sexta-feira, 28 de julho de 2017

Envelhecer com qualidade: a velhice como poesia

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Houve épocas em que ancianidade era vista como bênção.
O envelhecimento pode ser menos doloroso, em suas marcas reais nos corpos das pessoas, se o cuidado que nasce do amor for uma realidade pulsante.
O envelhecimento pode ser menos doloroso, em suas marcas reais nos corpos das pessoas, se o 
cuidado que nasce do amor for uma realidade pulsante. (Divulgação Pixabay)
Por Felipe Magalhães Francisco*

Não há romantismo na velhice. Envelhecer, tal como crescer, dói. Numa cultura na qual se nega a morte, o envelhecimento é verdadeiro terror: denota fracasso, inutilidade. Houve épocas em que ancianidade era vista como bênção: um dos sinais de que a pessoa havia recebido a graça divina, na Bíblia, por exemplo, era morrer em idade avançada. A sabedoria era creditada aos velhos. Tal cultura deixou algumas marcas em nós, mas ainda que ninguém queira morrer, a velhice é vista com mal olhos: o que se espera é uma juventude eterna. Infinitas plásticas, implantes capilares e similares, como promessas – incumpríveis – de uma juventude prolongada.

Até mesmo a palavra “velho” já não tem mais lugar: é condenada. Com Rubem Alves, somos adeptos de que essa palavra saia da clausura. Ainda que envelhecer traga suas dores, é possível que o envelhecimento, mais que uma constatação de que uma pessoa seja idosa e dependa de cuidados, possa ser com qualidade e trazer alegrias. O entardecer da vida, tal como um crepúsculo, tem sua poesia: o reunir de histórias, encontros que marcam profundamente o ser, e que dignificam a vida. E esse arcabouço poético demanda a sensibilidade dos que ainda não chegaram nessa fase da vida: transformações precisam ser lentas e com sentido. Aos jovens, a paciência, nesse caso, vale ouro.

A velhice só será poética, no entanto, se for cercada de amor. Se a velhice é negada, os velhos são deixados de lado. Numa sociedade na qual a expectativa de vida se prolonga, os abandonados não são apenas as crianças, mas também os idosos. Asilos, que agora têm outros nomes, mais amenos, são empreendimentos da moda. E mesmo que os cuidadores nesses lugares sejam atenciosos e prestativos, a solidão é uma sombra que não se dissipa, nem com as raras visitas semanais dos familiares. As doenças que causam esquecimento nos idosos, diante desse cenário de reclusão num lar que não lhes pertence, soa, absurdamente, como uma bênção. Circunstâncias que levam as famílias a hospedarem seus idosos nesses estabelecimentos são muitas. Algumas até mesmo compreensíveis, vitais.

Contudo, é preciso, de todas as formas e em quaisquer circunstâncias, humanizar as relações: tocar o coração das pessoas significa, entre outras coisas, contribuir para o constante florescimento da dignidade de suas vidas e de suas histórias. O envelhecimento pode ser menos doloroso, em suas marcas reais nos corpos das pessoas, se o cuidado que nasce do amor for uma realidade pulsante. A delicadeza e a sensibilidade sempre serão formas de amenizar sofrimentos e de deixar que a vida se enobreça. Cultivar, já nas crianças, o amor e o respeito pelos velhos, tornará nossa sociedade mais humana, formada por pessoas sensíveis e que reconhecem, naqueles que nos precedem na vida, uma fonte sapiencial que nos ensina o bem-viver. Que almejemos, tal como o salmista, saber contar os nossos dias, de maneira que alcancemos um coração sábio (cf. Sl 90,12), aos modos que só os velhos conseguem!

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*Felipe Magalhães Francisco é teólogo. Articula a Editoria de Religião deste portal. É autor do livro de poemas Imprevisto (Penalux, 2015).

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