segunda-feira, 14 de agosto de 2017

A saga da mulher provisória

domtotal.com
Agora ela imagina estar numa fase de total paz e produtividade.
Agora ela anda na verdade buscando um lugar que tenha  uma linda área verde.
Agora ela anda na verdade buscando um lugar que tenha  uma linda área verde. (Reprodução)
Por Ricardo Soares*

São tempos difíceis eu sei. Ela também sabe. E sem muita garantia do amanhã vaga entre quartos das amigas, o carro velho cheio de malas cheias parado em garagens esquisitas. Mas está feliz e tem ciência que quando você entra na casa de um amigo ou amiga, todos são obrigados a conviver com belezas e esquisitices de cada um. Cada um tem suas prioridades, e ela anda correndo atrás das delas. Sem meias verdades, sem dias vindouros. Só os de agora.

Na vida dela tudo sempre foi provisório. E por ser provisório e eu não saber imaginei um dia tê-la conhecido. Ledo engano. Ela já vagou por Campo Grande, Buenos Aires, Cuiabá, Brasília, São Paulo. Flerta com o Rio de Janeiro e com Belo Horizonte e sua concepção de felicidade é achar um parceiro que aceite a eterna gangorra das suas emoções. Um dia  sobe para dois dias depois tudo descer.

Tentar entende-la é desperdiçar energia. Aquela alegria verdadeira,  iluminada, sussurra por dentro que tudo mais pode dar errado se a gente insistir com ela. Na maioria das vezes não é paranóia imaginar que ela está sempre procurando. Afinal ela sempre procura e na busca não se avexa em ficar em distintas  residências, sempre como convidada. Apesar de pouco  sofrimento, de estar no mesmo ambiente com quase estranhos ela  chora lutos, faz confidências e destila fantasias e se alimenta de uma falsa lealdade que dedica a quase estranhos.

A sua beleza é irrelevante. Há dias em que acorda tão linda que até chega a doer. E em outros nos assusta com seus moletons frouxos e seus chinelos com meias puídas. Nunca aprenderemos suas contradições e quem insistir, repito, estará frito.

Agora ela imagina estar numa fase de total paz e produtividade. Sai pela cidade que adotou fotografando pessoas e lugares. Vende poucas fotos, almoça em lugares baratos, deixou de comer carne e foi procurar alento na yoga de boutique, aquela que é ensinada em salões meio escuros de hotéis caros em "convenções" de fim de semana.

Agora ela anda na verdade buscando um lugar que tenha  uma linda área verde, onde vivam também meia dúzia de artistas para que seu corpo entenda que  pode relaxar. Não quer baratas invadindo o quarto, detesta baratas, mas não há de reclamar se receber a visita de alguns besouros. 

Ela procura oportunidades, paz, algo que ajude sua  sensibilidade que anda bem aguçada. Quer estar em paz, entender o outro com mais clareza, longe dos pessimismos. Quer  delimitar espaços com serenidade  em todas as novas  relações e no trabalho. O segredo, diz , "está em parar de se agredir". Ela começa a achar que a felicidade está intrinsecamente relacionada a auto-estima. E isso inclui, é certo, uma dose cavalar de egoísmo. Porque para sobreviver ela passa por cima dos sentimentos amorosos que desperta. Tem hora que o que importa é só a gente mesmo. É o que ela acha. São tempos difíceis. Ela sabe mas eu também sei.

* Ricardo Soares é diretor de tv, escritor, roteirista e jornalista. Dirigiu 12 documentários e publicou 8 livros. Escreve às segundas e quintas no DOM TOTAL.

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