domingo, 25 de junho de 2017

O questionamento filosófico do cientificismo moderno e a necessidade de descortinar privilégios

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Na Modernidade criou-se a ilusão de que teríamos condições de experimentar diretamente a realidade como a mínima igualdade de oportunidades.
Somente no paradigma filosófico do iluminismo,  que o público passou a ser constituído por indivíduos livres e dotados de capacidade política.
Somente no paradigma filosófico do iluminismo,  que o público passou a ser constituído por indivíduos livres e dotados de capacidade política. (Reprodução)
Por Abraão Soares Gracco*

Se no mundo grego a liberdade era essencialmente pública e não se poderia cogitar a existência de direitos individuais, na Idade Média, o público era a garantia da ordem de privilégios estamentais. Assim, somente no paradigma filosófico do iluminismo,  que o público passou a ser constituído por indivíduos livres e dotados de capacidade política. Esse núcleo forma a ideia inicial de Direitos Fundamentais. 

Dadas as infinitas possibilidades de revisão e refutabilidade dos pontos de partida nas interpretações científicas dos privilégios nas diversas sociedades modernas, o racionalismo clássico que tinha a verdade como única e a razão como possuidora de características absolutas e desconectadas da cultura e da história humana, sobreviveu até mesmo às críticas antimetafísicas do positivismo clássico. 

Apegada ao caráter histórico e cultural, esta razão esteve em permanente processo de aprimoramento. No entanto, caiu na armadilha de considerar como paradigma a física newtoniana como a única forma de ver revelada a verdade científica como representação perfeita e acabada da adequação do ser humano à realidade. Assim, na Modernidade criou-se a ilusão de que teríamos condições de experimentar diretamente a realidade como a mínima igualdade de oportunidades, sem conseguir enxergar que as práticas cotidianas de outrora são permeadas de idealidades que, em muitos casos, reforçam privilégios sob o argumento de se tratar de direitos.

A crítica filosófica sobre a noção de técnica ou mesmo especializações, também, se coloca de imediato a falar da razão instrumental e da subjetividade desse passado de privilegios estamentais que luta para sobreviver no presente. Hoje, diante do progresso científico e o âmbito mundial das comunicações não há mais dúvidas de que a filosofia tem como tarefa a crítica à ciência, no entanto, ao promover tal reflexão sistemática, a Filosofia da Ciência passa a reformular conceitos próprios dela mesma. 

Assim, diferentemente da filosofia hegeliana que concebia o conhecimento do absoluto diante de uma autorepresentação completa, temos versões de fatos ou verdades parciais que podem permanecer como válidas à medida que leve em consideração os contextos de gramáticas de práticas sociais e adquiram uma outra perspectiva a partir do tensionamento com outros pontos de vista. 

Ainda no idealismo alemão, como também um dos precursores da hermenêutica contemporânea, Friedrich Daniel Ernst Schleiermacher rejeita a possibilidade de um saber absoluto como a dialética hegeliana. Pautado na dialética de Platão, Schleiermacher aponta um procedimento integrador de forma que todo ponto de vista é merecedor de reconhecimento, ao passo que o absolutamente errado seria absoluto não-ser, devendo ser determinado em sua especificidade, no sentido de que as oposições contingentes só possam desaparecer quando se chegar a um ponto de vista tido como superação do anterior, fruto da tensão e não mais uma síntese dialética que devemos deixar em companhia das atrocidades praticadas no século passado.

*Abraão Soares Gracco é advogado da União, mestre e doutor em Direito Constitucional. Também é professor e pesquisador da Dom Helder Escola de Direito.

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