País, 01-08-2017.

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