domingo, 23 de abril de 2017

"Paterson", de Jim Jarmusch, equilibra humor e poesia

 domtotal.com
Paterson é um fino observador do mundo à sua volta.
Cena do filme
Cena do filme "Paterson". (Divulgação)

“Paterson”, novo filme do norte-americano Jim Jarmusch, concorreu à Palma de Ouro em Cannes 2016 com uma nota densa de sutileza e literal poesia – já que é esse o tema que impregna tudo em torno de Paterson, o protagonista interpretado com calor intimista por Adam Driver.

Motorista de ônibus que compartilha o nome da cidade em que nasceu e onde vive, em Nova Jersey, Paterson é um fino observador do mundo à sua volta – só que, ao contrário dos anjos de Wim Wenders em “Asas do Desejo”, não é invisível (embora ninguém à sua volta pareça notá-lo). Ele escreve poemas num caderno, em que anota pensamentos e especula em torno das mínimas coisas de seu cotidiano. Uma simples caixa de fósforos, por exemplo.

Seu mundo parece estreito: as ruas da pequena Paterson, uma casinha modesta e rosada, que compartilha com a mulher Laura (Goshifteh Farahani) e um cachorro, Marvin (que é um personagem com função na história e, sem ironia, ótimo intérprete).

O filme é conduzido com rigor, retratando um cotidiano que se repete, aparentemente sem mudanças. Todo dia Paterson faz tudo igual, Laura nem tanto – mas as variações dela guardam uma certa afinidade interna, já que ela é obcecada por atividades artísticas e culinárias em torno de padrões em preto-e-branco.

Por conta dessas atividades de Laura, cada chegada de Paterson em casa é recebida com uma surpresa – nunca se sabe o que essa mulher inventou hoje e essa é a forma como ela enfrenta a rotina e as limitações que não são mencionadas explicitamente, mas estão ali: Laura é estrangeira e certamente não tem maiores facilidades para se empregar, ainda mais neste ambiente interiorano.

A repetição dos mesmos rituais cotidianos permite aos poucos enxergar as brechas onde se insinua a grandeza da vida, por mais simples que pareça. A própria história da cidade de Paterson, afinal, não é tão insignificante, já que ali nasceram ou viveram poetas e atores, como William Carlos Williams, Allen Ginsberg e Lou Costello (da dupla Abbott & Costello), entre muitos outros. Um mural no bar, frequentado por Paterson toda noite, guarda as pegadas dessas célebres passagens pela cidade.

Habilmente, Jarmusch provoca nossas expectativas viciadas como espectadores. Cria pistas que levam a temer grandes tragédias e violência. Sugere aventuras (ou tragédias?) passadas, como ao mostrar o retrato do protagonista numa farda militar, na cabeceira, mas não vai além. E aí, também, nos lembra de que tantos outros caminhos se sucedem diariamente, ao largo dessa espetaculosidade enganosa que o próprio cinema, em geral, estimula. E aí está o grande prazer de descobrir este filme sutilmente grandioso, apoiado na beleza dos poemas do autor Ron Padgett.

Clique aqui, confira o trailer e onde o filme está em cartaz na Agenda Cultural


Reuters

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