quinta-feira, 27 de julho de 2017

Freira que trabalha com mulheres transgênero obtém aprovação do Papa

domtotal.com
"Eu senti como uma pontada no peito quando Katy me disse: 'Quero uma cama limpa onde eu possa morrer'", relembrou a freira.
Irmã Monica Astorga com algumas das mulheres transgênero com quem ela trabalha.
Irmã Monica Astorga com algumas das mulheres transgênero com
 quem ela trabalha. (Irmã Mónica Astorga / Facebook).

Mesmo durante o verão, quando o papa Francisco fica um pouco mais reservado, ele estaria longe de ficar inativo para recarregar as baterias. Este ano, por exemplo, ele tomou o tempo para responder um e-mail da irmã Monica Astorga, freira carmelita descalça que trabalha com mulheres transgênero em sua Argentina natal, ajudando-as a sair da prostituição e do abuso de substâncias entorpecentes.

Astorga escreveu um e-mail para Francisco no dia 20 de julho, quinta-feira, para lhe atualizar sobre os progressos obtidos no exercício de seu ministério na província de Neuquen, no sul da Argentina. Não demorou muito para ouvir a resposta do Papa, que veio no dia seguinte, na sexta-feira.

Astorga escreveu ao papa para informá-lo que a cidade lhe havia dado uma porção de terras públicas, onde planejava construir 15 casas de um quarto para as mulheres transexuais com as quais ela trabalha.

"Eu trago você e o convento dentro do meu coração, bem como as pessoas com quem trabalha, pode lhes dizer isso", escreveu Francisco em sua mensagem.

O Papa e a freira se conhecem "antes de ele ser bispo", disse Astorga. Quando o cardeal Jorge Mario Bergoglio visitou o convento onde vive, em 2009, ela lhe contou o que estava fazendo.

"Naquele momento, ele me disse para não abandonar o trabalho de fronteira no qual o Senhor me colocou", disse Astorga ao site Crux via Skype no domingo.

Ela começou a trabalhar com mulheres transexuais quando foi convidada a falar com uma delas, Romina, que procurou o convento em 7 de julho de 2006.

"Eu a escutei por duas horas sem poder dizer uma palavra", disse ela.

"Convidei-a a procurar por outras que desejassem sair da prostituição e ela voltou cinco dias depois com mais quatro. Convidei-as a orar e depois pedi para que me contassem seus sonhos", disse Astorga, fazendo questão de usar o pronome feminino em espanhol para se referir a este grupo transgênero.

"Eu senti como uma pontada no peito quando Katy me disse: ‘Quero uma cama limpa onde eu possa morrer’", relembrou a freira.

Ela não conseguiu "ficar tranquila" pensando no que as mulheres transgênero passam quando vivem nas ruas, desde o abuso até o assassinato. "Eu sempre digo isso, que para acompanhá-las, temos de lhes escutar de coração".

Katy hoje tem sua própria loja de costura, disse Astorga, e foi a reuniões do AA por mais de quatro anos.

Desde esse primeiro encontro em 2006, cerca de 90 mulheres transgênero passaram pelo convento e Astorga não tem intenção de desacelerar, apesar das dificuldades que encontrou em seu ministério.

A maioria das pessoas que serve, diz Astorga, quer deixar a prostituição e construir uma vida melhor para si, mas não é fácil. Encontrar um emprego para elas é mais difícil do que o esperado, porque "as pessoas não querem ajudar quando descobrem que é para elas".

Depois de 11 anos, apenas dois meses atrás, a irmã conseguiu encontrar um emprego permanente para duas pessoas. Enquanto isso, ela recebeu uma casa onde algumas das mulheres transgênero vivem temporariamente, e agora está trabalhando na construção de uma casa para idosos gerenciada por mulheres transexuais, porque "têm uma sensibilidade especial, mas também a força necessária".

Outro desafio foi descobrir quem são alguns de seus clientes, muitos dos quais a Astorga conhece pessoalmente. Ela se recusa a revelar suas identidades porque teme pela vida das mulheres transexuais que ajuda.

A irmã também encontrou indiferença e até oposição, inclusive de algumas pessoas que vivem no bairro do lote que acabaram de receber. Quando 15 mulheres transgênero foram ocupar seu espaço na semana passada, elas precisaram de uma escolta policial para sair, depois que os vizinhos começaram a gritar com elas, dizendo que não eram bem-vindos.

Mas ela também encontrou apoio. De um lado, está o papa Francisco, que já lhe escreveu antes. Alguns anos atrás, ele lhe enviou outra nota, dizendo que "nos tempos de Jesus, os leprosos foram rejeitados. Elas são os leprosos de hoje. Não deixe o trabalho de fronteira que lhe foi dado".

