quinta-feira, 27 de julho de 2017

Hora errada de pedir aumento

por Helio Gurovitz
Raquel Dodge

Raquel Dodge
 A nova procuradora-geral da República, Raquel Dodge (foto), escolheu um mau momento para pedir aumento salarial para o Ministério Público. Para conquistar a simpatia da categoria, ela incluiu na proposta de Orçamento do ano que vem um reajuste de 16,7%.

O impacto nas contas do MP é estimado em R$ 116 milhões, sobre gastos de R$ 3,84 bilhões (R$ 3,25 bilhões destinados apenas a salários e benfícios). É possível argumentar que os salários dos procuradores estão desafados. Mas a queda da inflação e o rombo fiscal do governo recomendariam mais prudência na reivindicação.

O caso dos procuradores é apenas um exemplo do descolamento entre a situação de quem trabalha no setor público e no setor privado. Empresas demitem, e o país atinge o recorde de quase 14 milhões de desempregados. Mas os gastos do governo federal com o funcionalismo cresceram 11,3% no primeiro semestre deste ano – ante um crescimento médio de 0,5% nas demais despesas.

As despesas da União com pessoal somarão R$ 284,4 bilhões em 2016, segundo a última estimativa do Ministério do Planejamento. Nas lista de gastos, só perdem para os pagamentos da Previdência Social. Também têm crescido consistentemente como proporção do PIB: estão em 4,2%, eram 3,8% em 2011.

A perspectiva para 2018 não está nada confortável. Para cumprir a meta fiscal (déficit de R$ 129 bilhões), o governo já fala em rever a previsão reajustes, que somariam outros R$ 22 bilhões à folha do funcionalismo já em janeiro. Ao mesmo tempo, a inflação cai, e a taxa de juros cede.

De acordo com um levantamento da economista Zeina Latif, o rendimento médio do setor público aumentou 9,4% ao ano entre 2003 e 2015 (9,3% para funcionários da União; 10,6% nos estados, e 10,15 nos municípios). No setor privado, o aumento anual médio foi de 8,3% ao ano – enquanto a inflação ficou em 6,3% anuais.

A diferença de 1,1 ponto percentual significa que, em 13 anos, um funcionário ganhou em média 15,3% a mais de aumento salarial no setor público que no privado. Nesse período, houve um crescimento de 30% no número de funcionários públicos da União, 10% dos estados e 67% dos municípios. A quantidade de funcionários públicos subiu de 3,9% para 4,8% da população brasileira. 

O Judiciário e o Ministério Público costumam ser os setores mais beneficiados pelo crescimento de pessoal e pelos reajustes. Um aumento para ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) ou procurador-geral acarreta um reajuste para todos os salários de juízes e procuradores que têm aquele valor como base. 

O salário inicial de um procurador já está em torno de R$ 28 mil. A proposta de Raquel Dodge aumentaria o salário dela e dos ministros do STF, o maior do funcionalismo, de R$ 33,7 mil para R$ 39 mil, gerando aumentos em série no Judiciário para manter a paridade legal. Sem falar nos adicionais e benefícios com que desembargadores contam país afora, que lhes permite estourar esse teto.

Ninguém discute a necessidade de remunerar bem juízes e procuradores, responsáveis por avanços inegáveis no combate à corrupção. Mas a gestão do funcionalismo está amarrada por leis que estabelecem privilégios como estabilidade, paridade, licenças-prêmio, auxílio-moradia ou aposentadoria integral. Diante disso tudo, um funcionário do setor privado é um cidadão de segunda classe.

Além da reforma trabalhista recém-aprovada e da reforma que estabilize as contas da Previdência, o Brasil precisa com urgência de uma reforma no funcionalismo público. É necessário acabar com a estabilidade onde ela não é necessária para a independência da função, além de estabelecer critérios razoáveis e meritocráticos para o tamanho da força de trabalho e para os reajustes.

Do contrário, o país continuará refém da pressão corporativa, que volta e meia procura garantir o melhor para um grupo pequeno à custa da maioria. Não há queda de juro nem aumento de imposto que resolva isso.

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