quinta-feira, 31 de julho de 2014

Para entender o mineiro

Gilmar P. da Silva SJ*
Em Minas Gerais as palavras dobram. Isso mesmo. Não dobram de tamanho, dobram em si mesmas. O que faz com que uma sentença inteira caiba em uma só palavra. Por exemplo, as tradicionais perguntas existenciais “Onde que eu estou?”, “Para onde que eu vou?” e “Quem que eu sou?” dobram-se no “mineirês” em “Onqotô?”, “Pronqovô” e “Qemqosô?”. A palavra mineira é antes de tudo uma palavra dobrada.

A dobra na terra das Gerais faz com que as coisas se toquem muito facilmente. O longe é logo ali. O “segue toda a vida”, pode ser um pequeno seguimento de reta. Tal coisa se passa também no campo da crença. Com frequência se ouve, após um longo relato mistérico – os famosos “causos” –, a célebre frase: “Acreditar, eu não acredito mas, duvidar, também, não duvido”. Não há síntese. As coisas são como são. Tensionadas, coladas, justapostas, dobradas. Mesmo a percepção do tempo não é retilínea e uniforme. “Trudia mês” ou “Outro dia mesmo” pode ter sido em um passado um pouco mais remoto do que pareça. A noção temporal é elástica.

Sabe-se lá qual é a origem dessa forma organizar a realidade. Fato é que até o relevo de Minas é repleto de dobramentos recentes, como a Serra da Piedade. Há de se acostumar com as curvas. O que se reflete nas conversas. Uma coisa não costuma ser dita diretamente. Ao contrário, faz-se voltas para dizer o que se quer. Dá que o outro se ofende! E o mineiro se redobra, como o manto de suas imagens barrocas, ocultando muita coisa em sua discrição. Seja ele o que “come quietinho” ou o proseador que, no volume de suas dobras, esconde mais do que se imagina.

O grupo Corpo, companhia de dança, traduz bem sua origem mineira na peça “Onqotô”. A peça é alinhavada pela questão existencial da origem. A pergunta metafísica faz dobra no balé com muitos movimentos de chão. É como se o caos e a ordem da gênese estivessem dobrados na dança, que traduz, em um só passo, transcendência e imanência. Para adentrar a dobra mineira, vale ver o Corpo, dobrando-se e redobrando-se, no Palácio das Artes, dos dias 07 a 10 de Agosto. O espetáculo acontece também no mesmo mês em São Paulo (13 a 18) e Porto Alegre (30 e 31). Em Setembro (4 a 7) estará no Rio de Janeiro. Junto com “Onqotô” também será apresentado a peça “Triz”. É dança em dobro.

*Mestrado em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP, com pesquisa em Signo e Significação nas Mídias, Cultura e Ambientes Midiáticos. Graduação em Teologia pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (FAJE). Possui Graduação em Filosofia (Bacharelado e Licenciatura) pelo Centro de Ensino Superior de Juiz de Fora. Experiência na área de Filosofia, com ênfase na filosofia kierkegaardiana. 

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