sexta-feira, 4 de agosto de 2017

com A vocação religiosa explicada didaticamente

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Diversas pessoas manifestam no seu carisma pessoal nuances desse mesmo aspecto do rosto de Cristo e é a isso que chamamos de carisma de uma ordem ou congregação.
Mas se todos formam a Igreja, o que os diferencia?
Mas se todos formam a Igreja, o que os diferencia? (Aldemar Augusto Ramirez G.)
Por Gilmar Pereira*

Quando se fala em vocação no âmbito eclesial é costume questionar se alguém se casará ou não. Em caso negativo, surge o questionamento se a moça se tornará irmã e se o rapaz será sacerdote. A simplicidade com que se trata do tema revela um grande equívoco, que a freira é a versão feminina do padre. O grande problema está no não conhecimento do que seja a vida religiosa consagrada por grande parte dos católicos.

A grosso modo, podemos falar que a igreja se organiza em comunidades, geralmente estruturadas em torno de uma capela, igreja ou oratório.  Muitas dessas comunidades coincidem com um bairro ou mais. Um conjunto de comunidades forma uma paróquia e o conjunto de paróquias forma a diocese. O pároco é quem guia a paróquia, podendo ser auxiliado por outros padres, chamados vigários paroquiais. O bispo é o pastor da diocese. O bispo de Roma é também o ministro da unidade da Igreja, o papa.

Contudo, há outras estruturas que também compõem a Igreja. Dentre elas destaca-se a Vida Religiosa Consagrada que, de modo geral, divide-se em três tipos: monástica, mendicante e apostólica. Os monges são mais conhecidos. Vivendo na clausura, têm o centro de sua vida na contemplação, ainda que se dividam entre oração e trabalho, como reza o lema beneditino “ora et labora”. Num segundo momento, na história da Igreja, surgiram as chamadas ordens mendicantes, que equilibravam a vida comunitária e de oração às atividades de catequese e de serviço ao próximo, como o são Franciscanos e Dominicanos. Por último, surgiram as ordens e congregações apostólicas, cujo centro está na missão, embora, como todos os outros, tenham a oração como pilar. Assim, quando se fala de jesuítas, salesianos, carmelitas, cistercienses, cartuxos e outros, fala-se de apenas uma família religiosa que pode ser monástica, mendicante ou apostólica.

Há congregações e ordens que têm apenas um ramo masculino; outras, apenas feminino; e ainda, as que têm ramo masculino e feminino. Nos ramos masculinos, pode-se ser ou irmão ou padre; nos femininos, irmã. Vivendo em comunidade, os chamados religiosos ou consagrados têm sua própria hierarquia e estrutura. Estão presentes nas dioceses e com elas colaboram, mas pertencem a uma estrutura própria. Assim, o colégio da congregação Marista não tem a ver com o colégio dos Jesuítas, pois pertencem a instituições diferentes. Quem vê de fora olha tudo e fala, de modo simples, que "tudo é da Igreja”.

Mas, se todos formam a Igreja, o que os diferencia? O fundamental aos religiosos não é nem tanto os votos que professam, geralmente de pobreza, obediência e castidade (algumas fazem outros). O que marca cada uma é uma palavra simples e de uma profundidade imensa, o carisma. No grego, este significa graça e consiste num dom de Deus para o mundo.

Carismas

Criados à imagem de Deus e restaurados na semelhança em Cristo, o cristão é parte do corpo de Cristo, a Igreja. Sua filiação se dá por adoção porque é filho de Deus no Filho Jesus. Assim, cada um trás em si algum aspecto de Cristo e que é chamado a resplandecer no mundo. Esse algo consiste no carisma, o dom de Deus para o mundo que cada qual recebe e o singulariza. Todo indivíduo manifesta algo único do Criador para os demais.

Algumas pessoas despertam de modo fantástico para o próprio dom e o realizam exemplarmente no mundo. Esse carisma impregna sua vida e se mostra em vários momentos da própria história. Assim acontece com os fundadores de ordens e congregações, cuja vida exala um modo singular e característico de ver, sentir e se fazer presente no mundo, mostrando algo novo do rosto de Deus revelado em Jesus. Esse algo é amplo e não cabe sozinho na vida de alguém. Por isso, diversas pessoas manifestam no seu carisma pessoal nuances desse mesmo aspecto do rosto de Cristo e é a isso que chamamos de carisma de uma ordem ou congregação. Diversas pessoas, que sentem em si o pulsar de um aspecto do divino, reúnem-se, congregam-se, para viver mais plenamente esse aspecto de Deus que torna similar os dons particulares. Os precursores desse modo singular de vida são os fundadores das congregações e ordens, mas o carisma não se esgota neles, é vivido e manifestado em suas múltiplas formas em cada membro.

Por isso, ninguém entra em uma ordem ou congregação para aprender um carisma. Carisma não é missão, mas o espírito com o qual esta é vivida. Não se adquire um carisma, desperta-se para ele. Quem se sente chamado à vida como jesuíta, franciscano ou beneditino já tem esse carisma em si, como em gérmen. Cabe à instituição religiosa colaborar para o florescimento dessa vocação que já existe. Compreender isso permitiria perceber que o processo vocacional deve começar com a pergunta: “Quem eu sou?”. Só a partir daí é que se pode colocar as outras duas: “Como posso realizar melhor esse ‘quem eu sou’?” e “Onde isso pode ocorrer?”.

A questão não é ser padre ou freira, mas realizar em si a imagem e semelhança de Deus. Daí se pode colocar a questão de ser casado ou solteiro, em comunidade ou sozinho, como padre ou irmão ou leigo ou diácono, como religioso ou diocesano, casado ou solteiro, leigo consagrado ou não, como irmã religiosa ou leiga consagrada ou leiga secular, como profissional no mundo do trabalho  ou vinculado a alguma ordem terceira, etc. Há inúmeras formas de consagração e que podem assumir diversos tipos de missão, mas o fundamental é sempre despertar para o dom de Deus em si.

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*Gilmar Pereira é mestre em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP, graduado em Filosofia pelo CES-JF e em Teologia pela FAJE. Apaixonado por arte, cultura, filosofia, religião, psicologia, comunicação, ciências sociais... enfim, um "cara de humanas". Escreve a 'Dica da Semana' às sextas-feiras no Dom Total.

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