sexta-feira, 27 de fevereiro de 2015

Flanando por Londres com Virginia

27 de fevereiro de 2015

Woolf: prosa lírica e poética.
Woolf: prosa lírica e poética.
Por Carlos Ávila
Desde a sobrecapa (um “aquário” gráfico-visual de Diogo Droshi) até os textos no miolo do livro, tudo é atraente e envolvente em “O sol e o peixe” – reunião de prosas poéticas de Virginia Woolf (1882/1941) lançada recentemente pela Ed. Autêntica. O volume – com seleção, tradução e apresentação de Tomaz Tadeu – traz nove textos da grande escritora britânica, nome fundamental do modernismo do século 20, particularmente no período “entre guerras”.
A obra ensaística de Virginia está reunida, originalmente, em seis volumes, num total de mais de 3.000 páginas! Como forma de sobrevivência, ela produziu muitas análises e resenhas críticas para os mais diversos e importantes jornais e revistas de sua época. Alguns desses textos, segundo o tradutor, extrapolam o tom crítico e aproximam-se de sua obra criativa. “São alguns desses ensaios que procurei reunir nesta pequena coletânea. Eles têm, em geral, um tom lírico, poético, experimental” – assinala o tradutor.
Chamamos atenção aqui, particularmente, para o sensível e imagético “Flanando por Londres”, escrito e publicado em 1927, onde o pretexto para comprar um lápis leva Virginia a “bater pernas” por sua cidade natal sem destino determinado: “A hora deve ser à tardinha, e a estação, o inverno, pois no inverno a luminosidade cor de champanhe do ar e a sociabilidade das ruas são adoráveis (…). O entardecer nos permite, além disso, desfrutar da irresponsabilidade que a escuridão e a luz da lâmpada nos conferem”.
“Quando, num bonito fim de tarde,” – prossegue Virginia – “entre as quatro e seis horas, colocamos os pés fora de casa, deixamos cair a máscara pela qual nossos amigos nos conhecem e nos tornamos parte desse vasto exército republicano de vagabundos anônimos, cuja companhia, após a solidão de nosso quarto, nos é tão agradável”.
A errância verbal de Virginia (cada frase é como uma rua “com suas ilhas de luz e seus pomares de escuridão”) tem algo do fog londrino, vela e revela a um só tempo, leva a um fluxo de observações minuciosas – sobre pessoas, casas, lojas, vitrines… – e também a digressões luminosas em meio aos esplendores e misérias das ruas: “O verdadeiro eu é este que está na rua em janeiro ou é aquele que se debruça sobre o terraço em junho? Estou aqui ou estou lá?”.
A certa altura de sua caminhada Virginia envereda pelo “mundo” dos sebos (“livros usados são livros à solta, livros sem teto”, embora tenham um encanto que os de biblioteca não têm, segundo ela). Novas associações vêm à mente da escritora, que mais adiante retorna às ruas, ouvindo fragmentos de diálogos e vendo as figuras fugitivas dos passantes. E voltam à lembrança os lápis, entre imagens do rio Tâmisa – “largo, choroso, sereno”.
Vertiginosa Virginia, com sua escrita lírica e algo delirante, mas também precisa e penetrante (há outros belos textos dela no volume: “A paixão da leitura”; “Sobre estar doente”; “O sol e o peixe”); dos lápis aos lapsos, seguimos Virginia pela sombria Londres: “fugir é o maior dos prazeres; flanar pelas ruas no inverno, a maior das aventuras”.

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