domingo, 31 de julho de 2016

Polônia, a viagem mais difícil de Francisco

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Mensagens do pontífice são ou inadmissíveis ou indesejáveis nesta parte do continente.
Nações como a Polônia opõem à
Nações como a Polônia opõem à "Europa dos direitos e das liberdades", das quais Bergoglio fala.

Por Alberto Melloni*
Francisco começou a viagem mais difícil do seu pontificado. A que leva ele e milhões de jovens reunidos em torno do coração doente da Europa doente. Na pasta, o papa carregou os discursos que estamos ouvindo, o breviário, o rosário; e também a memória do abbé Hamel, o padre que se tornou mártir em um gesto nada cego, pesando por mentes muitos refinadas que encontraram em uma pequena paróquia da Normandia o antípoda da grande festa de Cracóvia: mentes às quais podem ser dadas duas respostas: ou aquela que diz "the show must go on", ou aquela que faz os milhões de jovens se ajoelharem em um gesto de adoração do mistério do Cordeiro.

Francisco chega em um país que modifica as suas prioridades de viagem. Ele também, assim como seus antecessores, fez da peregrinação um púlpito (e não só por causa da esperadíssima "avião-encíclica", que também ontem ele concedeu).

No mundo, ele preferiu países esquecidos pelas superpotências (e, nos Estados Unidos, ele, que, como se sabe, "não se mete" na política, atacou Trump em nome dos direitos dos migrantes, jogando na primeira mão o seu curinga na corrida à Casa Branca).

Na Europa, com exceção da visita ao Parlamento, ele tocou os lugares da dor dos refugiados. Em Lampedusa, Tirana, Saraievo, Lesbos, ele repetiu aos cristãos que, se a Igreja não ouvir a voz do Cristo no pobre, corre o risco de se tornar uma medíocre agência de boas obras às expensas do Estado. E lembrou ao mundo que poder viver em alegre paz a um passo da tragédia da guerra é uma ilusão.

A viagem à Polônia é difícil porque essas mensagens do papa são ou inadmissíveis ou indesejáveis nesta parte do continente, onde antieuropeísmo e xenofobia escrevem a agenda política e religiosa. As nações como a Polônia, que estão pagando a última parcela da mentira do socialismo real, opõem à "Europa dos direitos e das liberdades", das quais Bergoglio fala, uma Europa dos muros e das rejeições; sentem falta de identidades étnico-religiosas, com o resultado de fazer crescer forças ora populistas, ora neonazistas, sempre sectárias, muitas vezes antissemitas; que, como também já acontece na Itália, limpam o campo das grandes coalizões e ridicularizam a esquerda que se despedaça cada vez mais.

Esse coração doente da Europa doente espera ser curado: não por um homem santo ou pela experiência de massa, mas por um "exorcismo consolador" que liberte a Igreja e a Europa do demônio que lhe faz ver os refugiados que fogem da guerra, e não a guerra, como um problema; que lhe impede de lutar contra a guerra como inimigo com a mesma dureza com que o terrorismo islamista ataca a paz e a socialidade simples da paz (uma danceteria, uma missa, um restaurante, um check-in, um metrô).

De fato, é evidente que hoje existe um Islã endemoninhado. Mas o cristianismo não é imune a nada. Auschwitz está aí para lembrar o silêncio dos homens com o seu silêncio ensurdecedor. Rumores de guerra ucranianas e cemitérios de guerra chechenos e balcânicos estão perto no tempo e no espaço para lembrar que esta não é uma guerra religiosa, somente até alguém não entre em guerra em nome da religião.

"O mundo está em guerra porque perdeu a paz", disse o papa nessa quarta-feira: para lembrar a todos que os refugiados não são um "brinquedo" seu, mas o resultado de uma catástrofe política na qual todos deram o pior: a superficialidade europeia, a volubilidade estadunidense, as extemporaneidades russas, o cinismo árabe, a ambiguidade wahhabita.

O pior também foi dado por um catolicismo fraco no plano intelectual e espiritual, satisfeito com conservadorismos de antiquário e com conformismos ideológicos de direita.

Adenauer, De Gasperi e Schuman, falando em alemão e pensando em católico, lançaram as bases de uma Europa que viveu em paz e democracia: se seu fruto foi a cultura do projeto, da providência ou da serendipidade, isso não muda. Para que essa Europa ainda possa desfrutar a democracia e a paz, enquanto vive em uma situação econômica, cultural, demográfica devastadora, é preciso que ela aprenda a derrubar os muros do medo. 

Não só a Europa que ele visita nestes dias, mas toda a Europa ampla, que vai e Moscou a Casablanca e de Jerusalém a Edimburgo, deve esperar que, na mala para esta viagem difícil, o papa tenha colocado também as trombetas de Jericó.

La Repubblica, 28-07-2016.
*Alberto Melloni: historiador italiano, professor da Universidade de Modena-Reggio Emilia e diretor da Fundação de Ciências Religiosas João XXIII, de Bolonha

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