domingo, 9 de abril de 2017

A fé, a crença e o acreditar

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'Alguns dizem ter fé, outros dizem crer e outros mais afirmam acreditar nela'.
'Será que todos os que comemoram a Ressurreição, o fazem autenticamente?'
'Será que todos os que comemoram a Ressurreição, o fazem autenticamente?' (Reprodução)
Por Evaldo D´Assumpção

Na semana que estamos começando, celebra-se, no mundo inteiro, a festa mais importante do cristianismo. Com certeza não é a paixão e morte de Jesus Cristo, que sem dúvida é uma celebração importantíssima, mas que seria totalmente sem sentido se não houvesse a Páscoa, comemorando-se a Ressurreição de Cristo. Esta sim, a mais importante, por ser a razão única de nossa fé.  Afinal, como afirmou S. Paulo no capítulo 15 de sua primeira carta aos Coríntios, “Se Cristo não ressuscitou, vã é a nossa pregação e também vã a nossa fé”.

Mas entre tantas coisas que nos despertam esta festa, uma surgiu em minhas meditações: será que todos os que comemoram a Ressurreição, o fazem autenticamente? Alguns dizem ter fé, outros dizem crer e outros mais afirmam acreditar nela. Três palavras que usamos com frequência, mas talvez sem perceber as sutis diferenças entre elas.

Comecemos pelo final, o ACREDITAR. Quem acredita, o faz porque está racionalmente convicto daquilo, ou em quem acredita. Esse é um processo evolutivo, pois ninguém nasce acreditando. O acreditar vem das muitas experiências tidas em torno do que se vai acreditar, seja por vivência, proximidade, leituras, estudos, ensinamentos, reflexões. Acreditamos numa pessoa, em coisas, conceitos, filosofias, religiões, etc., porque nos transmitem confiança, não nos decepcionam, nem nos proporcionam razões para desacreditar delas.  Aprendemos sobre, e com elas; convivemos com elas; e à medida em que nos aprofundamos nisso, decidimos acreditar, continuar acreditando, ou desacreditar de tudo.

Todavia, o acreditar exige um certo grau de desconfiança, a que chamamos de prudência. Por isso, o acreditar não tem durabilidade garantida, pois precisamos ter sempre reforços para nossa posição. Se fatos ocorrem que desmentem aquilo ou aquele em que acreditávamos, nos decepcionamos, e quase sempre deixamos de acreditar. Digo “quase sempre” porque algumas pessoas, por razões diversas e até absurdas, mesmo diante da evidência de logro, de mentiras, continuam acreditando. E isso acontece, com frequência, na política, na religião, nos relacionamentos e no futebol... Por ingenuidade, ignorância ou até por esperteza oportunista.

Passando para a CRENÇA, descobrimos nela uma convicção profunda, nem sempre fruto de reflexões intelectuais, de trabalhos investigativos, de um embasamento sólido. Daí outra expressão que nasce dela: crendice. Existe em diversos campos, mas normalmente está ligada a religiões, para as quais a aderência veio de fatos aparentemente extraordinários, e para os quais não se procurou qualquer explicação natural. Quase sempre está ligada ao carisma de uma pessoa que consegue ocultar, com sua dialética, sua oratória convincente, seu histrionismo bem elaborado, as mentiras que se escondem em seu interior. Utiliza-se, com frequência, a palavra “crente” para definir essas pessoas. Outra característica de grande risco para esses crentes, é a sua enorme sugestionabilidade, que favorece a ocorrência, com elas, de acontecimentos extraordinários como os que já vimos muitas vezes em sessões públicas de hipnotismo. Eu mesmo, nos meus tempos de estudante de medicina trabalhei com a hipnose e consegui eliminar alguns tumores cutâneos, provocar queimaduras do 2º grau com o simples toque da minha mão, produzir estados de enrijecimento muscular (catalepsia) de tal intensidade que ninguém conseguia dobrar o braço da pessoa em transe hipnótico. Tudo por mera sugestão em pessoas mais susceptíveis. Imaginem o que não pode ser feito através desses fenômenos, em ambientes propícios...

Para esses crentes, bem mais do que para os que simplesmente acreditam, as decepções, as contradições, os escândalos nas comunidades da qual participam, a corrupção dos políticos de seus partidos, nada abala a sua crença, e para tudo eles encontram justificativas, as mais insanas possíveis, demonstrando a irracionalidade e inadequabilidade de sua postura.

Chegamos à FÉ, que pode ser precariamente definida como a confiança absoluta em algo ou alguém. Digo precariamente, porque é uma definição frágil e incompleta, para uma coisa que não é capaz de ser contida nos estreitos limites de palavras, de ideias, de construções mentais, por mais bem elaboradas que sejam.

Já se disse que fé é acreditar em algo ou alguém, sem qualquer explicação ou justificativa para esse acreditar. É o que leva a uma criança a saltar de um muro para os braços do pai, tendo recusado a fazê-lo para os braços de um bem treinado bombeiro que tentava salvá-lo.

Ter fé transcende ao intelectual, ao filosófico, ao lógico, sem contudo enveredar-se para o mágico, para a crendice, para o ilusório. Como se vê, não há palavras para bem definir a fé.

Nesse tempo em que se celebra a Páscoa, a Ressurreição de Jesus, encontraremos muitos que nela acreditam ou que desacreditam, porém em função exclusiva de lucubrações mentais, de leituras, de estudos e exercícios intelectuais. Encontraremos os que creem porque ouviram alguém dizer, escutaram sobre milagres e coisas excepcionais, e outros porque precisam de crer em alguma coisa para sobreviver.

Mas encontraremos aqueles que têm a fé sólida, autêntica e gratuita. Essa fé inexplicável, que aumenta quotidianamente pela humildade de se acreditar criatura e não Criador; pela oração constante; pela confiança irrestrita no Pai de Misericórdia. Esses certamente viverão, intensamente, a alegria desta certeza: Cristo, que morreu por nós, não está morto: Ressuscitou!


*Evaldo D´Assumpção é médico e escritor

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