quarta-feira, 12 de julho de 2017

Cardeal Farrell: é hora de por em prática o ensino do Vaticano II sobre os leigos

domtotal.com
O novo estatuto do dicastério exige que os leigos qualificados ocupem a maioria dos lugares chave.
Os jovens debatem durante uma conferência em Roma, em 6 de abril, na preparação para o Sínodo da Juventude.
Os jovens debatem durante uma conferência em Roma, em 6 de abril, na preparação para o Sínodo da Juventude. (CNS)

Por Gerard O'Connell*

"Este é um momento na vida da Igreja, onde podemos realmente tentar implementar o que o Concílio Vaticano II já falou sobre o papel dos leigos na Igreja", disse o cardeal Kevin Farrell em uma entrevista exclusiva à revista América em seu escritório em Roma.

A implementação "foi atenuada às vezes por várias razões", afirmou o prefeito do Dicastério para os Leigos, a Família e a Vida. "Houve um mal-entendido e uma confusão em torno disso. No passado, passamos muito tempo lutando entre nós. Eu acho que perdemos muita coisa e passamos muito tempo lutando internamente, mas acho que agora é o momento certo". Como chefe deste departamento do Vaticano desde o dia 17 de agosto de 2016, o Cardeal Farrell está agora em posição de levar os leigos a posições de liderança na Igreja.

"Os leigos têm uma vocação a cumprir na Igreja e sou um firme crente de que seu futuro depende deles. Sempre senti a necessidade de promover os leigos na Igreja e em sua organização", afirmou.

O ex-bispo de Dallas disse que estamos em um momento "kairótico" para os leigos na Igreja, e o Papa Francis concorda.

O Papa Francisco telefonou para ele em Dallas, em maio de 2016, para perguntar se levaria a cabo o trabalho. "A primeira vez que ele telefonou, falamos em espanhol. De alguma forma, ele sabia que eu falava espanhol e foi muito agradável", lembrou o cardeal. "Eram perto das 9 horas da manhã, nunca vou esquecer. Ele me contou o que estava pensando e eu disse a ele que achava que estava cometendo um erro. Eu já estava muito velho e não conseguia me pensar trabalhando em Roma. Mas ele disse: "Olha, quero que você pense nisso, quero que você discirna sobre isso. Volto a ligar em alguns dias". Ele retorno a ligar três dias depois e eu tinha minha lista de cinco razões pelas quais eu não deveria ir a Roma. Então ele me disse: "Bem, talvez possamos sentar e conversar". Então eu vim para Roma e me encontrei com ele em Santa Marta. Conversamos por uma hora, uma hora e meia. Então aqui estou!".

O cardeal americano nascido na Irlanda não se arrepende de aceitar a nomeação do papa. "Eu acho diferente", disse ele sobre seu novo papel. "Toda a minha vida, trabalhei em um ambiente diferente, com uma maneira diferente de fazer as coisas. De muitas formas, é muito difícil voltar para a terra natal, voltar para casa. As coisas acontecem muito rápido nos Estados Unidos. Uma notícia tem vida útil de cerca de três minutos. Aqui continua e continua. Eu acho que significa uma mudança de cultura, mudança na maneira de fazer as coisas. Obviamente houve uma mudança. Até então eu só tinha mudado de Washington, D.C., para Dallas, Texas, e dessa vez foi uma enorme mudança cultural".

O cardeal Farrell teve várias reuniões privadas com Francisco desde que chegou a Roma. "Toda vez que o encontro em cerimônias ou eventos, ele sempre vem e me pergunta como as coisas estão indo", disse ele. "Ele está muito interessado em saber como as coisas vão".

O novo estatuto do dicastério exige que os leigos qualificados ocupem a maioria dos lugares chave. O prefeito deve ser um cardeal, mas o secretário (o papel do número dois) pode ser um leigo. Mas, o cardeal disse: "A pessoa que dirige o escritório de leigos tem que entender tudo sobre movimentos dentro da lei da igreja e do cânon".

Em 31 de maio, Francisco nomeou um sacerdote brasileiro de 46 anos, o Pe. Alexandre Awi Mello, diretor nacional do movimento Schoenstatt no Brasil, como secretário. Ele atuou como tradutor do Papa durante a Jornada Mundial da Juventude 2013 no Rio de Janeiro.

Uma seção do dicastério trata da família, e o cardeal disse que "gostaria de ter um homem casado ou uma mulher casada e que tenha família para dirigir esse escritório porque teria mais credibilidade. Além disso, você tem que ter uma pessoa responsável que entenda sobre a vida e a família, a moral e tudo mais, mas você precisa de pessoas qualificadas. Você não pode simplesmente colocar alguém lá e dizer: Este é o seu trabalho. Você tem que aprender agora".

Em 2 de maio, o papa nomeou Marta Rodríguez da Espanha, uma mulher consagrada da Regnum Christi (o grupo leigo dos Legionários de Cristo) e diretora do Instituto Superior de Estudos da Mulher da Universidade Pontifícia Regina Apostolorum em Roma, como diretora do escritório para questões da mulher.

"Foi uma luta para encontrar leigos competentes para preencher esses cargos", disse o cardeal Farrell, e isso é particularmente verdadeiro, pois ele quer internacionalizar o dicastério. Mas ele já identificou pessoas adequadas e espera preencher as posições-chave até meados de setembro. Isto é especialmente importante, uma vez que existem dois grandes eventos internacionais no horizonte que requerem contribuições substanciais do seu dicastério: o Encontro Mundial das Famílias em Dublin, de 22 a 26 de agosto de 2018, e a Jornada Mundial da Juventude em Panamá que acontecerá entre os dias 22 e 27 de janeiro de 2019.

