sexta-feira, 17 de agosto de 2018

Juventude(s) com fé; com religião, talvez

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A busca religiosa por parte dos jovens advém de uma necessidade de cultivo particular, não necessariamente de uma necessidade de pertença religiosa.
A estética religiosa está sendo ressignificada, adaptada aos novos contextos e os novos contornos que a fé vai ganhando na pós-modernidade.
A estética religiosa está sendo ressignificada, adaptada aos novos contextos e os novos contornos que a fé vai ganhando na pós-modernidade. (Reprodução/ D&G)
Por Gustavo Ribeiro*

Não há momento histórico anterior a este que tenha experimentado maior gama de opções de experiências religiosas como assistimos acontecer agora. Nunca existiu antes uma multiplicidade tão grande e em evidência de um “mercado religioso” como o que vivemos atualmente. Este mercado religioso é farto e produtivo, gerando capital e riquezas para um grupo seleto e cada vez mais pujante. É, por isso, muito interessante notar que, justamente, em uma época em que se alcança o máximo da escolarização vista até hoje, no momento em que as pessoas mais frequentam as Universidades e Centros Acadêmicos, é que se encontra uma profunda “sede por espiritualidade”, sobretudo nos jovens; talvez não tanto por religião, mas, sim, por religiosidade.

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É justamente porque a intriga colocada entre fé e razão pela modernidade não prosperou, como se esperava e como conceituavam os pensadores modernos, que é tão evidente a necessidade atual da busca religiosa. O término do “século breve” e a derrocada das “grandes narrativas”, deram lugar, por sua vez, às micronarrativas, à possibilidade de uma “escrita” individual, surgida, sobretudo, de uma subjetividade cada vez mais alimentada pelo mercado capitalista, que se motiva e cresce a partir da oferta do consumo de experiências, estilos de vida, ao invés de meramente a venda de produtos materiais. Claro, o referencial é a materialidade, mas não o que ela enseja de forma concreta, e sim o que inspira através da forma, o que leva ao deleite de uma experiência prazerosa e não puramente utilitarista.

Os jovens são o público no qual estas mudanças são mais evidentes, porque já nasceram neste “novo mundo”, imersos nas realidades pós-analógicas (não totalmente virtuais); e mesmo que tenham herdado, de alguma maneira, centelhas de uma consciência do século XX, advindas de seus pais, parentes e professores, não possuem a experiência necessária para que se ancorem no pensamento e no modus vivendi do século passado. Estão na corda bamba que a pós-modernidade nos depositou, equilibrando-se entre o novo e novo-ainda-em-construção, nesse devir perene sempre com ares futuros, não na posteridade, porém já agora.

Ao se indagar sobre a situação da fé no contexto atual, é preciso considerar uma infinidade de movimentos simultâneos que estão em atuação em nossa sociedade. A complexidade tamanha que se configura como normalidade nos cenários sociais é a mesma que complexifica os cenários religiosos. A liquidez destes novos tempos levou, por exemplo, apenas para citar posturas de lideranças religiosas, os bispos católicos do Brasil a afirmarem que “vivemos uma época de transformações profundas. Não se trata apenas de uma ‘época de mudanças’ mas uma ‘mudança de época’” (Diretrizes da Ação Evangelizadora da Igreja no Brasil 2015-2019, n. 19).

A pós-modernidade não se consolidou tal como em épocas anteriores. Não estabeleceu um status quo nem nivelou as diversas realidades que a compõe, porque é justamente esta uma de suas características modulares. A pós-modernidade é a conjunção de diversas confluências, que não se resumem, que não se anulam e muito menos se desintegram; pelo contrário, elas se fundem e produzem ainda mais diversidade de pensamentos, posturas, gostos e opções, gerando sempre novas perspectivas de mudanças e dando fluidez aos processos, às relações, às buscas, sobretudo à busca existencial dos indivíduos. Vive-se ainda sob a égide da permanente construção, erigida sobre os “escombros” da modernidade, porque nada está concretamente estabelecido, dando a sensação, às vezes, de se estar sempre andando sobre uma linha tênue. As mudanças são constantes e repentinas. O movimento é o princípio nodal da sociedade pós-moderna.

