quarta-feira, 31 de julho de 2013

Em livro, criador do Wikileaks alerta América Latina para os riscos da espionagem dos EUA

Julian Assange volta a atacar

Por Marco Lacerda*
Julian Assange, o fundador do Wikileaks, que está refugiado há oito meses na embaixada do Equador em Londres, não perdeu tempo nesse período de asilo. Dedicou-se a escrever um livro, “Criptopunks – A liberdade e o futuro da internet” (foto acima) onde fala sobre um tema que conhecer melhor que ninguém: segurança e espionagem. Assange demonstra, baseado em declarações oficiais da justiça dos Estados Unidos, como várias empresas de comunicação e da Internet (Google, Facebook, AT&T, Twitter, entre outras) entregam informação que passa por seus sites à Agência Nacional de Segurança (NSA).
Mais uma vez Assange se junta aos seus companheiros de armas, os cryptopunks, cyberativistas que lutam pela paz na Internet, e revela ao mundo segredos que os serviços de inteligência norte-americanos interceptam e escondem dos cidadãos de todo o planeta, aos quais faz um apelo dramático.
O livro, inédito no Brasil, foi publicado pela editora chilena Lom Ediciónes (lom@lom.cl ) e nele Julian diz que em seu trabalho como jornalista tem lutado contra guerras e para que os grupos poderosos do mundo prestem conta aos povos. Através desse trabalho ele compreendeu a dinâmica da ordem internacional e a lógica do império americano. Viu países pequenos serem amedrontados e dominados pelos grandes e forçados a tomar decisões de interesse apenas de empresas estrangeiras.
“Vi o amordaçamento do desejo popular, eleições compradas e vendidas em todo o mundo e as riquezas de países como Kenia roubadas e negociadas por mercenários de colarinho branco em Londres e Nova York. Essas experiências contribuíram para a minha formação como cryptopunk e produziram em mim uma sensibilidade em relação aos temas que abordo em meu livro, o qual considero de especial interesse para os leitores da América Latina”, diz o ativista.
Rompendo as hegemonias
Nos últimos anos o que se vê é o desmoronamento de velhas hegemonias, diz, populações desde Magreb até o Golfo Pérsico se levantando contra tiranias para conseguir a liberdade e a autodeterminação. Movimentos populares no Paquistão e Malásia prometem constituir um novo foco de força no cenário mundial, enquanto na América começa surgir um esperado período de soberania e independência depois de séculos de domínio imperial.
“Quando o sol se põe sobre as democracias ocidentais, esses avanços transformam-se a esperança do mundo. Vivi na carne a nova independência e vitalidade da América Latina quando o Equador, A Aliança Bolivariana para os Povos da Nossa América (ALBA), a União de Nações Sulamericanas (UNASUR) e até a OEA saíram em defesa dos meus direitos assim que recebi asilo político”
A duradoura luta latinoamericana pela autodeterminação é importante porque abre caminho para que o resto do mundo avance rumo à liberdade e à dignidade, embora a independência da região ainda esteja de fraldas, afirma Assange. ”As ações desestabilizadoras dos Estados Unidos ainda são moeda corrente no continente latino, como aconteceu em Honduras, Haiti, Equador e Venezuela. O mundo deve se conscientizar do risco que a espionagem internacional, especialmente a dos EUA, significa para a América Latina e para o antigo Terceiro Mundo. A vigilância estatal não é apenas um problema para democracia e a governabilidade, mas uma questão geopolítica”.
O império do Facebook
A principal tese defendida por Assange é sobre controle de toda uma população por poderes internacionais e sua ameaça à soberania. Para ele, as sucessivas intervenções nos assuntos das democracias latinas chamam atenção para a necessidade de “sermos realistas”, pois os antigos poderes coloniais lançarão mão de qualquer recurso para impedir a consagração da independência do continente. Seu livro debate o que acontece quando corporações americanas como o Facebook desfrutam de uma penetração quase total na população de países inteiros, sem levar em conta questões geopolíticas de fundo.
“Todo o mundo sabe que a geopolítica global é determinada pelos recursos petrolíferos. O fluxo de petróleo determina quem domina, quem é invadido e quem é marginalizado da comunidade global. O controle físico de um único segmento de um oleoduto possibilita enorme poder geopolítico".
