quarta-feira, 2 de agosto de 2017

Veneno em troca de votos

domtotal.com
Medida provisória que incentiva o uso de agrotóxicos deve facilitar a liberação de novas substâncias.
MP de Temer deverá alterar profundamente a atual Lei de Agrotóxicos
MP de Temer deverá alterar profundamente a atual Lei de Agrotóxicos (Bente Stachowske/Greenpeace)
Em troca do apoio de parlamentares da bancada ruralista para permanecer na presidência, o governo de Michel Temer promete enviar ao Legislativo, de forma rápida e sorrateira, mais uma Medida Provisória (MP). Dessa vez, o objetivo é tratar da liberação e registro de pesticidas.

A MP prometida por Temer não passou por nenhum processo de consulta pública ou debate com especialistas da área. Na verdade, seu real objetivo é criar um  grande atalho para colocar em prática diversos pontos do Projeto de Lei (PL) 6299/2012, conhecido como o PL do Veneno, hoje em tramitação no Congresso. Entre os principais interesses da bancada ruralista está a exclusão da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), do Ministério do Meio Ambiente e do Ministério da Saúde do processo de liberação e registro para novas substâncias, ficando apenas à cargo do Ministério da Agricultura a decisão final.

A MP também deverá alterar profundamente a atual Lei de Agrotóxicos (Lei 7802/1989) e os critérios de avaliação da nocividade de um agrotóxico, ou seja, ela quer substituir a “análise de perigo” pela “análise de risco”. Na prática, isto significa que os perigos crônicos causados pelos agrotóxicos, como o câncer, que pode surgir de forma tardia por conta de exposições por longos períodos à estas substâncias, passarão a ser ignorados. A nova forma de avaliar consideraria somente o ‘poder’ dos agrotóxicos nos casos extremos, como acidentes.

“Com a MP, Temer colocará em risco a saúde da sociedade para tentar garantir votos no Congresso. As trocas de interesses que tomaram conta de Brasília poderão trazer, principalmente neste caso, um custo muito alto para a população”, critica Marina Lacôrte, da campanha de Agricultura e Alimentação do Greenpeace.

O texto ainda poderá contemplar outra antiga demanda de parlamentares do agronegócio, criando novas regras para a rotulagem de pesticidas, como o fim da obrigatoriedade do uso do símbolo da caveira, que simboliza a toxicidade que qualquer produto químico possui. Essa exclusão mascararia os riscos que os pesticidas oferecem, seja baixa ou alta sua toxicidade.

Outra demanda ruralista que pode ser agraciada pela MP é a flexibilização da lei no sentido de  permitir a aprovação de ingredientes comprovadamente carcinogênicos e teratogênicos, ou seja, relacionados a tumores e mutações. "Isto atualmente já é proibido no Brasil, na Europa e Estados Unidos, pois todos sabem muito bem que não há nível ‘aceitável’ para substâncias que possam vir a causar doenças graves como o câncer". Diz Lacorte.

Segundo dossiê Abrasco (Associação Brasileira de Saúde Coletiva), dos 50 ingredientes mais utilizados no Brasil, 22 já são proibidos em outros países. A MP poderá agravar ainda mais essa situação.

Recordista

Em 2016, o Brasil bateu o recorde de registro de agrotóxicos, com um crescimento de 374% em relação a 2015. O país também já é um dos maiores consumidores de pesticidas do mundo. 

Também em 2016, o Greenpeace testou merendas do município do Rio de Janeiro e constatou que 60% dos alimentos continham algum tipo de resíduo de pesticidas, até mesmo o tradicional combo arroz e feijão. Pior que isso: foram encontrados pesticidas proibidos em 10% das amostras.

Esta é uma situação que parece incomodar a população. Segundo pesquisa IBOPE, 81% dos brasileiros consideram que a quantidade de agrotóxicos aplicados nas lavouras é “alta” ou “muito alta”.

Para o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente (Ibama), a MP pode fazer com que se liberem “produtos problemáticos e que hoje são proibidos por serem potencialmente capazes de causar dano ao meio ambiente ou à saúde humana”.

“Já passou da hora do Brasil reduzir o uso de agrotóxicos. Países como Estados Unidos e a União Europeia já possuem diretrizes que incentivam esta redução, enquanto que por aqui interesses políticos e econômicos estão nos colocando no caminho oposto”, complementa Lacôrte.


Greenpeace

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