quinta-feira, 27 de abril de 2017

Como deter um sistema que suprime direitos e aniquila os pobres?

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Há mais de 6 mil famílias instaladas em áreas de conflitos no Mato Grosso, sofrendo agressões constantes de ruralistas com sangue nos olhos e o deus dinheiro no coração.
Caminhão transporta os caixões com os corpos das vítimas da chacina.
Caminhão transporta os caixões com os corpos das vítimas da chacina. (Divulgação/Polícia Civil MT)
Por Élio Gasda*

Como calcular tamanha barbárie? A essência devastadora do capitalismo liberal serve-se de jagunços. Assassinar ativistas sociais, trabalhadores, indígenas, ribeirinhos e sindicalistas tornou-se banal. Os matadores têm sua impunidade resguardada, enquanto a perseguição às comunidades indígenas e camponesas que defendem a terra se estende por todo o Brasil. Só em 2017 ocorreram 19 assassinatos em conflitos agrários (Comissão Pastoral da Terra). Entre as causas está a concentração da terra, ligada à devastação do meio ambiente e à consolidação de uma oligarquia latifundiária baseada no agronegócio voltada à exportação. Fortalecidos pelo atual governo, ilegítimo e corrupto, ruralistas avarentos enriquecem derramando sangue inocente. Potencializada por uma justiça conivente, a onda de violência faz parte do avanço do capitalismo sobre os recursos naturais, ampliando a desigualdade. As consequências para o povo são terríveis.

Faroeste caboclo! Na semana em que o massacre de Eldorado dos Carajás (17/04/1997), que vitimou 19 trabalhadores rurais, completou 20 anos, nove agricultores foram fuzilados e mutilados com golpes de facão na Gleba Taquaruçu do Norte, a 1.062 km de Cuiabá, município de Colniza (MT). Os assassinos entraram de barraco em barraco matando pessoas. Em 2007, ao menos 10 trabalhadores foram vítimas de tortura e cárcere privado e três foram mortos na mesma região. O município já esteve na lista dos mais violentos do país. Em 1986 concentrava três garimpos de ouro, com a chegada de fazendeiros e madeireiros, foi incluído no cinturão de desmatamento chamado “arco de fogo”. Hoje, Colniza é um dos municípios campeões de desmatamento.

Há mais de 6 mil famílias instaladas em áreas de conflitos no Mato Grosso, sofrendo agressões constantes de ruralistas com sangue nos olhos e o deus dinheiro no coração. Dispostos a tudo para satisfazer sua avareza. Mas o massacre de Colniza também pode ser computado na conta do golpe político contra a democracia. Os rápidos avanços na retirada de direitos sociais denunciam um governo em guerra contra os pobres. Não são poucos os políticos que desenvolvem o discurso de ódio e incitação à violência. A estrutura política, econômica e jurídica do país está a serviço da minoria avarenta e cruel. Há uma violência institucionalizada, um sistema social construído e consolidado sobre a morte do pobre para que uma elite desfrute a riqueza. Esta situação tem antecedentes nas estruturas e mecanismos construídos historicamente. A relação entre o poder e a propriedade da terra se consolidou ao longo da formação do Brasil. Basta lembrar as Capitanias Hereditárias e o sistema das Sesmarias que concedia terras brasileiras aos amigos do rei. Até os dias de hoje, a estrutura social produz sofrimento, perversidade e morte. O abismo entre ricos e pobres se aprofunda.

Nada é feito para impedir novas tragédias. Um sistema diabólico, no qual o pecado imprime sua marca de destruição. No Documento de Puebla, os bispos da América Latina escreveram: “São muitas as causas desta situação de injustiça, porém na raiz de todas elas se encontra o pecado, tanto em seu aspecto pessoal como nas próprias estruturas” (Puebla, n.1258). João Paulo II afirmou que sistemas alicerçados no pecado são originados e consolidados em atitudes opostas ao bem comum e à justiça, das quais, duas são as mais importantes: a obsessão pelo acúmulo de riqueza e o desejo insaciável pelo poder. Decisões aparentemente inspiradas pela economia ocultam formas de idolatria. O sistema dominado pela perversidade de seus governantes é um obstáculo à realização da vontade de Deus. O enriquecimento e o poder são buscados a qualquer preço (Sollicitudo rei socialis nn.36.37). Não surpreende que Executivo, Legislativo e Judiciário sejam movidos a dinheiro e trabalhem unidos no proposito de destruir direitos sociais. Algozes.

A concentração de riqueza agrava a desigualdade e gera violência. Com as terras que estão em nome dos maiores devedores do Estado seria possível atender 120 mil famílias acampadas. Mas a perversidade do sistema e seus algozes o fazem funcionar contra os pobres. Milhões de brasileiros estão condenados a viver como ninguéns, apagados da história. Quanto vale a vida dos ninguéns deste país? “Os ninguéns: os filhos de ninguém e donos de nada; os nenhuns morrendo a vida, fodidos e mal pagos: que não são embora sejam. Que não são seres humanos, são recursos humanos. Os ninguéns, que custam menos do que a bala que os mata”. (Eduardo Galeano). A cada ser humano tombado, nenhum minuto de silêncio, mas toda uma vida de luta (MST): Izaul, Ezequias, Samuel, Francisco, Aldo, Edson, Valmir, Sebastião, Fábio... Quem vai deter a violência contra os pobres?

*Élio Gasda: Doutor em Teologia, professor e pesquisador na FAJE. Autor de: Trabalho e capitalismo global: atualidade da Doutrina social da Igreja (Paulinas, 2001); Cristianismo e economia (Paulinas, 2016).

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