Governos nesta posição podem obter incríveis concessões. De um só golpe o Kremlin pode condenar a Europa do Leste e a Alemanha a invernos sem calefação. Assim como a simples possibilidade de que Teerã construa um oleoduto que chegue à Índia e à China é motivo para por em alerta as tendências beligerantes de Washington. Com o controle dos cabos de fibra ótica, por onde circula uma avalanche de informações que conectam a civilização mundial acontece o mesmo que com os oleodutos. Este é o novo jogo: controlar a comunicação de milhões de pessoas e organizações.
América Latina sob vigilância 
Com base em informações armazenadas pelo Wikileaks, Assange diz que no referente à Internet e às comunicações, todos os caminhos, desde e até a América Latina, passam pelos Estados Unidos. A infraestrutura da Internet dirige grande parte do tráfico, desde e até a América Latina, através de cabos de fibra ótica que atravessam as fronteiras dos EUA, um país cujo governo não tem o menor escrúpulo em transgredir suas próprias leis ao interceptar essas linhas para espionar seus próprios cidadãos, sem falar de cidadãos do Brasil e de muitos outros países.
Diariamente, milhões de mensagens de toda a América Latina são devoradas pelas agências de espionagem dos Estados Unidos e armazenadas para sempre em depósitos do tamanho de cidades. Para manter seus segredos a salvo, os governos latinos utilizam caríssimos equipamentos criptográficos e programas que codificam e decodificam mensagens e quem paga a conta, como sempre, é o povo. Tais equipamentos são vendidos à América Latina pelos próprios EUA como forma de proteger seus segredos, mas na realidade são uma forma de roubar tais segredos.
Os governos latinos, por exemplo, estariam mais a salvo usando software criptográfico aberto, desenvolvido por criptopunks, cujo código é aberto para que todo o mundo veja que não se tratam de ferramentas de espionagem e que estão disponíveis no mercado pelo preço de uma conexão à Internet.
Novos vírus e corrida armantistas
Enquanto isso, os Estados Unidos aceleram a próxima grande guerra armamentista. O descobrimento dos vírus Stuxnet, Duqu y Frame anunciam uma nova era de programas altamente complexos com finalidade destrutiva, desenvolvidos por Estados poderosos para atacar os mais fracos. Seu uso agressivo contra o Irã, por exemplo, destina-se a desestabilizar o país em defesa dos interesses americanos e israelenses na região.
Houve uma época em que o uso de vírus informáticos como armas ofensivas era um mecanismo argumental de livros e filmes de ficção científica. Agora é uma realidade global estimulada pela conduta irresponsável do governo de Barack Obama que desafia as leis internacionais. Em breve outras potências farão mesmo para igualar sua capacidade ofensiva à dos EUA. O cenário para uma guerra está novamente armado.
Estas são algumas das razões pelas quais o livro de Julian Assange transcende a luta pelas liberdades individuais. Os criptopunks originais, seus camaradas, em geral eram libertários. Buscavam proteger a liberdade individual da tirania estatal e a criptografia era sua arma secreta. Foi sem dúvida algo subversivo, pois a criptografia, até então era propriedade exclusiva dos Estados, usada como arma em suas guerras. Ao desenvolver um software próprio contra as superpotências e ao divulgá-lo em todo o mundo, os criptopunks conseguiram liberar e democratizar a criptografia. Foi uma revolução nas fronteiras da nova Internet.
“A ofensiva foi rápida, cara e continua em andamento. O caminho está alinhavado. O domínio da criptografia não apenas pode proteger as liberdades dos indivíduos como também a soberania e a independência de países inteiros, a solidariedade entre grupos com uma causa comum e o projeto da emancipação global”, conclui Assange no prefácio de seu livro.
Julian Assange e Wikileaks, por Noam Chomsky. Veja o vídeo. 
*Marco Lacerda é jornalista, escritor e Editor Especial do DomTotal. Este artigo foi escrito com base em informações contidas no prefácio de “Criptopunks – A liberdade e o futuro da Internet”, publicado na semana passada com exclusividade pela revista América Economia, com sede no Chile, e enviado por email.

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