terça-feira, 13 de junho de 2017

Ninguém vê o Cordeiro?

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O perigo é ficarmos numa piedade exterior dos ritos, símbolos, alfaias, tapetes e ostensórios, e não alcançarmos a experiência radical do encontro com Jesus Cristo.
A eucaristia que a Igreja celebra é o Memorial, sinal sensível e sacramental da Morte e Ressureição de Jesus Cristo.
A eucaristia que a Igreja celebra é o Memorial, sinal sensível e sacramental da 
Morte e Ressureição de Jesus Cristo. (Divulgação)
Por Tânia da Silva Mayer*

As semanas vão passando e o ano vai chegando ao meio. Também por causa do caos social que vivemos, há forte sensação de estarmos no meio no mundo, numa espécie de inércia. E é desse lugar de conflitos que podemos vislumbrar as luzes que a fé nos lança bem no meio deste mês, no limiar da segunda quinzena de Junho, e que pode nos ajudar a passar com sentido por todos os acontecimentos que sucedem em torno a nós. O autor do Apocalipse advertia os cristãos e as cristãs a serem quentes ou frios, nunca mornos (Ap 3,15-16). Estar em cima do muro não é lugar adequado para quem crê. Os cristãos e as cristãs, devemos tomar partido, realizar escolhas, fazer opções. Só assim a inércia do meio pode ser substituída por um processo dinâmico de inclusão, tal como Jesus desejava ao exortar: “Levanta-te! Vem para o meio!” (Mc 3,3).

E por falar em Jesus, há um feriado exclusivo no calendário civil, programado para esta semana, em virtude da sua Memória. E é bem verdade que uma Memória de Jesus, promovida pelo Espírito Santo em nós, é, ou deveria ser, vislumbrada no exercício da fé de crentes e de suas religiões. Em diversos lugares do nosso Estado, as ruas serão enfeitadas com belíssimos tapetes de serragem, normalmente elaborados por fiéis voluntários, que atravessam a madrugada confeccionando verdadeiras obras de arte. É tudo de uma boniteza sem tamanho. Tudo feito com muito amor, para que uma procissão com o Santíssimo Sacramento possa passar pelas ruas, por alguns momentos, gozando de nobre dignidade. Essa experiência é vivida por milhares de pessoas na Festa de Corpus Christi, não só em Minas Gerais, mas em muitos lugares de nosso país.

Mas como nem tudo são flores, há enorme risco dessa experiência não alcançar o que está além das aparências. O perigo é ficarmos numa piedade exterior dos ritos, símbolos, alfaias, tapetes e ostensórios, e não alcançarmos a experiência radical e profunda do encontro com Jesus Cristo, Crucificado-Ressuscitado. Precisamente, a celebração do Corpo e Sangue de Cristo quer nos ajudar, após o Ciclo Pascal, a tomarmos a consciência da entrega solidária de Jesus pela vida do mundo. Entrega que é consequência do amor desmesurado. A beleza do artesanato e dos festejos de Corpus Christi devem possibilitar-nos adentrar o Mistério fundante da nossa fé, a ação de graças que Jesus Cristo eleva ao Pai na entrega mesma da sua vida - corpo e sangue. Mas para que isso se realize, nossas liturgias e manifestações religiosas precisam ser verdadeiros espaços nos quais Jesus seja recordado como alguém, um amigo que nos comunicou uma Vida Nova em sua Páscoa.

Precisamente, a eucaristia que a Igreja celebra é o Memorial, sinal sensível e sacramental da Morte e Ressureição de Jesus Cristo. Pão e Vinho são Corpo e Sangue de Jesus, pelos quais, ao nos alimentarmos deles, manifestamos nossa adesão ao projeto e a missão do Mestre de nossas vidas. Por isso, a eucaristia deveria provocar em nós nossa responsabilidade de cristãs e de cristãos comprometidos com o Reino de justiça, paz e liberdade para todos, onde não há acepção de pessoas e todos são convidados a virem para o meio, para a profética luta contra a idolatria das injustiças contra os menores do povo. Nessa esteira, é sábia a canção que nos leva à mesa da eucaristia afirmando que “comungar é tornar-se um perigo”.

Nesse sentido, que a eucaristia que celebrarmos possa conduzir-nos mistagogicamente ao encontro com o pobre Jesus de Nazaré, o Cordeiro imolado por amor das ovelhas, com o qual nos encontramos no Sacramento do altar e no Sacramento das esquinas do mundo. Desse modo, não seremos perenemente denunciados de nossa idolatria pelo Eu-lírico de Missa das 101.

“Ninguém vê o Cordeiro degolado na mesa,
o sangue sobre as toalhas,
seu lancinante grito,
ninguém.
Nem frei Jácomo”.
[1] PRADO, Adélia. O Pelicano. Rio de Janeiro: Record, 2007, pág. 37.

*Tânia da Silva Mayer é mestra e bacharela em Teologia pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia – FAJE; graduanda em Letras pela UFMG. Escreve às terças-feiras. E-mail: taniamayer.palavra@gmail.com.

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