quarta-feira, 5 de julho de 2017

Desrespeito aos direitos da personalidade

domtotal.com
"Opinião" e "piada" podem ofender e gerar consequências jurídicas sérias, no âmbito cível e criminal.
Abusos na liberdade de expressão podem causar danos aos direitos da personalidade, também protegidos constitucionalmente.
Abusos na liberdade de expressão podem causar danos aos direitos da personalidade, também protegidos constitucionalmente. (Divulgação)
Por Renato Campos Andrade*

Comentários e críticas feitas na mídia são temas recorrentes nas redes sociais e que têm refletido pelos tribunais do país. Até que ponto se pode comentar, criticar ou fazer uma brincadeira com uma pessoa? Quando se ultrapassa a liberdade de expressão, informação e se passa ao dano à personalidade passível de reparação pecuniária?

Três casos assim, que se tornaram famosos, são: Mônica Iozzi x Gilmar Mendes; Rafinha Bastos x Vanessa Camargo e Danil Gentili x Maria do Rosario. Em comum, foram ditas coisas na mídia cujos citados se sentiram ofendidos e instauraram ou ameaçam instaurar procedimentos judiciais com pedidos de reparação por danos morais.

No primeiro caso, vale a leitura do artigo Liberdade constitucional de expressão x direito da personalidade, do advogado, mestre em Direito e pós-graduado em Direito Empresarial, Vinícius Horta de Vasconcelos Raso. Ele relembra o histórico nacional de censura, especialmente durante a ditadura militar.

“Resumidamente, a liberdade de informação diz respeito ao direito individual de comunicar livremente fatos e ao direito difuso de ser deles informado, a liberdade de expressão, por sua vez, destina-se a tutelar o direito de externar ideias, opiniões, juízos de valor ou qualquer manifestação de pensamento. A liberdade de informação, como forma mais restrita do termo, está inserida no escopo mais amplo da liberdade de expressão e, enquanto na primeira o interlocutor deve se pautar pela verdade, não se cogita esse requisito quando se cuida de liberdade de expressão”.

Conforme Vinícius Horta de Vasconcelos Raso, há ainda um terceiro termo que também tem assento constitucional: a liberdade de imprensa que, a rigor, designa a liberdade reconhecida aos meios de comunicação em geral de comunicarem fatos e ideias, que envolve tanto a liberdade de informação como a de expressão.

No caso Monica Iozzi e Gilmar Mendes, a atriz foi condenada a pagar uma indenização de R$ 30 mil ao ministro em razão de uma publicação no Instagram. O comentário criticou uma decisão do ministro que determinou a soltura de um réu, mesmo tendo sido condenado a 278 anos de prisão. O pedido de reparação feito pelo ministro foi de R$ 100 mil.

Outro caso interessante se deu com o humorista Rafinha Bastos e a cantora Wanessa Camargo. Este episódio foi analisado pelo advogado, graduado pela Dom Helder Escola de Direito, pós-graduado em Advocacia Cível, especialista em Direito Militar, especialista em Direito Penal e Processo Penal Militar, Carlos Henrique Floriano Neto, no artigo Direito de informação x direito da personalidade. Rafinha Bastos fez uma “brincadeira” com a cantora ao dizer que “comeria ela e o bebê” na época que ela estava grávida.

Ele afirma que a imprensa é livre para divulgar informações, críticas, sustentar posições, não para divulgar inverdades, ofensas ou fazer apologias, devendo ser duramente responsabilizada quando isso acontecer. Não se trata, portanto, de liberdade ilimitada. “Uma vez ignorados e violados qualquer um dos limites acima, como aconteceu no caso envolvendo o humorista Rafinha Bastos e a cantora Wanessa, os danos serão reparados. A construção de uma imagem pode levar uma vida. A manutenção dessa imagem pode levar até uma eternidade. Agora, destruir uma imagem é questão de segundos, para nunca mais recuperá-la”.

Por fim, chega-se ao caso mais recente, entre Danilo Gentili e Maria do Rosário, abordado pela advogada, professora e jornalista, Kátia Gontijo Ferreira, no artigo Direito à informação x direitos da personalidade no caso Danilo Gentili x Maria do Rosário. Neste caso, o humorista e entrevistador divulgou nas redes sociais um vídeo em que aparece rasgando e esfregando nas partes íntimas uma notificação enviada pela deputada federal.

Segundo ela, o Código de Ética do Jornalista assegura em seu artigo 10 que a “opinião manifestada em meios de informação deve ser exercida com responsabilidade”. “Isso quer dizer que Gentil deve avaliar com o mais cuidado o que diz e a quem provoca em suas ofensas, pois, além de todo o ordenamento legislativo comum a todos, ainda há o Código de Ética do Jornalista, que é orientação obrigatória para quem exercer a profissão”.

Diante do ato de Gentili, ela frisa que apura-se “a prática de crimes contra a honra (injúria e difamação), crime de ultraje público ao pudor (ato obsceno) e crime contra a administração pública (desacato). O cometimento desses crimes é passível de condenação na esfera penal e pode gerar, também, dano material na área cível, pois a sentença penal é título judicial”. Conforme Kátia Gontijo Ferreira, esse episódio entre o jornalista e a parlamentar é uma oportunidade para que se possa analisar o limite do direito à vida privada, imagem e honra e a liberdade de expressão.

Ainda não existe procedimento judicial condenatório, mas parece razoável acreditar que Gentili tem uma grande probabilidade de ser condenada a reparar civilmente a Maria do Rosário.

Nos três casos citados, parece clara a extrapolação da liberdade de expressão frente à ofensa causada à pessoa citada. Desta forma, fica um alerta a todos que se utilizam dos meios midiáticos para que o façam de maneira responsável e razoável.

Esclareça-se que os casos citados são famosos porque envolveram pessoas conhecidas, mas tais hipóteses podem ocorrer com pessoas “comuns”, desconhecidas e terem as mesmas consequências.

“Opinião” e “piada” podem ofender de verdade e gerar consequências jurídicas sérias, no âmbito cível e criminal.


Sugestão de pauta

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*Renato Campos Andrade é advogado, professor de Direito Civil e Processo Civil da Dom Helder Escola de Direito, mestre em Direito Ambiental e Sustentabilidade, especialista em Direito Processual e em Direito do Consumidor.

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