sexta-feira, 10 de março de 2017

Vândalos e agressores

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Vândalos e agressores têm muita coisa em comum além de estarem soltos pelas ruas.
Retrato fiel do vandalismo em sua mais odiosa versão e da falta de educação de nosso povo.
Retrato fiel do vandalismo em sua mais odiosa versão e da falta de educação de nosso povo. (Fernando Fabbrini)

Por Fernando Fabbrini*

Quem anda de ônibus em Belo Horizonte, como eu, já percebeu a mudança nos pontos de parada. Antes, uma simples plaquinha informava os números das linhas. Depois, alguns pontos ganharam luminosos com o tempo de demora e de aproximação dos ônibus. Nem sempre eram 100% afinados, mas já foi um avanço. (Nas paradas de trens e metrôs da Alemanha chega a ser irritante a precisão. Aparece lá: “Trem número tal – Chegada: 10:27”. Pode confiar na fração. Rigorosamente às 10 horas e 27 minutos o referido encosta na plataforma. Dá raiva).

Agora, estão melhorando ainda mais os pontos de ônibus de BH. Ganharam anteparos e cobertas de aço inox; bancos também de aço, indicadores luminosos. Muito legais. E nem bem ficaram prontos, já vi no que vai dar.

A propaganda no painel, tipo um totem, exorta os chamados usuários a respeitarem e cuidarem do que é deles – referindo-se, naturalmente, aos novos pontos reformados. Hoje, assisti de longe a uma cena assustadora. Um usuário ou simples transeunte – rapaz aí na faixa da adolescência – coberto de grifes, bonés, correntes e trejeitos, além de acompanhado de mais dois da turma – meteu o pé no vidro da propaganda, que explodiu. Saíram rindo, calmamente, achando-se fantásticos e poderosos com aquela diversão. A propaganda continua lá, falando de cuidado e respeito – porém, estilhaçada. Fotografei. Muito simbólico. É o retrato fiel do vandalismo em sua mais odiosa versão e da falta de educação de nosso povo.

Anteontem comemorou-se o Dia Internacional da Mulher. Desnecessário e piegas relembrar aqui o papel da mulher na nossa sociedade. Qualquer indivíduo minimamente esclarecido já deve ter este conceito muito bem implantado na sua cabeça e nas atitudes do dia a dia. Além das injustiças de ordem prática que elas sofrem – como salários desiguais, jornadas de trabalho abusivas e outras – a grande revolta ainda é contra o assédio e a violência. É neste aspecto que milhares de meninas, adolescentes, adultas e até idosas vêm padecendo de verdade.

Assustam-me notícias cada dia mais frequentes de homens humilhando, perseguindo, agredindo e assassinando suas ex-mulheres, ex-companheiras, ex-namoradas. Os crimes parecem meras repetições do mesmo modelo; os textos das notícias sempre terminam com uma revoltante informação: “... o agressor, fulano de tal, não se conformava com a separação do casal.”

Ora: nenhuma mulher se afasta de uma relação onde é feliz, onde realiza seus sonhos, seus projetos de vida; onde é respeitada e conta com o amor e a cumplicidade do homem. Se está dando adeus, tem lá suas razões. E ninguém pode impedi-la. Muito menos segurar suas asas, atá-la com ciúmes, sentir-se dono e senhor. Amor, quando acaba, acaba mesmo. É a vida.

Outro dia conversava com uma amiga, vítima frequente de grosserias verbais da parte de desconhecidos. É uma mulher alta, bonita e sensual – beleza natural, sem afetação – e isso deve despertar a loucura nas cabeças masculinas de baixo nível. Não é a única a sofrer deste mal; o assédio (ou agressão...) verbal é comum em nossas cidades.

Na conversa, ocorreu-me uma ideia: o sujeito que diz grosserias a uma mulher mostra muito mais que sua estupidez. Imagino que a pessoa atraente – entendam atraente no seu sentido mais livre, amplo e democrático - desperte inicialmente um sentimento comum a todos os homens:

- Que beleza!

No entanto, tal sentimento é seguido imediatamente de outro: a consciência da própria pequenez e mediocridade. Lá no fundo de sua alma miserável ele deve se sentir feio, burro, impotente, desqualificado em todos os aspectos. A visão de alguma coisa muito acima de seus parâmetros é aterradora, humilhante. Então... Só resta ao idiota manifestar-se agredindo. Sabe que jamais poderá se aproximar dela, ser bem recebido, gentil, elegante, ou, até quem sabe, um amigo, namorado, algo assim.

Vândalos e agressores têm muita coisa em comum além de estarem soltos pelas ruas. São incapazes de conviverem, admirarem e aceitarem a harmonia, a graça, a beleza pura e simples. São feios por dentro. Por esta razão, querem moldar à força um mundo à sua deprimente semelhança. 

*Fernando Fabbrini é roteirista, cronista e escritor, com quatro livros publicados. Participa de coletâneas literárias no Brasil e na Itália e publica suas crônicas também às quintas-feiras no jornal O TEMPO.

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