sábado, 29 de julho de 2017

Um Francisco chamado Papa

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O poder de Francisco em um planeta comandado por demônios de diferentes infernos.
A repercussão mundial do Papa é de causar inveja em qualquer Mick Jagger.
A repercussão mundial do Papa é de causar inveja em qualquer Mick Jagger. (Reprodução)
Por Altino Filho*

A avalanche de questões urgentes que desce a montanha da história impede, muitas vezes, que a maioria pare e reflita sobre mais um assunto importante e também incrivelmente contemporâneo: o real papel da Igreja e, principalmente, o grau de protagonismo do Papa Francisco.

“Não há fogo no inferno. Adão e Eva não são reais”, disse o Pontífice recentemente.

Iconoclasta, o Papa tem quebrado vários paradigmas, e discussões milenares sobre aborto, casamento gay, permissão para o sacerdócio feminino e até mesmo o reconhecimento de outras seitas e religiões como o candomblé e a umbanda entram hoje na pauta de Francisco.

Realizei uma breve pesquisa no facebook para colher impressões de amigos, colegas – e também de desconhecidos – sobre o que achavam da gestão do atual chefe da Igreja Católica e o resultado é de causar inveja em qualquer Mick Jagger. O Papa Francisco se mostrou queridíssimo, próximo dos fiéis, um tipo simpático e, de certa forma, franco, mesmo que alguns apontem a onda reacionária vivida hoje no mundo – o que faz do Papa uma grata surpresa. Vamos a alguns comentários do face:

… “quando, entre os líderes mundiais, o mais progressista é o Papa, é porque estamos de fato vivendo uma onda reacionária”. Outro: “é o que tem de mais moderno na política mundial hoje” ou ainda: “O Papa Francisco é o sinal de que, apesar das aparências, estamos ingressando numa era regenerativa da Humanidade. A exemplo de Jesus e Francisco de Assis, ele tem profunda compaixão pelos oprimidos”.

Descobri também que alguns amigos continuam em plena forma, e não engolem essa simpatia papal assim tão facilmente. Olha só o que eles dizem: “Acho patético a Humanidade crer em um homem que representa Deus na Terra. Ainda mais vindo dessa instituição luxuriosa chamada Igreja Católica”. Mais uma: “Acho que ele vai admitir que Jesus é uma lenda útil e assim acabará com a Igreja Católica. O Vaticano vai ser vendido para o Google e toda noite haverá raves de católicos perdidos naquela Praça de São Pedro”. Ou, uma mais lacônica e direta: “Na seca: Papa da Igreja Católica”

Minha formação também não foi lá muito benta, apesar de ter passado longos anos estudando em colégio de padre. Lá o aprendizado era outro mas, aqui fora, tudo o que me dizem sobre a história da Igreja Católica não tem nada de divino. As inquisições e suas fogueiras, as traições, o fausto vivido por cardeais em detrimento da miséria de muitos, as manipulações maniqueístas para encarcerar o rebanho, a resistência a uma nova doutrina, as mentiras, o marketing católico, a reclusão covarde nos períodos de guerra, a pedofilia, os excessos do banco do Vaticano, e o engavetamento de tantas demandas apresentadas por aqueles que acreditam em Deus, na existência de Jesus e na representação Dele pela ‘Casa’ fundada por Pedro.

Santo Agostinho era um hábil articulador e formador de opinião. Ele dizia que é “preciso crer para compreender, e compreender para crer”. Propaganda? “É dando que se recebe”, dizia o homem que doou seu nome ao argentino. Hipocrisia? Para não ficar balançando pra lá e pra cá como um turíbulo louco procurei logo ligar para o católico Patrus Ananias, que além de ser um homem atento aos movimentos de Francisco, foi também prefeito de Belo Horizonte e ministro de Estado.

“Considero que o testemunho admirável do Papa Francisco se dá no nível de suas ações e de suas reflexões. No plano das ações práticas considero que uma das realizações mais importantes são os encontros com os movimentos sociais. Já foram realizados pelo menos três, com a participação de lideranças e militantes brasileiras e brasileiros representantes de entidades e movimentos sociais do nosso país como o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra. O discurso do Papa no último encontro é um dos documentos mais anunciadores e proféticos que já li, defendendo a importância da organização dos pobres e apresentando os males do capitalismo dissociado dos valores que protegem e promovem a vida, a justiça social e o bem comum”, se animou Patrus.

Aliás, a urgência de uma construção de um novo modelo econômico, menos excludente e mais solidário, é algo que o Papa Francisco gosta de reiterar e que Patrus lembrou em seu testemunho. “No plano das reflexões mais teóricas, mas sempre comprometidas com a realidade da vida das pessoas, das famílias, das comunidades, das nações, da humanidade, encontramos dois textos esplêndidos que carecem ser lidos e meditados. A alegria do Evangelho e a Laudato Si – sobre os cuidados com nossa casa comum (meio ambiente). Na primeira publicação, Francisco faz uma duríssima advertência às forças econômicas que movem o chamado mercado que põe o dinheiro como o valor fundamental em detrimento da vida em suas múltiplas e misteriosas manifestações e da dignidade de toas as pessoas humanas”, revela Patrus Ananias.

E continua: “O Papa questiona igualmente os limites do individualismo apontando na perspectiva integrada, holística, transversal. Já a Laudato Si, na opinião de renomados pensadores, ambientalistas e teólogos é um dos mais luminosos textos de toda a tradição cristã”, nos informa o ex-prefeito de Belo Horizonte.

Me lancei nesta aventura de lembrar do Papa Francisco por também gostar dele. Mais do que defender ou execrar uma instituição tão antiga e polêmica quanto a Igreja (até porque não faria nenhuma diferença para padres e freiras do mundo todo) a intenção aqui é o exercício do olhar sobre o novo. Esse Papa chamado Francisco é realmente um homem necessário nos dias de hoje, e sua perspectiva moderna diante dos assuntos mais variados, funciona como um bálsamo para o mundo. Em um planeta comandado por demônios de diferentes infernos, há sim um Francisco dizendo que podemos – e devemos – mudar. Só falta agora ele convencer Deus e o mundo.

*Altino Filho é jornalista e colaborador do jornal digital "O Beltrano" desde sua estreia, onde este texto foi originalmente publicado.

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