quinta-feira, 15 de junho de 2017

A criança não é um adulto em miniatura

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Mercadoria barata e muito lucrativa, as crianças juntamente com as mulheres, eram a mão-de-obra mais explorada no final do século XVIII.
Em pleno século XXI crianças e adolescentes, principalmente negras e da periferia, continuam exploradas.
Em pleno século XXI crianças e adolescentes, principalmente negras e da periferia,
 continuam exploradas. (Divulgação)
Élio Gasda*

A exploração do trabalho infantil é uma prática adotada pelo capitalismo desde suas origens. A Revolução Industrial encheu as fábricas e esvaziou as escolas. O Dia Mundial contra o Trabalho Infantil, 12 de junho, instituído em 2002 pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), quer sensibilizar a sociedade e os governos a se mobilizarem contra essa perversidade.

Mercadoria barata e muito lucrativa, as crianças juntamente com as mulheres, eram a mão-de-obra mais explorada no final do século XVIII. Em situação de miséria, as famílias entregavam suas crianças aos donos das fábricas. Os orfanatos as vendiam. Aos seis anos viravam trabalhadoras. O pequeno porte e a finura dos dedos faziam delas os melhores auxiliares das máquinas. Suportavam salários ínfimos, jornadas desumanas e condições de higiene degradantes, com graves riscos de acidentes. Muitas foram mutiladas ou perderam a vida. Eram castigadas se produzissem aquém do esperado, ou se adormecessem em razão do extremo cansaço. Longe dos pais, a pedofilia era comum. Saíam das fábricas corrompidas, analfabetas e na miséria. Do mesmo jeito que entraram.

O trabalho infantil continua sendo amplamente utilizado. Estimativas da OIT indicam que 168 milhões de crianças em todo o mundo são exploradas. No Brasil, são quase três milhões. Desse universo, apenas 500 mil têm sua atividade formalizada ou como aprendizes. Essa exploração cresceu nos últimos três anos. Um emprego ocupado por uma criança substitui o de um adulto cuja remuneração seria muito superior. No atual contexto econômico globalizado, o baixo custo da mão-de-obra representa uma vantagem significativa.

A pobreza é a principal razão para que uma criança trabalhe. Elas são forçadas a assumir responsabilidades para ajudar no complemento da renda familiar. A mão-de-obra infantil está nas fábricas, nos semáforos, nas feiras, na prostituição, no narcotráfico, nas carvoarias e latifúndios, no serviço doméstico, nas ruas, nos lixões. Esta situação confirma a conexão entre pobreza, exploração no trabalho e evasão escolar.

A Constituição Federal de 1988 em seu artigo 227 determina que são deveres da família, da sociedade e do Estado: “Assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”. A Convenção dos Direitos da Criança da ONU proíbe qualquer tipo de exploração econômica da criança, considerando como tal qualquer espécie de trabalho que prejudique a escolaridade básica. É a família que deve amparar a criança e não o contrário. Quando a família não tem condições, cabe ao Estado protegê-la. O custo de alçar uma criança ao papel de arrimo de família é expô-la a danos físicos, intelectuais e emocionais. O trabalho infantil nunca foi estágio para uma vida bem-sucedida. É ineficaz como mecanismo de promoção social.

A Doutrina social da Igreja foi uma das primeiras a condenar a exploração de crianças. A Encíclica Rerum Novarum (1891), de Leão XIII, condenou a exploração do trabalho infantil já nas origens do capitalismo: “o que um homem na força da idade pode fazer, não será equitativo exigi-lo de uma mulher ou de uma criança. Especialmente a infância — e isto deve ser estritamente observado — não deve entrar na oficina senão quando a sua idade tenha suficientemente desenvolvido nela as forças físicas, intelectuais e morais: do contrário, como uma planta ainda tenra, ver-se-á murchar com um trabalho demasiado precoce, e dar-se-á cabo da sua educação”. (Rerum Novarum, 31).

Em pleno século XXI crianças e adolescentes, principalmente negras e da periferia, continuam exploradas. A democracia está longe do seu ideal se a criança se vê obrigada a abrir mão de seus direitos para trabalhar. Os caminhos para a superação da exploração da mão-de-obra infantil, do analfabetismo e da promoção da cidadania passam por um novo modelo de justiça social e não apenas por programas temporários. O trabalho infantil é uma grave violação aos direitos da criança.

O capitalismo, fiel à suas raízes, mantém a exploração dos menores em condições de verdadeira escravidão. “A chaga do trabalho infantil não foi debelada. Constitui um tipo de violência menos evidente do que outros, mas nem por isso menos terrível, denunciou João Paulo II (Mensagem para o Dia Mundial da Paz, 1996). “Tinha tantos sonhos, mas não tive infância, só trabalho duro”. Um simples doce no semáforo pode significar um passado, um presente e um futuro amargo.

#ChegadeTrabalhoInfantil. Não se omita! Denuncie! Disque 100, procure o Conselho Tutelar de sua cidade, a Delegacia Regional do Trabalho, as secretarias de Assistência Social, o Ministério Público do Trabalho ou pela internet: http://www.mpt.gov.br/denuncie.html; acesse www.mpt.gov.br/trab_inf.

Não há uma razão para isso, mas 168 milhões.

*Élio Gasda: Doutor em Teologia, professor e pesquisador na FAJE. Autor de: Trabalho e capitalismo global: atualidade da Doutrina social da Igreja (Paulinas, 2001); Cristianismo e economia (Paulinas, 2016).

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