quinta-feira, 16 de março de 2017

A Cruz sob a Cortina de Ferro

2017-03-15 Rádio Vaticana

Cidade do Vaticano (RV) - A vida dos cristãos por detrás da Cortina de Ferro, até a queda do Muro de Berlim, em 1989, é o tema de um ensaio publicado no jornal "La Stampa" nos dias passados intitulado "Morrer pela cruz na Europa comunista".

De fato, uma detalhada narrativa revela as "dificuldades" vividas pelos cristãos sob os regimes ditatoriais comunistas do Leste Europeu no século XX, capitaneados pela União Soviética.

O risco de ser padre

"Poderia ter sido ele a celebrar o funeral de sua mãe, em 1986. O detalhe é que ninguém, nem mesmo a sua mãe, sabia que Tomáš Halík era padre. Foi um sacerdote "clandestino", também dentro da própria casa. Na Tchecoslováquia, de fato, nem mesmo aos pais se revelava ter sido ordenado sacerdote, se mantinha  o segredo: era uma "regra" a ser respeitada escrupulosamente em um país comunista, pois o risco de que a notícia se espalhasse era grande. E quem fosse descoberto, corria o risco de pegar dois anos de prisão, com base na lei sobre "crimes de sabotagem do controle estatal sobre Igrejas e associações religiosas".

Assim foi com Tomáš Halík, tcheco, nascido em 1948,  sacerdote da Arquidiocese de Praga, além de professor de Filosofia da Universidade da capital, depois de ter sido em 1989 professor visitante da Universidade de Oxford, Cambridge e Harvard. A sua história figura entre aquelas narradas no livro "Testemunhos de fé. Experiências pessoais e coletivas dos católicos na Europa centro-oriental sob o regime comunista", de Jan Mikrut (Gabrielli Editore).

Esta obra monumental, de 1248 páginas, narra o heroísmo de muitos fiéis, não sendo, no entanto, uma coletânea de biografias, mas sim dos vários "métodos e formas de perseguições" - explica o curador – usados nestes países onde o objetivo era destruir a religiosidade.

Da "pena" dos cinquenta autores, emerge um quadro em grande parte inédito, em que se somam e entrecruzam as histórias de bispos, sacerdotes, religiosos, mas também leigos "do bloco soviético, comprometidos na defesa de sua fé e das estruturas da Igreja".

Muitas das pessoas das quais se fala, tiveram que pagar um alto preço pelas suas convicções religiosas: foram presas, encarceradas, torturadas, internadas em campos de trabalhos forçados, obrigadas a viver condições sub-humanas.

Assim conta Kalík, ordenado padre em 1978, não em sua pátria, mas em Erfurt, Alemanha do Leste: "Era sábado, 21 de outubro de 1978. Pouco depois das cinco da tarde, fui ordenado pelo Bispo Hugo Aufderbeck, na capela privada de sua moradia, ao lado do Duomo".

Ele foi levado até a casa do Prelado "no banco traseiro de um carro, coberto por uma manta", pois, "mesmo que a Igreja na República Democrática Alemã (RDR) tivesse mais liberdade, não havia a segurança de que a entrada da residência do bispo não estivesse sendo vigiada por alguma câmara da polícia secreta".

Halík então, deu-se conta de "ser realmente o primeiro sacerdote do Leste ordenado sob o Pontificado do primeiro Papa do Leste, Wojtyla", eleito cinco dias antes.

Mas logo começam para ele os interrogatórios, em particular sobre suas relações com os "dissidentes do ambiente cultual, dos círculos filosóficos e do samizdat (a difusão de obras literárias fora da editoria oficial, ndr) católico".

Os policiais "ameaçavam-me duramente - revela - e logo depois me adulavam, fazendo-me a promessa de que eu poderia ensinar na universidade e viajar ao exterior, caso assinasse um pacto de colaboração". O "modelo clássico" era a concomitante presença "do agente mau" e daquele "bom": o mau gritava e ameaçava, depois saía por uma hora, deixando-me sozinho com aquele "bom", que me persuadia com promessas: foi neste ponto que muitos acabaram escolhendo a via da colaboração".

Mas ele é um "osso duro", diz sempre com firmeza "não" a todas as ameaças e ofertas, a tal ponto que "os agentes me disseram que já estavam trabalhando na elaboração de documentos falsificados, para me comprometer moralmente".

Halík salvou-se e conta a sua história no livro. Mas para tantos outros, a história não teve o mesmo fim, como para o Bispo búlgaro de Nicópolis, Dom Eugenio Bossilkov, condenado à morte em 1952.