Embora não há distinção do gênero nos substantivos em inglês, naquela época, Francisco usou o pronome feminino ao dizer que as pessoas transgênero são as leprosas de hoje. De volta a 2016, durante uma conferência de imprensa que voltou da Geórgia e do Azerbaijão, o papa falou sobre um homem transgênero que ele mesmo recebeu no Vaticano.

"Ele que era ela, mas é um ele", disse Francisco, referindo-se à pessoa trans que escreveu uma carta desde a Espanha.

"A vida é vida, as coisas devem ser aceitas como elas vierem. O pecado é pecado", disse o papa. "Tendências, desequilíbrio hormonal, têm e causam tantos problemas... devemos estar atentos. Para não dizer que é tudo o mesmo, mas em cada caso, seja acolhedor, acompanhe, estude, discirna e integre. Isto é o que Jesus faria hoje".

Antes de passar para a próxima pergunta, Francisco acrescentou: "Por favor, não diga que o papa santificará os trans [transgêneros], porque eu leio as manchetes nos jornais".

"Eu quero ser claro, este é um problema de moral. É um problema. É um problema humano que deve ser resolvido como pudermos, sempre com a misericórdia de Deus", disse ele.

Dentro da Igreja local, o bispo de Astorga, atualmente bispo Virginio Bressanelli e seu antecessor, o bispo Marcelo Melani, ambos apoiam seu trabalho com mulheres transgênero e foi um padre que primeiro lhe pediu para falar com Romina.

Durante sua conversa com Crux, Astorga sublinhou a fé que essas mulheres transgênero têm. Elas sempre me disseram que "sem acreditar em Deus, não sobreviveríamos. Todas as noites, antes de sair na rua, acendemos uma vela e pedimos a Deus que cuide de nós".

Para as mulheres que ela ajudou, esta freira católica é uma "irmã, mãe e amiga", mas seu ministério agora está crescendo além daqueles que a procuram no convento. Ela foi adicionada a vários grupos do Facebook em todo o mundo por mulheres transgênero em situações semelhantes.

Astorga tornou-se uma freira de clausura quando tinha 20 anos e, naquela época, há mais de 30 anos, sua principal preocupação eram aquelas pessoas da sua mesma idade que estavam bebendo ou consumindo drogas; então iria se dedicar à oração por elas.

Algum tempo depois, ela começou a trocar cartas e telefonemas com presos e a pastoral carcerária continua ocupando uma grande parte das suas atividades do dia-a-dia, embora ela raramente saia do convento.

No entanto, de acordo com sua própria necessidade e o conselho do papa, o centro de sua vida é ser uma irmã Carmelita: "Sem meus momentos de oração, sozinha e em comunidade, e momentos fraternos, eu não poderia acompanhar essas pessoas", ela disse.

Notas pessoais como a que o papa enviou para Astorga não param de sair da casa Santa Marta, onde Francisco vive. Outro exemplo é um menino italiano de nove anos que escreveu para Francisco depois de terem ido com cerca de 130 crianças em uma "Peregrinação da Alegria" ao Santuário Mariano de Loreto, na Itália.

O jovem, Andrea, enviou uma carta a Francisco em nome de todas as crianças que participaram da peregrinação, incluindo uma foto do grupo. Em sua mensagem, ele pediu a benção do papa para que "amanhã possamos ser tão bons quanto você" e estendeu um convite para que o papa se juntasse a eles no próximo ano para a peregrinação organizada pelo capítulo Roma-Lazio da União Nacional Italiana de Transporte do Doente a Lourdes e Santuários Internacionais (UNITALSI).

Em sua resposta, Francisco deixou a porta aberta: "Obrigado pelo convite que você me fez para fazer uma peregrinação com você. Estar com crianças é para mim a maior alegria. Um provérbio diz: ‘Nunca diga nunca’. Portanto, confiemos este sonho às mãos da Providência".

Ambas as cartas, a de Andrea e a do Papa, foram compartilhadas por vários jornais italianos.

"Somos mais de 130 crianças; muitas estão doentes, há quem esteja em cadeiras de rodas e outras estão indo sozinhas ou acompanhadas por algumas freiras”, disse Andrea em sua carta, na qual também escreveu que estão orando pelo papa diariamente.

Em sua resposta, Francisco agradeceu a Andrea pela carta e disse que era bom "ouvir sobre a aventura enriquecedora para crianças que você experimentou com UNITALSI durante a Peregrinação da Alegria para Loreto".

"Obrigado também pela foto do grupo que você me enviou, onde eu pude ver que há muitos de vocês, e vocês parecem tão bons. Enquanto eu olhava para cada rosto na fotografia, orava a Nossa Senhora de Loreto por vocês e os abençoei no meu coração, junto com seus pais, voluntários, sacerdotes e líderes da UNITALSI", escreveu Francisco.


Crux

Tradução: Ramón Lara

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