sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

Eu também quero!

A noção feroz e embrutecida de "direitos ilimitados" deixa todo mundo furioso e vingativo.

Por Max Velati*

Há mais de um mês, venho ensaiando escrever aqui na Rota de Fuga sobre esse odor de raiva, esse cheiro de ódio visceral que paira no ar. Não falo só do Brasil. Falo da tensão na Argentina, da escalada de violência na Ucrânia, da lei abominável de Uganda, do Egito e dos confrontos na Venezuela, para citar apenas os destaques da semana. E falo também do Brasil, é claro.

Perambulando por aí, já ouvi de tudo: rumores de guerra civil, crise econômica sem precedentes a caminho, caos social prometido por grupos organizados ou desorganizados e crise de abastecimento de energia e água. Ouvi calado opiniões extremistas, ideias oportunistas, algumas análises sensatas e algumas poucas sugestões razoáveis... Ouvi de tudo e ouvi em silêncio respeitoso porque todo mundo tem o direito de dizer o que pensa. 

Cheguei a esboçar meu artigo nesse sentido, mas com mais perguntas do que respostas e acabei desistindo do texto, ao perceber que todo mundo que valia a pena ler estava escrevendo na mesma linha. Se, por um lado, me senti dispensado da tarefa, por outro, fiquei muito mais alarmado ao notar que meus temores mais sombrios se somavam aos temores de gente muito mais competente e muito mais bem informada do que eu.

Olhando ao redor, vendo os noticiários e lendo artigo após artigo sobre o Brasil de hoje, digo que há algo se formando no ar. Não tenho uma opinião política sobre o assunto. Minha opinião é filosófica, Humanista no sentido macro e eu digo que há algo em gestação. Minha opinião sobre isso também é realista, resultado de uma experiência pessoal vivendo algum tempo em um país em guerra. Seria muito bom se esse cheiro de enxofre que está no ar se dissipasse pacificamente, gentilmente, e aos poucos fosse dando lugar a um outro odor; um ar fresco, limpo, um cheiro adocicado e cítrico de acordos justos e entendimento. 

Seria muito bom se aprendêssemos serenamente o que outras nações mais antigas aprenderam duramente. Seria bom para o Brasil crescer sem ter que passar pelas provações de um conflito, sem ter que enfrentar os choques e a violência generalizada, sem ter que conhecer de perto as mesmas tragédias do Oriente, da Velha Europa e de nossos vizinhos próximos. Isso seria a vitória da prudência sobre a insensatez, o triunfo do jeitinho brasileiro finalmente na sua aplicação mais nobre.

Todos têm o direito de protestar. Todos. É muita ingenuidade acreditar que com o alcance da Internet e das redes sociais as pessoas não vão se organizar ao redor daquilo que pensam que merecem. É também ingenuidade pensar que o direito amplo e irrestrito de exigir e protestar não tem um custo. O custo disso é que mergulhamos num sistema de quedas de braço, impasses e sobretudo confrontos porque ninguém mais pensa em termos de deveres, só de direitos. É isso que provoca o cheiro de raiva que está no ar, esse odor destilado pela noção perversa de que “o mundo me deve tudo e eu quero tudo agora ou vou botar pra quebrar”. É a noção feroz e embrutecida de “direitos ilimitados” que deixa todo mundo furioso e vingativo em qualquer lado da questão, em qualquer arquibancada, em qualquer lado da lei.

É assustador pensar em uma sociedade onde ninguém precisa fazer nada que não queira ou goste, simplesmente porque pensa que é também um direito legítimo não querer e não gostar. É assustador pensar que a classe política, mais do que qualquer outra neste país, se julga com direitos ilimitados e dispensada de qualquer dever a não ser o dever de permanecer no poder.

Só para reflexão, proponho aqui, como uma alternativa filosófica, imaginarmos uma sociedade unida, não pela liberdade de reivindicar direitos, mas pela noção individual e coletiva de que tudo pode funcionar melhor com uma distribuição justa de deveres, tais como: o dever de todo mundo e cada um de respeitar o outro e isso inclui a opção sexual de cada um. O dever de todo mundo e cada um de respeitar o bem público, seja no uso das verbas ou na conservação na condição de usuário. Por fim, o dever de todo mundo e cada um de saber se todos os deveres estão sendo cumpridos para benefício de todos e de cada um.

É pedir muito, eu sei, mas tenho o direito de pedir o que eu quiser.

NOTA - Nesta sexta feira, o Dom Total recebe um novo articulista. David Paiva é um velho amigo e um escritor muito competente. Modesto demais para se apresentar devidamente, sei que pode até ficar chateado com esta nota, mas não poderia deixar de dar as boas- vindas a um grande amigo e uma caneta que representa um reforço importante para as nossas trincheiras.
*Max Velati trabalhou muitos anos em Publicidade, Jornalismo e publicou sob pseudônimos uma dezena de livros sobre Filosofia e História para o público juvenil. Atualmente, além da Literatura, é chargista de Economia da Folha de São Paulo.

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