Se analisamos os dados do Censo do IBGE de 2010, encontramos algumas pistas de onde tem caminhado o interesse da juventude brasileira no que tange os conceitos/as compreensões de fé e religião. Os índices apontam um crescimento da população evangélica, que chegou à 22,2%, dos quais 9,2 milhões são jovens que se identificam como “evangélicos não determinados”, ou seja, que a experiência pentecostal lhes motiva, mas não há uma denominação específica que lhes garanta uma pertença fixa, havendo a possibilidade de transito entre uma igreja e outra, dependendo dos interesses e do que é oferecido em cada uma delas em contextos específicos. Os jovens Católicos, de 15 a 24 anos, continuam sendo maioria, embora tenham sofrido decréscimo nos últimos anos, assim como toda a denominação católica, se somada todas as faixas etárias. Mas o índice que mais cresceu é o dos jovens “sem religião”, que somam 8,0%, que no senso de 1991 eram 7,4%. Os jovens sem religião cresceram mais que os jovens que se denominam evangélicos pentecostais, mais até que os já citados “evangélicos não determinados”.

O que se percebe é que a busca religiosa por parte dos jovens advém de uma necessidade de cultivo particular, não necessariamente de uma necessidade de pertença religiosa. Por isso, a não necessidade de um espaço/lugar ou de um culto específico para uma prática religiosa propriamente, porque a associação da fé com a religião já não é automática, uma vez que os jovens se sentem portadores da possibilidade de acesso ao sagrado, ou seja, não precisam de mediadores para o cultivo da fé.

Um processo lento, mas perceptível de desinstitucionalização e, também, o acesso a conteúdo religioso através das mídias sociais torna a prática religiosa mais flexível e ligada sobretudo a experiências pontuais e/ou momentâneas. E nessa flexibilização a associação de práticas religiosas distintas que somadas dão forma a um modo muito particular de cultivo da fé, que parte da experiência e não da “racionalização”/institucionalização do contato com o sagrado. A socióloga francesa Danièle Hervieu-Léger chamou este fenômeno de “bricolagem”, porque “a crença não desaparece, ela se desdobra e se diversifica, ao mesmo tempo em que rompem, com maior ou menor profundidade, de acordo com cada país, os dispositivos de se enquadramento institucional”[1].

Se cresceu entre os jovens a identificação com a fé, por outro lado diminuiu a procura pela religião, mas não se abandonou a religiosidade. A estética religiosa está sendo ressignificada, adaptada aos novos contextos e os novos contornos que a fé vai ganhando na pós-modernidade; basta observar a coleção “DG Millennials” da grife italiana Dolce&Gabbana, por exemplo, que usa e abusa de imagens sacras e de elementos litúrgicos da Igreja Católica e que geraram inúmeras referências para o mercado da moda, que se desdobra até as lojas de departamento, maior foco do consumo da maioria da população jovem.

Essa flexibilização da vivência da fé para além dos espaços formais de culto não indica, porém, que não haja momentos de participação, às vezes até contínua. Mas a questão não é a presença e sim a identificação. Permanecer por um tempo não significa pertencer, mas estar para experimentar. Possibilitando estar aqui, ali e lá de acordo com a necessidade e com a experiência que é fornecida naquele momento e em como se está subjetiva e afetivamente naquele momento. O apelo às sensações e aos sentimentos são o grande mote da experiência religiosa neste momento histórico. Não é uma deliberação racional, mas a necessidade de uma catarse emocional, para ajudar a lidar com as angústias e o vazio palpável desta época tão povoada, mas solitária. Ser jovem neste tempo é árduo. Ser é uma tarefa hercúlea.    

Os jovens são um questionamento permanente às Religiões, sobretudo às Igrejas Cristãs tradicionais - e entre elas a Igreja Católica-. Eles são o ponto de interrogação, uma vez que não apenas questionam de forma vazia a dogmática, a eclesiologia e a práxis cristã, mas questionam a partir de quem são e dos anseios que trazem. Os jovens já não olham para elas não como um dever, como no passado, quando se devia ser cristão, porque a moral cristã moldava as posturas; mas olham com uma procura, como busca de algo que lhes surge desde dentro, a partir de uma necessidade, de um desejo; e o desejo é excesso e não falta.

Como responde cada grupo religioso aos anseios e buscas dos jovens é o que determina a presença e a pertença deles, mas não por muito tempo se não dialogar e se adaptar de acordo com as transformações do mundo juvenil, que está sempre em movimento e não cessará, mas permanecerá interrogando.

[1] HERVIEU-LÉGER, Danièle. O Peregrino e o Convertido. A Religião em movimento. Petrópolis: Editora Vozes, 2015. p. 44.

*Gustavo Ribeiro – Mineiro de São Vicente de Minas, residente, por ora, em Belo Horizonte. É bacharel em Teologia pelo Instituto Santo Tomás de Aquino; pós-graduando em Gerenciamento de Projetos pela PUC Minas. Atua como coordenador de pastoral do Centro Franciscano de Defesa de Direitos e coordenador pedagógico da Rede Educafro Minas. E vive na tentativa de ser poeta, mas isto só quando sobra tempo, e quase nunca sobra.

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