quinta-feira, 13 de abril de 2017

Quinta-feira Santa e a Filantropia

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Se fossem somadas todas as obras de misericórdia que os cristãos, organizados em Igrejas ou em caráter particular, já realizaram nestes dois mil anos, seria conta estrondosa.
Se eu, o Senhor e Mestre, vos lavei os pés, também vós deveis lavar os pés uns dos outros.
Se eu, o Senhor e Mestre, vos lavei os pés, também vós deveis lavar os pés uns dos outros. (Santuário S. Judas (Sorocaba))
Por Dom Gil Antônio Moreira*

Uma das maiores pregações de Cristo foi um gesto, não propriamente um discurso. Após a última ceia com os Apóstolos, o Senhor depôs o manto, cingiu-se com uma tolha e lavou os pés dos discípulos, fazendo-se servo de todos. As poucas palavras ditas compõem um diálogo, não exatamente um sermão. Resume o centro da mensagem, ao dizer-lhes: “Entendeis o que vos fiz? Vós me chamais de Mestre e Senhor; e dizeis bem, porque eu sou. Se eu, o Senhor e Mestre, vos lavei os pés, também vós deveis lavar os pés uns dos outros” (Jo. 13, 12-14).

A ordem de servir vem sendo cumprida pelos seus discípulos durante toda a história do Cristianismo, ora de forma melhor, ora de forma insuficiente. A ação caritativa da Igreja marca a humanidade como selo de qualidade que se verifica nas obras beneficentes, muitas delas auxiliadas pelo poder público, que em geral, não consegue realizar tudo o que é necessário no campo social. São inúmeras as iniciativas cristãs, como instituições de ensino, cuidados com a proteção dos órfãos ou filhos de famílias carentes, com os moradores da rua, com os migrantes, com os doentes, entre os quais leprosos e vítimas do HIV, os débeis mentais, os mutilados de guerra, os prisioneiros e tantos outros em situação de vulnerabilidade, de pobreza, de carência extrema. Some-se a isto o que a Igreja tem feito no campo da proteção da natureza e investimentos na questão ecológica, pois disso também depende a vida.

Se fossem somadas todas as obras de misericórdia que os cristãos, organizados em Igrejas ou em caráter particular, já realizaram nestes dois mil anos, seria conta estrondosa. Alcançar tal cifra será, de fato, impossível, pois os cristãos, além de aprenderem com seu Mestre e Senhor a lição do serviço, assimilaram também outro ensinamento que foi o do escondimento: “que tua mão esquerda não saiba o que faz a direita” (Mt 6, 3).

A motivação para o serviço social não tem seu termo apenas na ajuda humanitária, mas se revela como verdadeira obra de santificação, pois o Mestre também lhes ensinou que tudo o que fizerem em favor dos mais pequeninos, é a Ele mesmo que estarão fazendo (Cf Mt 25, 40).

Naquela derradeira quinta-feira, véspera da suprema doação de Cristo no sacrifício da cruz, o Senhor ainda lhes ofertara a sua lei magna, resumo de todas as suas pregações e todas as suas obras: “Eu vos dou um novo mandamento: amai-vos uns aos outros como eu vos tenho amado. Nisto conhecerão todos que vós sois meus discípulos: se vos amardes uns aos outros” (Jo. 13, 34-35).

A Carta de São Tiago, escrita nos anos seguintes da ressurreição de Cristo, deixava claro para os seguidores do Messias a indispensabilidade das obras para a salvação, quando afirmou: “A fé sem as obras é morta” (Tg 2, 26).

Por estes princípios, em todos os países onde os cristãos são aceitos, os governos se beneficiam destes trabalhos sociais, às vezes tão difíceis, através das obras de caridade e, geralmente, criam leis que favorecem a filantropia, mesmo porque, se fossem realizar todo o necessário no referido campo não conseguiriam e se conseguissem, gastariam muito mais dinheiro que as contribuições que oferecem, em geral insuficientes, às entidades filantrópicas.

Tramitam no Congresso brasileiro projetos de leis que pretendem terminar com a parceria entre governo e entidades filantrópicas. Tais projetos se caracterizam pelo equívoco, quanto não pelo preconceito e pela injustiça. Com o apelido de “pilantropia” (apelidos são muitas vezes recursos da ausência de argumentos fortes), alguns deputados caem no erro de generalização do problema, pois se há entidades que de fato não precisam desta participação governamental, como certas obras particulares geradoras de lucros, a grande maioria das iniciativas assistenciais ou promocionais, as mantidas por organismos religiosos, mas também tantas outras que não têm este cunho, são dependentes deste recurso que vem dos impostos pagos pelo povo e sem tais recursos, não teriam como continuar a praticar o bem e salvar seres humanos da humilhação, da indigência e do sofrimento.

A Páscoa, festa da Luz que venceu as trevas, salve os pobres do Brasil, a fim que não sejam ainda mais marginalizados e destinados à exclusão social, se esta injusta lei fosse admitida em nosso País.



Boa Páscoa! 

ArqJF

*Dom Gil Antônio Moreira é arcebispo metropolitano de Juiz de Fora.

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