sexta-feira, 12 de maio de 2017

A herança mais valiosa que recebi de meu pai

  Ricardo Sanches | Maio 10, 2017
© bikeriderlondon/SHUTTERSTOCK
E a que eu quero deixar para meu filho

Já faz 19 anos que meu pai morreu em um terrível acidente com seu caminhão pesadamente carregado com botijões de gás. Era um sujeito simples, trabalhador e alegre, que adorava fazer as pessoas rirem de suas piadas (algumas bem sem graça, é verdade!) . Eu só me lembro de tê-lo visto chorar uma vez na vida. Foi quando ele se despediu de mim, depois de me deixar na cidade em que eu cursaria a minha faculdade. Dali para frente, a imagem daquele olhar embargado pelas lágrimas transformou-se no gatilho da minha motivação diante das angústia e dificuldades .

Também era um sujeito de fé. Não frequentava a Missa, mas dizia o sinal da cruz e o Pai-Nosso inteiro em latim – língua obrigatória no colégio em que ele estudara até a antiga quarta série primária.

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Foi um devoto de Maria. Lembro-me de uma imagem de Nossa Senhora Aparecida fixada por um ímã no painel de ferro do seu caminhão , bem ao lado do volante. De tão antiga, ela tinha partes coladas com massa aderente, a famosa Durepoxi.

Uma devoção que todos os anos o levava para um passeio até o Santuário Nacional de Aparecida, onde ele rapidamente rezava, rendia graças e renovava sua fé na padroeira do Brasil. Tento seguir essa tradição com minha esposa e meu filho. Aliás, a última viagem até lá foi especial, já que paramos no  meio do caminho para visitar um amigo querido que há muito não via. Foi uma bênção!

Meu filho, de 8 anos, não conheceu o avô, e vive me perguntando coisas sobre ele. As fotos não são suficientes para satisfazer a curiosidade de um garoto nessa idade. Entre muitos questionamentos, ele quer saber como ele era fisicamente, como ele brincava com os netos, como era o caminhão dele, como foi a tragédia que o levou “para morar com Deus”. É inevitável: estas conversas sempre terminam em lágrimas (minhas e do meu pequeno).

Porém, dias atrás ele me fez uma pergunta diferente. Queria saber o que o “vô” Sanchinho dizia quando saía para viajar. Na hora, veio à minha mente a nítida imagem de meu pai sentando-se no banco coberto por um tecido felpudo azul escuro, fazendo o sinal da cruz, pedindo a proteção de Nossa Senhora Aparecida e dando partida em seu caminhão. Narrei o ritual para o meu filho,  tentando ensiná-lo a rogar pela proteção de Nossa Senhora também. Mas a reação dele me surpreendeu:

– “Pai, Nossa Senhora não protegeu meu´vô´, porque ele morreu! Ela não ajudou em nada, nada”, disse o garoto em tom de revolta.

Naquela hora, tentei discorrer um pouco sobre o sentido da morte e destaquei que, se Nossa Senhora não estivesse ao lado dele, tudo poderia ter sido pior.

Entretanto, essa conversa me fez recordar de um artigo publicado aqui mesmo na Aleteia. Em A oração escondida no fim da Ave-Maria, Elizabeth Zuranski destaca a importância do pedido que fazemos no fim da Ave-Maria: “rogai por nós, pecadores, agora e na hora de nossa morte”. Mais do que depressa, alertei meu filho sobre este pedido “escondido”, que passa despercebido até mesmo para os que mais acreditam. Disse-lhe que precisamos, sim, permitir que Nossa Senhora nos acompanhe, inclusive na hora de nossa morte. E que eu tinha certeza que ela acompanhou o meu pai na sua partida, não só por estar lá, representada na velha imagem remendada em seu caminhão, mas também abrindo os caminhos dele na sua chegada ao céu.

Não é fácil tratar destes assuntos com uma criança. Mas quando rezamos a Ave-Maria, no fim, ele sempre dá aquela olhada para mim, como se quisesse dizer: “entendi, mas não quero morrer e não quero que você morra”.

Essa devoção foi a herança mais valiosa que eu recebi de meu pai. E é a que eu quero deixar para meu filho. Aqui em casa, Nossa Senhora é o ímã que nos conecta a Deus, a nossa companheira de todas as horas, a nossa proteção nas nossas pequenas mortes diárias e – esperamos – o nosso alento na hora de nossa morte final. Amém.

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