quarta-feira, 10 de fevereiro de 2016

Leila Maria canta Billie




Leila Maria: sempre afiada e bem afinada.
Leila Maria: sempre afiada e bem afinada.

Por Carlos Ávila
“Jazz é a voz solitária ou polifônica da revolta, da sensualidade, do páthos dos negros e se prolonga através de instrumentos musicais desobedientes a tudo o que não seja espontaneidade, invenção, improvisação” – define Vinicius de Moraes, num pequeno texto publicado nos anos 1950 (no jornal “Última Hora”); o poeta-compositor, que também foi diplomata, viveu uns cinco anos nos EUA onde se apaixonou pela música negra daquele país.
Nesse texto Vinicius tentava distinguir e definir o que é jazz a uma leitora e, entre outras coisas, mencionava “o modo interpretativo de uma Bessie Smith ou de uma Billie Holiday”, acrescentando: “Isso é jazz, é a inflorescência dos cantos religiosos negros, a que chamam spirituals em cruzamento com o blues”.
Sim, blues & jazz; Bessie & Billie; esta última, sem dúvida, um dos pilares da melhor música negra norte-americana (podemos unir ao nome de Billie os de Ella Fitzgerald & Sarah Vaughan – as três maiores cantoras de jazz do século 20).
De repente, descubro em BH o que parecia impossível (graças aos amigos da loja de discos Acústica): um belo tributo a Billie – a voz negra de Leila Maria, cantora carioca que corajosamente recriou 13 canções gravadas por Lady Day. Nunca tinha ouvido falar de Leila (embora seu CD seja de 2012!); agora não paro mais de falar nela.
Leila Maria – “Billeila”, segundo o crítico musical Antônio Carlos Miguel – é uma verdadeira revelação; não imita a grande intérprete norte-americana, embora as duas possam ser aproximadas pelo timbre vocal grave, pelas “divisões” ou ainda pela forma como “saboreiam as palavras”, para ecoar aqui as palavras certeiras daquele crítico, na sua apresentação do CD.
O CD “Leila Maria canta Billie Holiday in Rio” é uma viagem pelo universo sonoro de Lady Day; está apoiado em arranjos originais de sete pianistas: Délia Fischer, Sheila Zagury, Cristovão Bastos, Fernando Costa, Itamar Assiére, Rodrigo Braga e Paulo Midosi; afora estes, participam também do disco músicos excelentes nos outros instrumentos: guitarra, baixo, bateria, sopros e algumas cordas.
A charmosa Leila Maria está sempre afiada e bem afinada em canções marcantes como “Comes Love” (com o toque sutil da guitarra de Marcos Amorim); “I’ll be seeing you” (com solos de guitarra de Léo Amuedo e de baixo de Jorge Hélder); “Everything happens to me” (apenas voz e o piano de Rodrigo Braga); “Embraceable you” e “You’ve changed” (com Cristovão no piano e um time de primeira: Hélder – no baixo, Jurim Moreira – na bateria, João Lyra – na guitarra e Zé Canuto – no sax soprano); “The same old story” (com bonito solo de flauta por Tino Jr.); ou ainda “God bless the child” (balançada e pontuada pela guitarra de Amorim, com destaque para Délia no fender rhodes e Joana Queiroz no sax tenor).
“The same old story” (a mesma velha história – o refinado e conhecido repertório de Billie)/“but it’s new to me” (mas é novo para mim – na voz-revelação de Leila Maria). Jazz com sensualidade e espontaneidade. Vinicius, com certeza, gostaria.

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