terça-feira, 25 de abril de 2017

A eleição francesa é uma novela

domtotal.com
Nem a imaginação febril de Feydeau poderia criar uma comédia de erros tão amalucada.
Emmanuel Macron, o candidato galã francês.
Emmanuel Macron, o candidato galã francês. (Reprodução)
Por Alexis Parrot*

Um protagonista galã, vários antagonistas, uma vilã, uma história de amor inusitada, reviravoltas a cada novo capítulo. Traições, denúncias, conchavos e mentiras. Tudo em nome de uma disputa desesperada pelo poder.    

Poderia ser a sinopse da próxima novela das nove mas é o noticiário político da França e de um pleito presidencial ímpar que se encaminha agora para o segundo turno. Um roteiro  digno de uma das melhores tramas de Aguinaldo Silva, João Emanuel Carneiro ou Gilberto Braga.

Nem a imaginação febril de Feydeau poderia criar uma comédia de erros tão amalucada como o processo eleitoral que escolherá o novo ocupante do Palácio do Eliseu.

A primeira fase dessa novela - como todo folhetim das nove que se preze, os primeiros capítulos sempre apresentam uma "primeira fase", ocorrida no passado; há vinte, trinta anos ou 15 dias atrás, não importa. Já virou uma obrigação - teve início em 2010, com a eleição do atual presidente, François Hollande. Um burocrata do partido socialista, homem sem brilho, sem pulso e sem apetite nenhum pelo cargo ou pela política. Foi alçado ao poder apenas porque concorreu com um desgastado Sarkozy que desejava, teimosamente, reeleger-se.

Foi um presidente fantasma, responsável por um vácuo político de sete anos, recheado de atentados terroristas e assassinatos covardes (Charlie Hebdo, Bataclan, Nice e a recentíssima investida na Champ-Elysées ...). A cada nova investida do terror, Hollande parecia apenas querer sentar e chorar. Um zero à esquerda, incapaz de lidar com um mundo cada vez mais complexo e violento. Um anti-líder, uma espécie de coronel Arthur da Tapitanga - mais interessado em gozar da companhia de suas rolinhas do que cuidar dos assuntos da prefeitura de Santana do Agreste, em Tieta.

Algo inédito na história da Quinta República, Hollande torna-se o primeiro presidente francês a não tentar a reeleição para um segundo mandato. Estabelece-se, então - como na novela de Lauro Cesar Muniz - uma Corrida do Ouro! Todo mundo queria ser candidato! Às vésperas do primeiro turno, quatro postulantes estavam embolados na famosa "margem de erro" das pesquisas eleitorais e qualquer um deles poderia acabar abocanhando o direito de estar presente no segundo turno.

Apenas com a abertura das urnas, pudemos descobrir quem seriam Os Gigantes a continuar no páreo. Em primeiro lugar emergiu o fenômeno Emmanuel Macron, o protagonista galã banqueiro e, perigosamente parecido demais com o perfil do prefeito dublê de trabalhador Doria (anti-político de fachada, rico e liberal). Como o alcaide paulistano quando de sua eleição, a grande vantagem que possui sobre todos os outros candidatos é também seu maior defeito: trata-se de uma incógnita.

Pode-se compará-lo ao Jean-Pierre de Edson Celulari em Que Rei sou Eu? - jovem (tem apenas 39 anos), vibrante e uma promessa de quebra da política tradicional (representante que é do recém-criado partido Em Marcha!, após romper com o PS e trair seu antigo mentor, o ex-primeiro ministro Manuel Valls). Fez uma campanha sem plano de governo até menos de um mês do dia da votação; não acha que esquerda e direita sejam termos que ainda valem para os dias de hoje, prefere dividir o mundo entre conservadores e progressistas - e bem sabemos que os defensores dessa opinião estão sempre à direita do espectro ideológico.

Há o temor que acabe se tornando uma nova versão do Mundinho Falcão de José Wilker em Gabriela; aquele que se dizia novo para acabar encarnando as mesmíssimas práticas do velho assim que chegasse ao poder.

A segunda vaga ficou para a vilã do enredo, Marine - a filha herdeira do "coronel" da ultra-direita francesa, Jean-Marie Le Pen - radical, islamofóbica, homofóbica e xenófoba, quer expulsar imigrantes e negar asilo a refugiados; é a favor da criminalização do aborto, deseja revisar a lei da união civil gay e defende a volta da pena de morte. Arvora-se de Senhora do Destino do país mas não passa de uma perigosa Odete Roitman. Ou uma Carminha - trocando em miúdos a Avenida Brasil pela Champs-Elysées.    

E para provar que é mesmo uma eleição sui generis, ambos os candidatos destoam da classe política e presidentes franceses no que diz respeito a hábitos sexuais e familiares. Ao contrário de seus antecessores, como o grande Miterrand (que tinha duas famílias), ou até mesmo o apagado Hollande - que escapava incógnito do Eliseu para ir dormir na casa da amante, já separado, porém, não divorciado oficialmente da primeira-dama - Le Pen e Macron são bem casados e sem pendores para acrobacias extra-conjugais.

Macron, é, nesse caso, protagonista de uma história de amor que poderia ter sido escrita por Janete Clair. Apaixonou-se na adolescência pela professora de teatro da escola jesuíta que cursava. Vinte e cinco anos mais novo que ela, declarou-se à época e disse que ainda se casariam. Com persistência e dedicação, cumpriu a promessa de campanha amorosa e atingiu seu objetivo em 2009 quando, de fato, Brigitte Trogneaux pediu o divórcio para casar-se com o ex-aluno. Deve tornar-se em 7 de maio a próxima primeira-dama francesa.

E seremos, mais uma vez, testemunhas de uma nova novela. Dessa vez, um folhetim de mistério, como os dos bons tempos de Silvio de Abreu - do primeiro ao último capítulo, tudo pode acontecer.

*Alexis Parrot é diretor de TV e jornalista. Escreve sobre televisão às terças-feiras para o DOM TOTAL.

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