sábado, 5 de agosto de 2017

Como se forma uma geração de covardes

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Triste ilusão a blindagem proporcionada pela falsa segurança do território da 'pseudo-isenção'.
No cenário amesquinhado de nosso país, deparamo-nos, infelizmente, com uma massa crescente de alienados individualistas. (Reprodução /  Poema de Augusto de Campos)
No cenário amesquinhado de nosso país, deparamo-nos, infelizmente, com uma massa crescente 
de alienados individualistas. (Reprodução /  Poema de Augusto de Campos)
Por Eleonora Santa Rosa*

O tema da covardia é complexo, multifacetado e sensível.

Como se sabe há vários modos e formas de sua manifestação, assim como de quem é assim considerado.

Vamos a algumas definições básicas:

Covardia ou cobardia é um vício que, convencionalmente, é visto como a corrupção da prudência, oposto a toda coragem ou bravura. É um comportamento que reflete falta de coragem; medo, timidez, poltronice; fraqueza de ânimo; pusilanimidade ou ainda ânimo traiçoeiro.
quem age com temor diante de alguém ou de algo; que ou quem não apresenta valentia.
designa quem não possui valentia ou coragem; temeroso ou medroso;
diz-se quem se comporta de maneira desonesta, traiçoeira ou pérfida; que ou quem é desleal ou traidor;
designa quem é tímido, fraco ou acanhado.
covarde, medroso, poltrão, temeroso.
Some-se a esse rol de acepções uma dimensão, às vezes não tão visível, que é a autocensura.  Silente, insidiosa, ceifadora da liberdade de manifestação e do pleno exercício de cidadania, é uma inibidora nata do debate de ideias e da defesa do contraditório. Nada mais letal à inteligência de um país, de um povo, do que o medo de pensar, de falar, de opinar, de se posicionar, de viver a vida: medo de ser o que se é, de ter opinião própria, sobretudo, pública.

Triste ilusão a blindagem proporcionada pela falsa segurança do território da ‘pseudo-isenção’, do equilíbrio forjado no receio da exposição, da ambiguidade calcada no autobenefício, do silêncio obsequioso da omissão em efeito cascata.

Para além de toda a tragédia que presenciamos mundialmente e que nos afeta de forma avassaladora (por exemplo, a covardia dos poderosos mandatários no trato da questão dos refugiados), o pior e bastante previsível, sobretudo em meio ao obscurantismo e às práticas vigentes de persecução e rejeição, é a formação de gerações de covardes, de acossados, de patéticos silenciosos cidadãos induzidos e formados para o sucesso acrítico, que se movem entre a alienação e a conivência, entre a indiferença e a cooptação e entre a presunção e a arrogância.

Mais que do nunca é imperioso arrefecer a epidemia de covardia que se apresenta pelos quatro cantos do mundo, em várias modulações e formatos.  A vacina para sua imunização necessita de vários elementos em seu composto: o exercício do livre arbítrio, a ampliação das conquistas democráticas, a promoção e a garantia do direito à liberdade de expressão, à discordância, ao dissenso e à contraposição, dentre outros. Torna-se também fundamental a prática cotidiana da lição basilar de acolhimento e respeito ao que nos é distinto em todos os sentidos: cultural, social, econômico e político.

No contexto mesquinho das ‘modernas’ nações, infelizmente, deparamo-nos com uma massa crescente de alienados individualistas, autocentrados, arredios à paisagem em escombros.

Nesse universo melancólico, podemos constatar as consequências do alastramento da covardia como princípio de conduta e da autocensura como escudo de proteção, impondo a seus partidários os grilhões de pensamentos e afetos, o aprisionamento comportamental, a passividade e a insensibilidade. Mistura implosiva, aditivada pelo medo trancafiado a sete chaves nas redomas de condomínios mentais e espirituais.

Para ajudar a combater esse estado de acomodamento do espírito e de adestramento da alma, chamemos a poesia, a poesia que instiga, a poesia que liberta, a poesia que desafina o coro dos contentes, a poesia que nada contracorrente, a poesia que não afina e nem desanima, a poesia da recusa, a poesia de risco, a poesia de Augusto de Campos, de seu livro Despoesia, de seu aviso preciso/precioso em um dos poemas de minha predileção: NÃO ME VENDO / NÃO SE VENDA / NÃO SE VENDE.

*Eleonora Santa Rosa é jornalista e produtora cultural.

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