quarta-feira, 12 de abril de 2017

A morte de Jesus não foi um ‘sacrifício religioso’

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A morte de Jesus foi a morte de um rebelde político.
Jesus veio questionar a realidade em que vivemos.
Jesus veio questionar a realidade em que vivemos. (Reprodução)
Por José Maria Castillo

Uma das coisas que fica mais clara, nos relatos da paixão do Senhor, que a Igreja nos lembra nestes dias de Semana Santa, é o medo que o evangelho causa. Sim, a vida de Jesus nos dá medo.

Porque, no final das contas, o que não admite dúvida alguma é que aquela forma de viver – se o evangelho for verdadeiramente a lembrança do que aí aconteceu – levou Jesus a terminar seus dias tendo de aceitar o destino mais repugnante que uma sociedade pode adjudicar: o destino de um criminoso executado (G. Theissen).

A morte de Jesus não foi um “sacrifício religioso”, foi muito mais. Podemos assegurar que a morte de Jesus, como está descrita nos evangelhos, foi o mais oposto ao que naquela cultura podia se entender como “sacrifício sagrado”. Todo sacrifício religioso, naquele tempo, devia cumprir duas condições: tinha que ser realizado no templo (no sagrado) e tinha que ser feito cumprindo as normas de um ritual religioso. Nenhuma destas duas condições se deu na morte de Jesus.

Mais ainda, Jesus foi crucificado, não entre dois “criminosos”, senão entre dois Iestaí, uma palavra grega que sabemos era utilizada para designar, não só aos “bandidos” (Mc 11,17; Jo 28,40), senão também aos “rebeldes políticos” (Mc 15,27), como adverte F. Josefo (H. W. Kuhn; X. Alegre). Por isso, compreende-se que, na sua hora final e decisiva, Jesus se viu traído e abandonado por todos: o povo, os discípulos, os apóstolos... Religiosos naquele momento foram os sentimentos do próprio Jesus. E sabemos que seu sentimento mais forte foi a consciência de se ver abandonado inclusive por Deus (Mt 27,46; Mc 15,34). A vida de Jesus aconteceu de forma que acabou só, desamparado e abandonado.

O que nos diz tudo isso? A Semana Santa vem nos dizer, nos textos bíblicos destes dias, que Jesus veio questionar a realidade em que vivemos. A realidade violenta, cruel, na que se impõe a “lei do mais forte” perante a “lei dos mais débeis”.

Sabemos que Paulo de Tarso interpretou o relato mítico do pecado de Adão como origem e explicação da morte de Jesus, para nos redimir dos nossos pecados (Rm 5, 12-14; 2Cor 12-14). É a interpretação da que se valem os pregadores, centrando nossa atenção na salvação do céu. Isto é bom. Porém, tem o perigo de desviar nossa atenção da realidade trágica que estamos vivendo. A realidade da violência que sofrem os “ninguém”, a corrupção dos que mandam e, sobretudo, o silêncio de quem sabe estas coisas e calam para não perder seu poder, sua dignidade e seus privilégios.

A beleza, o fervor, a devoção das nossas liturgias sagradas e das nossas confrarias nos lembram a paixão do Senhor. Contudo, interpela-nos sobre a duríssima realidade que estão vivendo milhões de seres humanos? Lembra-nos a vida que levou Jesus até o fracasso? Ou nos distrai com devoções estéticas e tradições que utilizam a “memoria passionis”, a lembrança perigosa de Jesus, para ficar sossegados e com a consciência tranquila? 

Religión Digital
Tradução: Ramón Lara Mogollón (ramoneduardolara@gmail.com).

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