O departamento agora liderado pelo cardeal Farrell foi criado a partir da fusão de três diferentes conselhos (os leigos, a família e a vida). "Eles fizeram um trabalho maravilhoso por muitos anos", disse ele. "Mas agora precisam uma mudança de mentalidade e a habilidade para se adaptar à realidade da vida pastoral da igreja hoje. As coisas se movem muito mais rápido no mundo hoje do que no passado, e acho que precisamos nos deparar um pouco com isso. É necessária uma mudança de cultura, no que diz respeito ao que fazemos e como fazemos isso”.

Explicando a mudança de cultura necessária, o cardeal disse: "Precisamos ser, como diz o Papa Francisco, uma Igreja em saída, uma Igreja missionária. Precisamos ouvir o que está acontecendo, assimilar o que os bispos nos dizem e não ter respostas prontas. Às vezes, no passado, nós [os funcionários do Vaticano] estávamos dispostos a responder e a dizer aos bispos o que fazer em uma dada situação. Tendo estado do outro lado, eu fiquei de alguma maneira chateado quando vinha [para Roma] e alguém nos dava um discurso e nos dizia o que fazer, mesmo quando nunca estiveram na fronteira no sul do Texas.

 "O Papa Francisco quer que escutemos o povo e dialoguemos", afirmou o cardeal Farrell. Ele explicou isso à equipe de seu departamento em preparação para as visitas de ad limina com bispos de todo o mundo e disse que "embora possa haver problemas que recebemos dos relatórios sobre os quais gostaríamos de comentar", não é A tarefa dos funcionários do Vaticano "dizer às pessoas o que fazer em determinadas situações". As visitas ad limina "são um encontro com os bispos, uma discussão com eles, buscando incentivá-los em seu trabalho de ser uma igreja que escuta".

"Amoris Laetitia", Exortação pós-sinodal do papa Francisco  sobre a família, "será o plano" para o Encontro Mundial das Famílias, disse o cardeal. Com base nos comentários que recebeu dos bispos em pelo menos oito visitas ad limina, ele acredita que o documento está sendo bem recebido. "Ninguém teve alguma coisa negativa a respeito de 'Amoris Laetitia'. Está indo muito bem na igreja", disse ele.

O cardinal Farrell sabe que há "alguns que discordam", mas comentou: "haverá pessoas que discordam de todos os documentos que já publicamos, como aconteceu no Vaticano II. Quando a 'Populorum Progressio' foi publicada, imagina os desacordos que houve então. Naquela época, eu era padre na Arquidiocese de Washington, lembro-me bem. E, até hoje, falam sobre ‘Humanae Vitae’".

Nos Estados Unidos, ele disse: "A maioria dos bispos recebe a encíclica, mas há alguns que tem medo de se abrir para uma igreja mais acolhedora, mais Misericordiosa e assim por diante. Eu acho que às vezes eles gostam das coisas em branco e preto, mas a vida humana nem sempre é assim. Queremos respostas prontas, respostas simples para cada pergunta, mas não estão lá, na encíclica". Para uma reflexão adequada, ele recomendou que as pessoas lessem os capítulos um ao sete de "Amoris Laetitia" antes de chegar ao capítulo oito, que aborda a questão da comunhão para os católicos divorciados e que se casaram novamente.

O Cardinal Farrell prevê que a Jornada Mundial da Juventude no Panamá "será fantástica porque está em uma localização única". O local também permite a participação "dos jovens da América Central que não teriam a possibilidade de ir a um Dia Mundial da Juventude". Ele espera que seja "um momento que traga certo senso de solidariedade e fraternidade entre os jovens, como aconteceu no Rio e na Cracóvia, e isso seria muito bom para os países da América Central". Ele espera "um dos efeitos será trazer a paz, inclusive trazer a fraternidade entre todos os países da América Central".

O Papa Francisco "será uma grande atração, e esperamos e oramos todos os dias para que ele esteja lá. Ele está com muita saúde agora e espero que ele continue assim", disse o cardeal.

O Papa Francisco deixou claro que "ele quer estar perto dos jovens neste evento", disse o cardeal Farrell. "Além disso, ele convocou o sínodo para os jovens, ele quer ouvi-los, quer saber o que eles pensam e quais são suas preocupações. E ele espera que as conferências dos bispos em todo o mundo encontrem maneiras de fazer com que os jovens respondam ao questionário que o escritório do Sínodo enviou".

O Cardeal Farrell, conhecendo mais de perto o Papa Francisco, conclui a entrevista pedindo sua aceitação, Francisco é o primeiro Papa das Américas. Ele apontou que o Papa: "é muito pensativo, profundamente espiritual, atencioso e envolvido. Ele me impressiona. Eu diria que poucas pessoas na minha vida realmente me impressionaram no sentido de ser cristão, ao modo de Cristo. Ele está no topo da lista no meu livro. As pessoas têm suas próprias ideias e seus próprios conceitos de pessoas como a Madre Teresa, mas posso dizer que poucas pessoas já me impressionaram de maneira cristã como o Papa Francisco".

"Ele não é uma pessoa da mídia. Ele não é um showman. Mas o que ele faz, a maneira como ele acolhe uma criança ou a maneira como ele lida com os doentes, ou com todos, quando está falando com você, você parece a única pessoa no mundo com quem ele tem que se preocupar. É por isso que ele é tão popular, e é isso que atrai e é o que traz as pessoas de volta à igreja".

America
*Gerard O'Connell é o correspondente do Vaticano na revista America .

Nenhum comentário:

Postar um comentário