Na Croácia, no biênio 44/45, 243 padres foram assassinados, 169 presos e 89 desapareceram.

Na Polônia, entre 1949 e 1953, foram milhares os bispos e sacerdotes presos, 41 justiçados, 260 desaparecidos.

Atrocidades semelhantes aconteceram na Eslovênia, Alemanha do Leste, Bósnia-Herzegovina, Romênia, Hungria, Albânia, Eslováquia.

Atenção, porém! Nestes países, apesar de tudo, "um grande número de cristãos permaneceu fiel à Igreja - escreve o Cardeal Christoph Schönborn no Prefácio - às custas da própria vida; a tenacidade destes homens é um tocante testemunho de sua fé".

Prisão e tortura para o inflexível Primaz da Hungria

Pouco antes da prisão, sua mãe pediu para que fosse a Roma, pois queria seu filho em segurança. Mas ele não deu ouvidos à ela, sentia que seu lugar era com o povo. Assim, o Cardeal József Mindszenty (1892 – 1975), Primaz da Hungria, foi preso pelas autoridades húngaras em dezembro de 1948  e  condenado à prisão perpétua no ano sucessivo, após um processo forjado que o acusava de conspiração contra o governo. O Cardeal também foi torturado.

"Vê-se a determinação dele em assumir a cruz", escreve Adam Somorjai. Por oito anos ficou entre cárceres e prisão domiciliar, sendo libertado após a insurreição popular de 1956, quando se refugiou na Embaixada dos Estados Unidos de Budapest, onde ficou até 1973, quando o Papa Paulo VI o retirou da liderança da diocese. Mindszenty foi um opositor da "Ostpolitik" do Vaticano, porque não aceitava nenhum acordo com os comunistas. A alternativa aos acordos, foi a resistência.

Calúnia não dobraram bispo polonês

Construía igrejas e fundava paróquias na ótica anti-regime. As edificava sem a permissão das autoridades estatais. Dom Ignacy Tokarczuk (1918 – 2012) foi um dos protagonistas do episcopado polonês, ao lado dos Cardeais Stefan Wyszynski e Karol Wojtyła, futuro Papa.

Pastor de Przemysl, «as autoridades comunistas o consideravam o bispo "mais anti-regime", escreve Marek Inglot. Por este motivo, mais do que pela sua atividade em defesa dos direitos dos fieis, Tokarczuk foi, entre os prelados poloneses, o mais perseguido

Os comunistas tentaram pará-lo por todos os meios: com assédios, materiais comprometedores, um dossiê falso acusando-o de colaboração com a Gestapo, provocações, denúncias, acusações, interrogatórios, ameaças, incluindo também a de ser morto, e o sistema de espionagem instalado no episcopado. "Tudo isso continuamente, a cada dia, porém, ele permaneceu indômito, nunca se curvou".

O albanês salvo por uma mensagem na cueca

A família de Zana é profundamente cristã. O tio foi preso em 1946 sob a acusação de propaganda contra o Partido da Albânia. Passaria dez anos na prisão, com os joelhos despedaçados a pauladas.

Seu pai era professor no Politécnico de Tirana. Entre os seus amigos de estudo na América "havia um que foi nomeado ministro", conta Zana a Giulio Cargnello. "Convidaram meu pai para fazer a ele uma visita, junto com outros colegas". Porém a mãe estava grávida, e naquele dia o pai acompanhou-a para fazer o parto. Após o encontro com o ministro, os colegas foram presos e levados à mesma prisão do tio, onde "se falou com inveja do meu pai, que escapou da prisão".

Então "meu tio prendeu no elástico de uma cueca entre os panos sujos, um bilhete onde escreveu: "Diga a Loro (Lorenc era meu pai) para estar atento". Quando a mãe foi retirar as coisas, o tio indicou a ela a cueca, salvando assim o pai de Zana.

O Muro de Berlim tornou-se o símbolo do mundo dividido em dois blocos: o capitalista e o comunista. Era uma barreira física construída durante a Guerra Fria pela República Democrática Alemã (socialista), contornando toda a Berlim Ocidental, capitalista.

Sua “queda”, em novembro de 1989, abriu o caminho para a reunificação alemã que foi formalmente celebrada em 3 de outubro de 1990. Muitos apontam este momento também como o fim da Guerra Fria.

(JE/ La Stampa)


(from Vatican Radio)

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