sexta-feira, 30 de dezembro de 2016

Pequenas esperanças

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No fundo, a gente sempre esconde pequenas esperanças de que o ano novo traga alguma coisa especial
Acendo um incenso perfumado e mentalizo dias melhores para a Humanidade.
Acendo um incenso perfumado e mentalizo dias melhores para a Humanidade. (Reprodução)
Por Fernando Fabbrini*

Para mim, nessa fase da vida, a passagem de ano não é um evento digno de pompa e champanhe, como nos tempos da juventude. Geralmente atravesso o portal do calendário gregoriano dormindo em paz, numa boa. No máximo acendo um incenso perfumado e mentalizo dias melhores para a Humanidade. Em solidariedade ao amigo vira lata Bruno, aguardo que termine o insuportável foguetório para recolher-me e, desse jeito, só percebo que encararei mais 365 dias quando olho a folhinha, de manhã.

Entretanto, no fundo, a gente sempre esconde pequenas esperanças de que o ano novo traga alguma coisa especial, sei lá; um alento, boas notícias – sobretudo após este atribulado e inesquecível 2016. Eu me contentaria com pouco; nada além de pequenos desejos que, se realizados, já estariam de bom tamanho.

Por exemplo: que no ano novo todos aqueles que batem em mulheres, molestam crianças, maltratam animais, dirigem bêbados causando acidentes sejam exemplarmente punidos e mofem na penitenciária. E que, nesses casos, jamais ouçamos o repórter dizer: “os acusados pagaram fiança e responderão ao processo em liberdade”. Chega.

Espero também que no ano novo os políticos safados, os viciados em privilégios ilícitos, os profissionais da corrupção continuem fazendo fila para as celas, acompanhados ou não de japoneses, enquanto houver espaço, sem mais delongas. Se necessário, que se construam mais prisões. De preferência nos confins da Amazônia, cercadas de piranhas e antropófagos, caso ainda existam.

Para os jovens Nem-Nem – a famosa categoria que não estuda nem trabalha – desejo que virem gente grande, adultos responsáveis; que tomem vergonha na cara e aprendam a ralar, pagando seu próprio custeio de vida com recursos provenientes de trabalho honesto. Deem folga para seus pais, tios e avôs, que já penaram muito para os sustentar.

Seria ótimo também se em 2017 os motoristas fossem mais cordiais; que não avançassem as faixas de pedestres; que freassem seus carros e fizessem um gesto cordial de “pode passar, senhora!” para a velhinha insegura, paralisada no meio-fio. E que não buzinassem tanto por besteira, que não brigassem e se matassem por motivos fúteis na loucura do trânsito.

Outro desejo sincero é que os humanos desistam de buscarem felicidade em coisas – joias, relógios, bebidas, drogas, sapatos de grife, mansões com piscinas, roupas de luxo, automóveis imensos e – principalmente – eletrônicos digitais. Que a vida seja vivida no off-line, que é onde ela acontece de verdade – e não apenas no virtual ilusório. E que a tal felicidade não seja medida pelos gigas & megas de um celular, rodando os braços na propaganda ridícula – mas que, ao contrário, venha materializada pelo carinho verdadeiro que eletriza o chip, alcança a nuvem e desce, glorioso, até o coração da pessoa amada.

Que a arte seja livre – e jamais atrelada a ideologias, a mentalidades tirânicas, a cabeças limitadas, a grupos de ódio. Que a educação, o conhecimento e a cultura brotem do pântano imundo, renovados como a flor de lótus Zen. Que as escolas não sejam depredadas e furtadas um mês após sua inauguração. Que haja respeito e reverência por quem ensina e pelo que se aprende.

Que as crianças e jovens sejam mais corajosos. Não me refiro à coragem de dar porrada, de vibrar com o sangue na lona do MMA, de crescer bíceps na academia para amedrontar transeuntes; de heróis fictícios do cinema. Quero a coragem associada ao bem; à generosidade e à compaixão; à vontade de fazer um mundo melhor, lutando (olha a coragem aí) sem medo, contra os dragões da maldade.

Que haja menos mentiras e mais abraços. Menos joguinhos de poder e mais beijos apaixonados. Muito menos exibicionismo e ostentação. Mais sinceridade. Mais respeito ao diferente, ao exótico, às ovelhas negras, azuis, verdes, amarelas, roxas, xadrezes. Que haja mais simplicidade – ah! Como isso faz falta! Que se reparta tudo e não se acumule nada. Que Haagen-Dazs seja acessível a todos aqui no chão e não somente aos passageiros ilustres dos aviões oficiais, pagos por nós.  

E, finalmente, que o idealismo prevaleça, que não sucumba diante de tanta adversidade, de tanto desânimo e tentações que podem transformar-nos em idiotas comuns, normais e desprezíveis. Que venha assim 2017, o ano lunar do Galo, sob as duras regras do inflexível Saturno, mas também com espaço para o generoso Júpiter. Vou acender dois incensos - só por precaução.

* Fernando Fabbrini é roteirista, cronista e escritor, com quatro livros publicados. Participa de coletâneas literárias no Brasil e na Itália e publica suas crônicas também às quintas-feiras no jornal O TEMPO.

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